Bíblia e santos sobre a modéstia no falar, como palavrões, chocarrice, etc. Respostas às objeções


S. Paulo Apóstolo, rogai por nós!

Veja também: Sobre o vício do falar imodesto, por Santo Afonso Maria de Ligório


Artigo antigo, agora corrigido e organizado em um só para melhor leitura.

Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados" (volume II, 2a edição).

Sagrada Escritura

Aquele que profere uma linguagem iníqua, não pode fugir dele, e a Justiça vingadora não o deixará escapar; pois os próprios desígnios do ímpio serão cuidadosamente examinados; o som de suas palavras chegará até o Senhor, que lhe imporá o castigo pelos seus pecados. Sabedoria I

 
Disse comigo mesmo: Velarei sobre os meus atos, para não mais pecar com a língua. Porei um freio em meus lábios, enquanto o ímpio estiver diante de mim. Salmo XXXVIII

Não se acostume a tua boca a palavras indiscretas; porque nelas há sempre pecado. Eclo XXIII

O homem acostumado a dizer impropérios nunca se corrigirá em toda a sua vida. Eclo XXIII

O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, porque a boca fala daquilo de que o coração está cheio. S. Lucas VI

Nenhuma palavra má saia da vossa boca, mas só a que seja boa para a edificação da fé. Ef IV

Nem sequer se nomeie entre vós a fornicação ou qualquer impureza ou avareza, como convém a santos. Nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas. Ef V

São João Crisóstomo

“(...) [o apóstolo] coloca as conversas obscenas e gracejos como veículos da luxúria, porque ele procede, ‘Nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas, que são coisas inconvenientes, mas antes prefiram ações de graças a Deus’.

Com nenhuma leviandade, nem obscenidade, seja em palavras ou em ações, e vocês irão apagar a chama – deixe que elas nem sejam nomeadas, disse ele, entre vós, isto é, não deixe que sequer apareçam. Isso ele diz escrevendo aos Coríntios. ‘Sei que atualmente há fornicadores dentre vós’ 1 Cor 5:1, o que é dizer: sejam todos puros. Porque palavras são uma via para a ação. Então, para que ele não pareça uma pessoa austera e autoritária, e destruidora das ludicidades, São Paulo adiciona a razão, dizendo que elas são inconvenientes, porque nada tem a ver conosco – melhor são ações de graças a Deus.” [1]

Santo Ambrósio

"Não aprovo nas palavras ou gestos nada afetado, nem tampouco nada selvagem ou rústico. imitemos a natureza, que é exemplo de disciplina e modelo de honestidade". [2]

Santo Tomás de Aquino

Falando sobre os divertimentos excessivos, Santo Tomás fala do “caso da brincadeira chamada por Túlio de “grosseira, insolente, indecente e obscena”: que acontece quando se empregam, por divertimento, palavras ou atos vergonhosos ou prejudiciais ao próximo e são, em si mesmos, pecados mortais. E assim, o excesso nos jogos é pecado mortal” [3]

“Objeção 1: O Apóstolo diz em Efésios 5, 3: Nem sequer se nomeie entre vós a fornicação ou qualquer impureza ou avareza, como convém a santos. E adiciona (v.4): nada de obscenidades, de conversas tolas ou levianas. Tudo isto interpreta a Glosa, obscenidades (beijos e abraços), conversas tolas (conversa mole e obscena), e levianas (jocosidade, o que os néscios chamam chocarrice). E depois ele continua (Ef.5,5): “Porque sabei-o bem: nenhum dissoluto, ou impuro, ou avarento - verdadeiros idólatras! - terá herança no Reino de Cristo e de Deus.”. Isto é, não fazer menção nesse versículo à obscenidades, à conversa tolas, e à conversas levianas, anteriormente citadas, é dizer que estas não são pecados mortais.

Quanto ao 1, o apóstolo não menciona os três últimos atos porque não são graves senão enquanto direcionados aos anteriores mencionados.” [4]

São Francisco de Sales

“Se alguém não peca por palavras, é um homem perfeito, diz São Tiago.

