Sobre o amor conjugal: relação do divórcio com o sentimentalismo por Plinio Corrêa de Oliveira

O amor conjugal — divórcio e sentimentalismo

Quem vê passar, em seu carro de cor risonha, o jovem – ou a jovem – desta era de lepidez, esporte e vitaminas, não achará que estamos a léguas do sentimentalismo?

O jovem é robusto, alegre, parece bem instalado na vida, cheio de senso prático e do desejo de vencer.

A jovem é desembaraçada, empreendedora, utilitária, muitas vezes ardida. Também ela está alegre, sente-se bem, e quer “aproveitar” a existência.

Que há nela de comum com a dama de gênero lacrimejante que comovia nossos avós?

Mas , a despeito de todo o utilitarismo, o terreno reservado ao sentimento continua muito considerável.

E, se analisarmos este “sentimento”, veremos que ele não é senão uma adaptação muito superficial dos velhos temas sentimentais.

A questão da estabilidade do convívio conjugal depende de saber até que ponto o interesse ou o sentimentalismo podem levar os cônjuges a se suportar mutuamente.

O sentimentalismo é essencialmente frívolo.  Ele  não perdoa trivialidades. De sorte que — para ir à carne viva da realidade é preciso exemplificar — um modo ridículo de roncar durante o sono, o mau hálito, qualquer outra pequena miséria humana enfim, pode matar inapelavelmente um sentimento romântico que resistiria às mais graves razões de queixa.

Ora, a vida quotidiana é um tecido de trivialidades, e não há pessoa que no convívio íntimo não as tenha mais ou menos difíceis de suportar.

E como o sentimentalismo, por essência e por definição, é todo feito de ilusões, de afetos descontrolados e hipotéticos,  por pessoas que só se- riam possíveis no mundo das quimeras, a conseqüência é que em pouco tempo os sentimentos, que eram a única base psicológica da estabilidade do convívio conjugal, se desfazem.

Uma pessoa nestas condições não desce ao fundo das coisas, não percebe o que há de substancialmente irrealizável em seus anelos, e julga pura e simplesmente que se enganou.

Entende ela, pois, que ainda pode encontrar em outrem a felicidade que o casamento não lhe deu.

De onde o divórcio lhe parecer  absolutamente tão necessário quanto o ar, o pão ou a água.

Em  última  análise, sentimentalismo  é  apenas  egoísmo.

O sentimental  não procura senão sua própria felicidade, e só concebe o amor na medida em  que o “outro” seja instrumento adequado a torná-lo feliz.
 

Sobre o egoísmo nada se constrói... a família, menos ainda do que qualquer coisa.

É preciso pois mostrar a substancial diferença que vai da caridade cristã,  toda feita de sobrenatural, de bom senso, de equilíbrio de alma, de triunfo sobre os desregramentos da imaginação e dos sentidos, toda feita de piedade e de ascese enfim, para o amor sensual, egoístico, feito de descontroles, de sentimentalismo romântico ainda tão em voga.
 

Enquanto a concepção sentimental influenciar implícita ou explicitamente a mentalidade dos nubentes, todo o casamento será precário.

Pois terá sido construído sobre o terreno essencialmente pegajoso, movediço, vulcânico, do egoísmo humano.  


(Cap. VII À procura de almas com alma, Excertos do pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira recolhidos por Leo Daniele, Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1998)