Como bem orar, ou do zelo pela oração por São Boaventura



São Boaventura, rogai por nós.

 Extraído da "A Perfeição da Vida para as Irmãs" de São Boaventura.

Capítulo V - Do zelo pela oração

1. A esposa de Cristo que anseia por aperfeiçoar-se é simplesmente indispensável que exerça constantemente o seu espírito de oração e na devoção, porque o religioso indevoto e tíbio que não pratica a oração assídua, não é só miserável e inútil, mas, aos olhos de Deus, traz uma alma morta em corpo vivo. Sendo, pois, de tanta eficácia a virtude da oração que ela por si só desbarata as tentações e astúcias do inimigo maligno, que é o único a impedir a serva de Deus de erguer-se ao alto, ao céu, não só de estranhar que sucumba frequente e miseravelmente às tentações quem deixa de nutrir assiduamente o zelo pela oração. A propósito diz S. Isidoro(4) "O remédio para quem sente o ardor das tentações dos vícios é este: quantas vezes for tentado por algum vício, tantas vezes recorra à oração, pois que a oração rebate as impugnações os vícios". O mesmo adverte Nosso Senhor (5): Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. É tal o poder da oração piedosa, que por ela o homem pode obter tudo e em qualquer época: no inverno e no verão, nos dias serenos e e nos de chuva, de dia e de noite, nos dias de festa e nos dias úteis, na enfermidade e na saúde, na juventude e na velhice, estando em pé, sentado ou andando, no coro ou fora do coro. Às vezes, numa única hora de oração, ganha-se mais do que vale o mundo inteiro, porque com uma  pequena  oração devota o homem ganha o reino dos céus. Para saberes, porém, como deves orar e que qualidade deve ter a oração voi informar-te, na medida que o Senhor me inspirar, embora neste assunto eu mais careça de instruções que tu.

2. Para uma perfeita oração requerem-se três coisas: Primeiro, entregando-te à oração com o corpo e o coração erguidos e os sentidos fechados, reflete baixinho, com um coração amargurado e contrito, sobre todas as tuas misérias, isto é, sobre as presentes, as passadas e as futuras - Primeiro, portanto, pondera solicitamente quantos e quão graves pecados cometeste no decurso de toda a tua vida; quantos e quão grandes bens omitiste no mundo e na Ordem; quantas e quão grandes graças de teu Criador perdeste (1). Inquire ainda quão longe te agastaste de Deus pelo pecado, quando antes, estavas tão perto Dele, quão dissemelhante de Deus te tornaste, quando, em outro tempo, estavas tão semelhante a Ele (2); quão bela, outrora, era a tua alma, quando agora ela é tão feia e impura. - Cogita também para onde vais pelo pecado: para as portas do inferno; o que espera: o dia tremendo do juízo; o que te será dado por tudo isso: a morte eterna do fogo; - A exemplo do publicano do evangelho, bate imediatamente no teu peito (3), suspira com o profeta David, e, como Maria Madalena, lava com lágrimas os pés do Senhor. Não imponhas medida às suas lágrimas, porque sem medida ofendeste o amado Jesus. É isto o que diz S. Isidoro (4): "Quando nos achamos em oração diante de Deus, devemos gemer e chorar, recordando quão grave é o que cometemos, e quão duros são os suplícios do inferno que tememos". Estas pungentes meditações devem formar o princípio de tua oração.

