Igreja a favor do direito do proprietário à terra mesmo com desuso ou abuso dela (contra a mera função social dela), do herdeiro, do lucro


Do site Economia Escolástica Católica


Recomendamos a leitura do seguinte artigo: Igreja Católica a favor da desapropriação, mas só em casos urgentes que visam o bem-comum, e com posterior indenização

A Santa Igreja também não defende um direito absolutista da terra, como se não houvesse institutos do direito como "requisição administrativa" e "servidão administrativa", ou assuntos urgentes do gênero. Afirmações em negrito após a introdução do tópico, e em seguida os trechos ilustrativos dos Papas e Santos.

-A favor do direito do proprietário à terra mesmo com desuso ou abuso dela


O homem tem sobre os bens da terra, não somente o simples uso, como os brutos, mas também o direito de propriedade, tanto a respeito das coisas que se consomem com o uso, como das que o uso não consome. Daí segue que a propriedade improdutiva não é um mal em si, e não se perde o direito à ela por isso ou pelo abuso dela.

Pio XI citando Leão XIII

“A fim de pôr termo às controvérsias que acerca do domínio e deveres a ele inerentes começam a agitar-se, note-se em primeiro lugar o fundamento assente por Leão XIII, de que o direito de propriedade é distinto do seu uso (Encíclica Rerum Novarum, § 35). Com efeito, a chamada justiça comutativa obriga a conservar inviolável a divisão dos bens e a não invadir o direito alheio, excedendo os limites do próprio domínio; mas que os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente, é da alçada não da justiça, mas de outras virtudes, cujo cumprimento ‘não pode urgir-se por vias jurídicas’ (cfr. Encíclica Rerum Novarum, § 36)” [1].

"Pelo quê sem razão afirmam alguns, que o domínio e o seu honesto uso são uma e a mesma coisa; e muito mais ainda é alheio à verdade dizer, que se extingue ou se perde o direito de propriedade com o não uso ou abuso dele" [2].

Objeção da Pastoral da Terra: Pio XII denuncia o capitalismo agrário que expulsa do campo os humildes agricultores forçados a abandonar sua terra em troca de ilusões e frustrações no meio urbano: “O capital se apressa a apoderar-se da terra (...) que se torna, assim, não mais objeto de amor, mas de fria especulação. A terra, nutriz generosa das populações urbanas, como das populações camponesas, passa a produzir apenas para esta especulação e enquanto o povo sofre fome, o agricultor oprimido de dívidas, caminha lentamente para a ruína, a economia do país se esgota, para comprar a preços elevados o abastecimento que se vê obrigada a importar do exterior” [3].

Resposta de Dr. Plinio: O IPT expõe mal a doutrina do Pontífice, ao lhe atribuir um pensamento que não é o seu. Com efeito, no trecho em referência, Pio XII põe de alerta os agricultores contra a sedução da vida urbana que induzia muitos a abandonarem suas terras; em conseqüência disto, o capital se assenhorearia das terras abandonadas, que trataria de modo frio e sem amor: “Esta terra, ASSIM ABANDONADA, o capital se apressa em fazê-la sua” [4].

-Contra a mera função social da terra

O direito do indivíduo e da família à propriedade é um direito vinculado por deveres sociais, mas não é meramente uma função social, isto é, tem carácter individual e social.

Pio XII

“O direito do indivíduo e da família à propriedade é uma conseqüência imediata da essência da pessoa, um direito da dignidade pessoal, um direito vinculado, é verdade, por deveres sociais; não é porém meramente uma função social” [5].

Pio XI

"Para, evitar o escolho quer do individualismo quer do socialismo, ter-se-á em conta o duplo carácter individual e social tanto do capital ou propriedade, como do trabalho. As relações mútuas de um com o outro devem ser reguladas segundo as leis de uma rigorosa justiça comutativa, apoiada na caridade cristã" [6].

-Herdeiros

A ordem natural das coisas cria na família um justo direito da esposa e dos filhos aos frutos do trabalho do marido e do pai. E isto tanto é verdade em relação aos frutos morais (honra, consideração, influência), quanto aos frutos materiais, isto é, as coisas úteis ao corpo.

