Papas, santos e teólogos contra o comprar barato só para vender caro, como a especulação financeira

Do site:

https://economiaescolasticacatolica.wordpress.com/2019/04/03/tradicao-catolica-contra-a-especulacao-financeira/

Recordemos: as transações podem variar indefinidamente entre aquelas genuínas e perfeitamente lícitas por um lado, e o mero jogo ou aposta em preços futuros, por outro.

Pio XII

"Grave responsabilidade ante Deus a de aqueles cujo egoísmo cruel, acumulando e ocultando as provisões, ou de qualquer outra maneira, exploram odiosamente a miséria do homem, das pessoas em particular e dos povos em proveito próprio e pessoal e acaso para enriquecer-se com ilícitas especulações e com o mais vil comércio" [1].

Catecismo da Igreja Católica (Reinado do Papa João Paulo II)

"2409. Todo o processo de se apoderar e de reter injustamente o bem alheio, mesmo que não esteja em desacordo com as disposições da lei civil, é contrário ao sétimo mandamento. Assim, reter deliberadamente bens emprestados ou objetos perdidos; cometer fraude no comércio (Dt XV, 13-16); pagar salários injustos (Dt XIV, 14-15; Tg V, 4); subir os preços especulando com a ignorância ou a necessidade dos outros (Amós VIII, 4-6).

São também processos moralmente ilícitos: a especulação pela qual se manobra no sentido de fazer variar artificialmente a avaliação dos bens, com vista a daí tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção, pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais duma empresa; os trabalhos mal executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques e facturas, as despesas excessivas, o desperdício. Causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei moral e exige reparação."

Papa Francisco

"A especulação financeira, tendo a ganância de lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos." [2]"

S. Tomás de Aquino citando S. Agostinho, Cassiodoro e Aristóteles

Do Tratado sobre a Justiça, 2a da parte II, Q. 77, Art. 4 - "Se é lícito, negociando uma coisa, vendê-la mais caro do que custou":

"O quarto discute-se assim. – Parece que não é lícito, negociando uma coisa, vende-la mais caro do que custou.

1. – Pois, diz pseudo-Crisóstomo (Opus imperfectum in Matth, hom. 38). Todo aquele que compra uma causa para lucrar, vendendo-a inteira e tal qual a comprou, é um negociante que será expulso do templo de Deus. E aquilo da Escritura - Porque não conheci a literatura, ou a negociação, segundo outra letra (Sl. 70) - diz o mesmo Cassiodoro: Que outra causa é a negociação senão comprar mais barato e querer vender mais caro? E acrescenta: Tais negociadores Deus os expulsa do templo. Ora, ninguém é expulso do templo senão por algum pecado. Logo, tal negociação é pecado.

2. Demais. – É contra a justiça vender uma coisa mais cara ou comprá-la mais barata do que vale, como do sobredito resulta. Ora, quem, negociando, vende uma coisa mais cara do que comprou, necessariamente ou a comprou mais barata ou a vende mais caro do que vale. Logo, tal não se pode dar sem pecado (...).

Mas, em contrário, aquilo da Escritura - Não conheci a literatura - diz Agostinho (comentario ao Sl. 70): O negociante ávido de ganhar blasfema quando danificado, mente no preço das causas e perjura. Mas esses são vícios do homem e não, da arte, que pode ser exercido sem eles. Logo, negociar não é em si mesmo ilícito.

SOLUÇÃO. – É próprio dos negociantes praticar a troca das coisas. Mas como diz o Filósofo (I Pol 9) há duas espécies de troca. - Uma, como que natural e necessária, pela qual se troca uma coisa por outra; ou uma coisa por dinheiro, conforme às necessidades da vida (...). Outra espécie de troca é a de dinheiro por dinheiro ou de quaisquer coisas por dinheiro, não pelas necessidades da vida, mas para auferir lucro. E este é o negócio próprio dos negociantes.

Ora, segundo o Filósofo (I Pol 10), a primeira espécie de troca é louvável porque vem satisfazer a uma necessidade natural. A segunda, porém, é justamente condenada por que, pela sua natureza, serve à cobiça do lucro, que não conhece limite e tende ao infinito. Por onde, a negociação, em si mesma considerada, não visando nenhum fim honesto ou necessário, implica uma certa vileza. - Quanto ao lucro, que é o fim do negócio, embora não implique por natureza nada de honesto ou necessário, também nada implica de vicioso ou de contrário à virtude. Por onde, nada impede um lucro ordenar-se a um fim necessário ou mesmo honesto. E desse modo a negociação se torna lícita. Assim, quando buscamos, num negócio, um lucro moderado, empregando-o no sustento da casa ou mesmo em socorrer os necessitados. Ou ainda quando fazemos um negócio visando a utilidade pública, para não faltarem à pátria as coisas necessárias à vida; e buscamos o lucro, não como fim, mas como paga do trabalho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras de Crisóstomo devem entender-se do negócio que tem como último fim o lucro. O que sobretudo é o caso de quem vende mais caro uma coisa, no mesmo estado em que a comprou; pois, assim agindo, visa receber um prêmio pelo trabalho. Embora possamos licitamente visar um lucro, não como fim último, mas, mediante outro fim necessário ou honesto, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todo aquele que vende mais caro que comprou é negociante, mas só quem comprou com o fim de vender mais caro. Quem, porém, comprou uma coisa, não para vendê-la, mas para conservá-la e, depois, por alguma causa quer vendê-la, não faz negócio, embora a venda mais caro.