Tem todo o cuidado em não deixar sair de teus lábios alguma palavra desonesta, porque, embora não proceda de uma má intenção, os que a escutam a podem interpretar de outra forma. Uma palavra desonesta que penetra num coração frágil estende-se como uma gota de azeite e às vezes toma posse de tal modo dele que o enche de mil pensamentos e tentações sensuais. É ela um veneno do coração, que entra pelo ouvido; e a língua que serve de instrumento a esse fim é culpada de todo o mal que o coração pode vir a sofrer, porque, ainda que neste se achem disposições tão boas que frustrem os efeitos do veneno, a língua desonesta, quanto dela dependia, procurou levar esta alma à perdição. Nem se diga que não se prestou atenção, porque Nosso Senhor disse que a boca fala da abundância do coração. E, mesmo que não se pensasse nada de mal, o espírito maligno o pensa, e por meio dessas palavras suscita o sentimento mau nos corações das pessoas que as ouvem.

Diz-se que quem comeu a raiz denominada angélica fica com um hálito doce e agradável, e os que possuem no coração o amor à castidade, que torna os homens em anjos na terra, só tem palavras castas e respeitosas. Quanto às coisas indecentes e desonestas, o apóstolo nem quer que se nomeiem nas conversas, afirmando que nada corrompe tanto os bons costumes como as más conversas. (...) Assim, se um louco te disser palavras indecentes, testemunha-lhe logo a tua indignação, voltando-se para falar com uma outra pessoa ou de algum outro modo que sugerir a prudência.

Muito má qualidade é ter um espírito motejador. Deus odeia extremamente este vício e puniu-o, como se lê no Antigo Testamento, com muita severidade. Nada é mais contrário à caridade e máxime à devoção que o desprezo do próximo, mas a irrisão e mofa trazem forçosamente consigo este desprezo; é, pois, um pecado muito grave e dizem os moralistas que, entre todos os modos de ofender o próximo por palavras, este é o pior, porque tem sempre unido o desprezo, ao passo que nos outros a estima ainda pode subsistir. Mas, quanto a esses jogos de palavras espirituosas com que pessoas honestas costumam divertir-se, com uma certa animação, sem pecar contra a caridade ou a modéstia, são até uma virtude, que os gregos chamam eutrapelia ou arte de sustentar uma conversa agradável; servem-se para recrear o espírito das ocasiões insignificantes que as imperfeições humanas gerais fornecem ao divertimento. Somente deve-se tomar o cuidado que essa alegria inocente não se vá tornando em mofa (...)” [5]

“Dois extremos me parece que devem ser evitados cuidadosamente.

O primeiro consiste em assumir, nas conversas de que se participa, um ar orgulhoso e austero, de um silêncio afetado, manifestando desconfiança ou desprezo.

O segundo consiste em falar demais, se deixar ao interlocutor nem tempo nem ocasião de dizer algumas palavras, o que deixa transparecer um espírito presunçoso e leviano.” [6]

Santo Afonso M. de Ligório citando S. Bernardino de Siena, S. Bernardo e S. Agostinho

“Explicando o Salmo 140, Santo Agostinho chama aqueles que falam obscenidades de mediadores de satanás, ministros de Lúcifer, porque, pela sua linguagem obscena, o demônio da impureza ganha acesso às almas (...). A língua obscena pode se dizer que é a língua da terceira pessoa, da qual o Eclesiástico 28:16 diz “A má língua de um terceiro inquietou a muitos, e dispersou-os de povo em povo.” A língua espiritual fala de Deus, a língua mundana fala das cosias mundanas, mas a língua da terceira pessoa é uma língua do inferno, que fala da impurezas da carne, e essa é a língua que perverte a muitos, levando-os à perdição. (...)

São Bernardino de Siena relata que uma virgem, que levava uma vida santa, ouvindo uma palavra obscena de um jovem, começou a ter maus pensamentos, e depois caiu no vício da impureza de tal modo, que se o demônio tomasse corpo humano, ele não seria capaz de cometer tantos pecados desse gênero quanto ela. (...)

Palavras imodestas, faladas na frente de pessoas do sexo diferente, são sempre acompanhadas com complacência pecaminosa. E não é o escândalo que você faz aos outros criminoso? Solte uma só palavra obscena, e levará ao pecado todos aqueles que o ouvem. Tal é doutrina de São Bernardo.” [7]
 

Respondendo objeções várias tiradas da Bíblia e de casos de santos (parte do artigo sujeita à censura eclesiástica)
 

Obj.1: “Porque na mão do Senhor está o Cálice de vinho puro cheio de uma mistura, E deitou deste naquele: certamente as suas fezes não se esvaziaram: delas beberão todos os pecadores da terra”, Sl 74, 9. Isso confirma o uso de palavras de baixo nível com os ímpios.