3. Outro requisito na oração da esposa de Deus é a ação de graças. Com toda a humildade, pois, dê graças ao seu Criador pelos benefícios recebidos e ainda pelos a receber Aconselhava assim S. Paulo, apóstolo, na sua epístola aos Colossenses, capítulo quatro (5): Perseverai na oração, velando nela com ação de graças. Não há nada que torne o homem tão digno das dádivas divinas como o contínuo agradecimento pelos dons recebidos. Por isso escreve S. Agostinho a Aurélio (1): "Que de melhor poderíamos sentir no coração, pronunciar com a boca e escrever com a pena do que: Demos graças a Deus ? Nada pode dizer-se de mais breve, nem ouvir-se com mais alegria, nem entender-se em sentido mais sublime, nem fazer-se com mais proveito para a alma do que isto". - Estando, pois, em oração, medita, entre ações de graças, que Deus te fez homem; que te fez cristão; que te perdoou inúmeros pecados; que terias caído em muitos pecados se ele não houvesse te protegido (2), que o Senhor te chamou a uma religião altíssima e perfeitíssima , em que te apascentou e te apascenta sem trabalho teu. Medita que Deus por ti se fez homem, foi circuncidado e batizado. Por ti se tornou pobre e nu, humilde e desprezado. Por ti jejuou, sofreu fome e sede, trabalhou e se fatigou. Por ti chorou, verteu suor de sangue, te alimentou com o seu sacratíssimo corpo e te deu a beber o seu sangue preciosíssimo. Por tua causa foi esbofeteado, coberto de escarros, escarnecido e atado. Por ti foi crucificado, chagado, morto de uma morte ignominiosíssima e amaríssima, Tudo isso sofreu para a tua salvação. Foi sepultado, ressurgiu, subiu aos céus, enviou o Espírito Santo e prometeu dar a ti e a todos os eleitos o reino do céu. - Tal ação de graças, feita na oração, é utilíssima. Sem ela, a oração não possui valor. Pois "a ingratidão, no dizer de S.  Bernardo (3), é um vento abrasador que estanca e seca a fonte da piedade, o orvalho da misericórdia e os rios da graça".



4. O terceiro requisito indispensável oração perfeita é que teu espírito não pense, durante a oração, em outra coisa senão naquilo que oras. Seria indecorosíssimo falar alguém a Deus com a boca, enquanto o coração se ocupa em outras coisa; dirigir, por assim dizer, metade do coração ao céu, e outra metade na terra. Semelhante oração jamais será atendida pelo Senhor. Por isso, àquelas palavras do salmo (4). Clamei de todo o meu coração; ouve-me, Senhor, acrescenta a Glosa: "Um coração dividido não alcança coisa alguma". Deve pois a serva de Deus, no tempo da oração, apartar o seu coração de todos os cuidados exteriores, de todos os desejos mundanos e de todas as feições carnais. Dirija-se ao seu interior e levante de todo o coração e toda a alma somente àquele a quem dirige a sua oração. É o que te aconselha teu Esposo, Jesus, no evangelho (5): "Quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, em segredo, ora a teu Pai". terás entrado no teu quarto, quando tiveres encerrado no íntimo do teu coração todas as cogitações, todos os desejos, todas as tuas afeições. terás fechado a porta quando guardares teu coração com tamanha solicitude que nenhuma cogitação fantástica te possa impedir na devoção. "A oração, explica S. Agostinho (1), é a elevação da alma a Deus por um afeto devoto e humilde"


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Tradução do Frei Saturnino Schneider

(4) Libr. III. Sentent. c.7. n. t

(5) Math. 26, 41; Marc. 14, 38 ; Luc. 22, 40. et 46

(1) Cfr. supra Opusculum I. de Triplici Via, c.2. n.2, ubi etiam seqq. tanguntur.

(2) Respiciuntur verba ex Bernardi operibus supra pag. 312, nota 3, allegata.
(3) Luc. 18, 13: Percutiebat pectus suum dicens: Deus, propitius esto mihi peccatori. - Duo seqq, loci sunt Ps. 37, 9: Rugiebam a gemitu cordis mei, et Luc. 7, 38: Lacrymis cocpit rigare pedes eius
(4) Libr. III. Sentent. c. 7. n. 5,
(5) Vers. 2: Orationi instate etc.

(1) Epist, 41. (alias 77.) n. 1.
(2) Cfr. sura pag. 239, nota 1. et pag. 331, nota 4 in fine.
(3) Serm. 51. in Cant. n. 6
(4) Psalm. 118, 145.
(5) Math. 6, 6, quem locum August., II. de Serm. Domini in monte, c.3. n. 11

(1) Libr. de Spiritu et anima (inter opera August.), c.50.