Pois, pode fazê-lo licitamente, quer por ter melhorado a coisa, ou porque o preço dela mudou, conforme à diversidade de lugar ou de tempo; ou pelo perigo a que se expõe transportando-a de um lugar para outro ou fazendo-a transportar. E nesse caso não é injusta nem a compra nem a venda (...)."

Enciclopédia Católica (sobre especulação, em 1912)

"Sem incorrer na reprovação de desonestidade moral eu posso comprar mil reais em valor de ação em determinado momento de um corretor quando nem o comprador nem o vendedor pretendem a transferência efetiva da ação, mas meramente o pagamento de diferenças quando o dia determinado chegue. Essencialmente, a transação é uma aposta sobre qual será o preço da ação no dia da liquidação. E se o comprador ou o vendedor dispõe livremente do dinheiro envolvido na aposta, e não há fraude, negociação injusta, ou outros males adjuntos ou oriundos da transação, a aposta não será moralmente errada..

Entretanto, apostar é quase sempre um passatempo perigoso e frequentemente moralmente errado. Do mesmo modo, a especulação tende a desenvolver uma paixão que frequentemente leva à ruína da especulador e sua família (...). Além disso, na prática, o evento na qual a aposta é feita por alguém que especula no futuro é devido totalmente às operações de causas naturais.


Quando grandes somas de dinheiro está em jogo a tentação de influenciar o curso dos preços se torna quase irresistível. Assim, o feroz e frequente entrave entre "bulls" e "bears" nas Bolsas. Grupos de uma parte, interessados na alta dos preços, compram as ações de maneira que o aumento na demanda pode produzir o efeito desejado. Frequentemente a compra é meramente fictícia, mas esse fato não é sabido pelo público externo. As compras são publicadas, habilmente comentadas pela mídia mercenária que fala de finanças, reportagens mentirosas e elogiosas são inseridas nos jornais visando aumentar o preço da ação e atrair investidores endinheirados. A parte oposta adota a tática contrária, mas igualmente imoral. Eles fazem vendas fictícias ou reais e fazem tudo que podem para depreciar a ação em favor deles por meios leais ou desleais. Grandes financistas que possuem grandes somas de dinheiro podem e influenciam os mercados quase tanto como eles querem, e o pequeno especulador é usualmente engolidos por eles. Financistas ricos e sindicatos gigantescos pode frequentemente comprar ou obter controle efetivo sobre total a oferta disponível de alguma ação ou commodity e então cobrar preços monopolísticos (...).

A especulação de fato tem seus defensores e advogados, especialmente entre corretores e revendedores, que clamam que esta equaliza preços e previne flutuações que de outro modo seriam inevitáveis. Alguns afirmam que as transações especulativas têm pouco efeito apreciável na compra e venda para transferências. Em volume e número as transações especulativas são muito maiores que as transações efetivas, mas as duas são conduzidas separadamente e em grande parte por grupos distintos. É afirmado que o mercado especulativo é em grande parte separado e distinto do verdadeiro mercado.

Estes dois argumentos em favor das transações especulativas se destroem mutuamente. Se as transações especulativas equalizam preços, não pode ser verdade que elas têm pouco efeito apreciável nos mercados. Como o resultado da especulação depende do preço atual de mercado da ação ou commodity em questão no tempo escolhido, não pode ser dito que as transações especulativas são independentes das compras e vendas efetivas (...).

Portanto, a argumentação de produtores e consumidores de que a especulação tem um efeito desastroso nas transações de negócios reais parece ser bem sólida. Eles sustentam que especuladores desnaturalizam preços. Estes deveriam ser regulados, e são naturalmente regulados, pelos variados custos de produção e pela mútua interação de oferta e demanda; mas os negócios artificiais de especuladores tendem a fixar preços sem referência a estes fatores naturais. Assim, produtores e consumidores são roubados por homens espertos, que manipulam mercados nos seus próprios interesses, produzem nada, não fazem nenhum serviço social útil, e são parasitas do comércio" [3].