R: Deus se refere aos ímpios dessa maneira de modo profético, isto é, os ímpios estão já destinados a tomar o cálice do furor de Deus. Ora, ninguém pode dizer de outra pessoa que ela já está destinada à impiedade. Por isso, a Escritura diz “os pecadores” genericamente.

Para responder com precisão as palavras que devemos rechaçar e o versículo acima, dividamos as palavras e/ou xingamentos nas seguintes categorias:

1 - Obscena/imoral (ex: evocadores de imagens impudicas, como partes impudendas do corpo, atos imorais, contra a natureza, homossexualidade, bestialidade, etc)

2 -
Desonroso (ex: à família, a quem se dirige a palavra, sua mulher, pais, etc)

3 - Nojento: dependendo de cada local (ex: evocadores de imagens de todas as coisas que vão ao lixo ou servem de adubo, ou de atos que dão origem a algo de lixo, podridão, etc).

4 - Socialmente ruins: não são intrinsecamente más, mas tomaram o caráter de palavrão por um costume local, ou por uma questão social, ou por outra razão (exemplos: "fezes" e "prostituta" aparecem na Escritura, mas algumas palavras que designam as mesmas coisas são palavrões em certos locais. Além disso, outras palavras, antes inexistentes, que em certos locais são usadas como palavrões, ou evocativas de obscenidades).

Antes de avaliarmos cada uma, é importante notar duas coisas: muitas vezes uma palavra se encaixa em mais de uma categoria, e muitas vezes alguém, no mundo neo-pagão hodierno, fala um palavrão por desconhecimento dessas questões. Entretanto, o homem simples, que tem muito respeito por si e pelos outros, e que evita toda imoralidade, naturalmente é avesso às palavras de qualquer categoria acima exposta.


Sobre palavras obscenas/imorais e palavras desonrosas: ferem algum mandamento da lei de Deus, seja evocando imagens que não devem ser evocadas, seja desonrando alguém, através de falsas alegações, relacionado a quem a palavra é dirigida. Não devem ser usadas por brincadeira, pois a brincadeira tende a amolecer a seriedade do mau que há nesses atos.
 

Sobre palavras
socialmente ruins: não devemos falar, mesmo se em outro lugar ou em nossa terra de origem a palavra não for um palavrão, porque isso pode causar um escândalo local, por causa da sensibilidade social que relaciona a palavra à alguma das outras categorias (obscena/imoral, nojenta ou desonrosa). É preciso lembrar que uma palavra usada antigamente pode ter tido, ao longo do tempo, o seu sentido modificado de tal modo que se tornou um palavrão ou tomou um sentido ruim: isso não culpa quem a proferiu no passado, obviamente. Além disso, a mesma advertência acima sobre o uso dessas palavras em brincadeiras vale aqui: não se brinca com o demônio, nem com suas artimanhas.

Sobre palavras
nojentas: embora não sejam também intrinsecamente más, aquilo que é nojento de alguma forma atinge a dignidade do homem, que não deve pensar nestas coisas ou tomar gosto em evocá-las, por serem baixas, embora precisem estar no vocabulário (como "fezes" está na Bíblia), por causa que esta vida requer que saibamos nomeá-las. Muitas vezes, por causa da sensibilidade social às coisas vis, essas palavras precisam ser trocadas por outras menos socialmente sensíveis. Nestes casos, a palavra entra em duas categorias, isto é, a 3 e a 4.

Assim, quando o salmista, no versículo da objeção acima, fala da dignidade dos pecadores, que no inferno futuro é nula, evoca-a com uma imagem fortemente nojenta para causar repulsa em quem lê. Mas o salmista não queria, certamente, deixar nas pessoas um gosto em tratar dessas coisas vis como fazem, querendo ou não, os que habitualmente usam palavras dessa categoria.

Obj.2: Nosso Senhor (S. Mateus XXIII) chama os escribas e fariseus de coisas baixas, logo, é possível usar um vocabulário semelhante com os outros, pois “filho do inferno” significa o produto da pior coisa possível. Assim, quaisquer outras palavras podem ser empregadas no vocabulário ou em xingamento, pois nunca chegarão à hediondez de “filho do inferno”.

R: Nosso Senhor usa tais palavras em repreensões, que podem ser usadas em certos contextos, e não no vocabulário cotidiano.

Ademais, inferno é conhecido como o lugar onde estão as piores coisas, mas a imagem destas coisas não vem à mente quando pensamos no inferno, uma vez que há outras coisas no inferno. Diga-se o mesmo de outros vocábulos usados por Nosso Senhor, e ao longo da história por muitos santos.

Quanto ao termo “meretriz”, tantas vezes usado na Escritura, também não necessariamente nos lembra algo imoral, pois quando alguém relaciona a palavra com seu sentido não necessariamente imagina toda a licenciosidade por trás, o que provavelmente aconteceria se fossem mencionados os atos sexuais e assuntos a estes relacionados.

No entanto, não podemos acusar ninguém de algo que não é, mas pode vir a ser, como fornicador, assassino, etc. Por isso, a palavra “meretriz” não pode ser usada contra outra pessoa que não o é.

Obj.3: "Mas Saul irado contra Jônatas, disse-lhe: Filho de mulher perversa e rebelde, não sei eu por ventura que amas ao filho de Isai para confusão tua, e para confusão da tua infame mãe?" I Samuel XX. Aqui vemos um palavrão contra a mãe do outro, mas a Bíblia não o reproduziria se fosse obsceno.

R: Saul desonra Jônatas tão somente, mas não com uma palavra socialmente relacionada à obscenidade, pois comenta o Padre francês Fillion sobre esse versículo:

"30-34. Furor de Saul contra Jônatas - Fili mulieris... Literal no hebraico: filho da (mulher) perversa em rebelião. Maneira de dizer à Jonatas que ele é mau desde o nascimento. No oriente, um insulto desse gênero não é considerado como ataque à mãe; mas é considerado extremamente cruel ao filho".

Assim, o contexto social em que o insulto foi empregado (no oriente antigo) encaixa-o na categoria de desonroso a quem foi dirigido o insulto, mas não socialmente ruim relacionado a algo obsceno, como pretendem aqueles que citam esse versículo para justificar suas palavras.


Obj.4: São Thomas More [8] fez uso de palavras obscenas.

Ele foi canonizado por causa da virtude heroica em relação aos eventos que envolveram seu martírio, e não pela vida toda.

Obj.5: São Francisco de Assis recomendou dizer ao Frei Rufino que era tentado por uma visita do demônio: “Abre a boca para eu te cagar aí” [9].

O que se deve dizer ao demônio é diferente do que se deve dizer aos homens, pois o homem vivo não é nem precito, nem totalmente do diabo, que é um obstinado.

Ademais, temos um caso semelhante ao caso do Salmo 74, respondido acima, pois o verbo encaixa-se nas categorias de palavras nojentas e socialmente ruins, embora talvez não se encaixasse no tempo e língua de S. Francisco de Assis.

Obj.6: O fundador da Opus Dei falava em “apostolado dos palavrões” [10], e foi canonizado no novo processo de canonização criado por João Paulo II.

No começo deste volume há um artigo sobre as novas canonizações. De qualquer forma, a pessoa de bom senso vê, nesse artigo, a contradição entre a posição dos santos antigos com o Monsenhor espanhol, e reflete sobre a infalibilidade dos novos processos.

 
CLIQUE: Modéstia, Pureza e Elegância: masculina e feminina

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[1] João Crisóstomo, Comentários em Efésios 5. Translated by Gross Alexander. From Nicene and Post-Nicene Fathers, First Series, Vol. 13. Edited by Philip Schaff, Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1889.
[2] I De Offic C. 19, n. 84: ML 16, 49 A.
[3] Suma Teológica, II-II, q. 168, a.3, Ed.Loyola
[4] Idem, II-II, q. 154, a.4
[5] Filotéia, Parte III, Cap. 27, Ed.Vozes
[6] Idem, Parte III, Cap.30
[7] The Sermons of St.Alphonsus Liguori for All Sundays of the year, Sermon XL, pg. 300 

[8] The Complete Works of St. Thomas More, ed. John M. Headley, vol. V, New Haven: Yale University Press, 1969, Responsio ad Lutherum, pp. 181 ss.
[9] I Fioretti, cap.29.
[10] Josemaría Escrivá, O Caminho, cap.40