Venerável Pe. León Dehon

"II. – As especulações e golpes da bolsa

71. Os jogos de bolsa e mercados futuros são ocasião de injustiças flagrantes. Os ingênuos, que jogam de boa fé confiando em seus pequenos talentos, apenas prejudicam a si mesmos, frequentemente desperdiçando seu dinheiro. Cometem o pecado do jogo, não da usura.

Mas os habilidosos jogam com certeza. Ou conhecem as notícias que podem influenciar a Bolsa de Valores, ou as geram; ou então têm, pela quantidade de títulos à sua disposição, a facilidade de provocar um aumento ou uma diminuição por meio de vendas e compras habilmente combinadas. Em todos esses casos, o especulador abusa da boa fé dos outros para expandir sua fortuna.

Às vezes, golpes de bolsas visam derrubar uma instituição poderosa, como aconteceu com a União Geral em 1882. Houve então uma grande fraude e uma conspiração política.

72. A Agiotagem nas mercadorias conduz aos mesmos resultados. A compra da mercadoria no mercado futuro pode ter alguma utilidade. Ela pode servir de base para a fabricação e para a venda, mas mais correntemente ela é imoral, ou melhor, é um puro jogo do azar, e isto é um pecado da imprudência; ou se resume, como os jogos da bolsa, a notícias falsas e aos golpes de ações, e isto é uma farsa. Ou então leva à monopolização que pesa tanto sobre os consumidores quanto sobre os produtores, e esta é então outra manobra usurária, que apontamos acima" [4].


Plinio Corrêa de Oliveira sobre intermediários inúteis

"Compreende-se, pois, que toda a máquina econômica de um país fica profundamente viciada em sua estrutura, pelo trabalho habitual de intermediários supérfluos. Infelizmente, esse mal se tornou crônico na economia moderna. E a fonte do mal está, principalmente, na especulação.

Nos grandes centros comerciais, tornam-se cada vez mais numerosos os intermediários que não tem a menor intenção real de encaminhar a mercadoria ao consumidor. Intermediários de intermediários, limitam-se eles a adquirir pela manhã um artigo, revendendo-o à tarde a outro intermediário, e apurando com isto alguma diferença de preço. Negociam com sacos de café, de milho, de trigo; com cabeças de gado ou partidas de algodão; com metas ou títulos de sociedades anônimas; e, em tudo isto, não prestam ao comércio o menor serviço real. Limitam-se a viver das diferenças apuradas nas operações de bolsa.

Este mal, já bem grave de per si, assume proporções gigantescas, dadas as facilidades de comunicação modernas. A especulação inútil já não se limita a uma praça ou a um mercado, mas estende seus tentáculos pelo mundo inteiro. Compra-se na China, vende-se por telegrama oito ou dez horas depois em Nova York, e, com o lucro apurado na transação, compra-se em São Paulo ou no Rio Grande do Sul, para vender pouco depois em  Buenos Aires ou Genebra. Assim, é toda a economia mundial que sofre com a ação perfeitamente estéril de intermediários inúteis.

Mais ainda. Muitas vezes, o intermediário chega a intervir intencionalmente nas operações, força artificialmente a alta ou a baixa de certos produtos, reduz à miséria regiões inteiras, ou põe outras em delírio pela vertigem de uma prosperidade efêmera, tudo a fim de obter um lucro na diferença de preços.

A jogatina dos cassinos arruína particulares. A jogatina da bolsa pode arruinar zonas inteiras, votar à decadência industriais prospérrimos, anarquizar a economia de toda uma região, e, assim, transformar em paradas de jogo os interesses de famílias sem conta, não apenas em uma, mas em inúmeras gerações.

Acrescente-se a tudo isto que a jogatina comercial, se por vezes dá origem a fortunas fabulosas, por vezes também atrai para os azares e as seduções das grandes aventuras comerciais pessoas de vida econômica perfeitamente organizada, e, ali, as reduz à mesma miséria a que a roleta expõe comumente o jogador. Da noite para o dia, uma fortuna imensa poderá estar desfeita, atirada à desgraça uma família, arruinado um lar, simplesmente porque seu chefe, alucinado pela perspectiva de ganhos fabulosos, não quis contar, em seus cálculos, com a precariedade de todas as operações de bolsa" [4].

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[1] Radiomensagem de 4 de abril de 1946: AAS 38 [1946] 168
[2] Fratelli tutti (3 de outubro de 2020) | Francisco, No. 168. Link: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html#_ftnref141
[3] 
Slater, T. (1912). Speculation. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Link: http://www.newadvent.org/cathen/14211a.htm
[4] L’usure au temps présent - étude sur l’usure au double point de vue de la morale et de l’économie sociale, Pe. Leon Dehon, Supérieur des Prêtres du Sacré Coeur de Jésus, Paris, maison de la bonne presse 8, rue françois ier

[4] "Ainda o jogo", Legionário, N.º 542, 27 de dezembro de 1942