Leão XIII

"A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum patrimônio que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse patrimônio poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possa transmitir-lhes por via de herança?" [7].

Pio XI

"... devem sempre permanecer intactos o direito natural de propriedade e o que tem o proprietário de legar os seus bens" [8]. E "o Apóstolo não ensina, nem podia ensinar, que o trabalho é o único título para receber o sustento ou perceber rendimentos" [9].

Pio XII

"E é de acordo com o espírito da "Rerum Novarum" afirmar que, via de regra, só a estabilidade que se radica na própria gleba faz da família a célula vital mais perfeita e fecunda da sociedade, reunindo admiravelmente com sua progressiva coesão as gerações presentes e futuras" [10].

-Lucros

O regime do salariado respeita os direitos do legítimo proprietário e do trabalhador. É, pois, justo em si. Quanto à participação nos lucros, na gestão e na propriedade, é muito desejável nos casos, mais ou menos freqüentes ou raros, conforme os tempos e os lugares, em que for viável. Por isto a lei a pode favorecer, nunca porém impor.

Pio XI citando Leão XIII

"Erram certamente os que não receiam enunciar este princípio, que tanto vale o trabalho e tanto deve ser a paga, quanto é o valor do que se produz; e que por isso na locação do próprio trabalho tem o operário direito de exigir para ele tudo o que produzir (...).

"os que dizem ser de sua natureza injusto o contrato de trabalho, e pretendem substituí-lo por um contrato de sociedade, dizem um absurdo e caluniam malignamente o Nosso Predecessor que, na Encíclica "Rerum Novarum", não só admite a legitimidade do salário, mas procura regulá-lo segundo as leis da justiça" [11].

Pio XII

"Não se estaria tampouco na verdade querendo afirmar que toda empresa particular é por natureza uma sociedade, na qual as relações entre os participantes sejam determinadas pelas regras da justiça distributiva, de sorte que todos indistintamente – proprietários ou não dos meios de produção – teriam direito à sua parte na propriedade ou pelo menos nos lucros da empresa. Tal concepção parte da hipótese de que toda empresa entra por natureza na esfera do direito público. Hipótese inexata: quer seja a empresa constituída sob forma de fundação ou de associação de todos os operários como co-proprietários, quer seja propriedade privada de um indivíduo que firma com todos os seus operários um contrato de trabalho, num caso como no outro, ela depende da ordem jurídica privada da vida econômica" [12].

Na sociedade, é justo que os mais capazes, mais ativos, mais econômicos tenham o que produziram graças a suas superiores possibilidades, por isso é legítima a diferenciação das propriedades deles em grandes, médias e pequenas, e quiçá a existência de uma classe condignamente remunerada, mas sem terras.

"Mas, dirá alguém, a parábola de Lázaro e do mau rico (Luc. 16, 19-33)  não prova precisamente que a opulência leva à perdição?

Esse texto evangélico é frisante para mostrar como absolutamente não é todo homem opulento que se condena, mas apenas o que é mau. A parábola nos mostra o rico mau no inferno. Lázaro, o pobre bom, vai para o seio de Abrãao. Ora, quem era Abraão? Segundo diz a Escritura, era um homem que viveu na opulência (Gen. 13,2) . O bom pobre repousando junto ao bom rico: eis a imagem tocante da paz social" [13].

Pio XI

“Nem é vedado aos que se empregam na produção, aumentar justa e devidamente a sua fortuna; antes, a Igreja ensina que é justo que quem serve a sociedade e lhe aumenta os bens, se enriqueça também desses mesmos bens conforme a sua condição, contanto que o faça com o respeito devido à lei de Deus e salvos os direitos do próximo, e os bens se empreguem segundo os princípios da fé e da reta razão” [14].

Pio XII

Elogiando a classe dos pequenos proprietários na Itália, Pio XII advertiu que "isto não resulta em negar a utilidade e freqüentemente a necessidade de propriedades agrícolas mais vastas" [15].

São João Crisóstomo

"Não me cansarei de dizer que não acuso ao rico, mas ao ladrão. Rico não é sinônimo de ladrão, nem opulento o é de avaro. Distingui bem, e não confundais coisas tão diversas. Sois ricos? Não há nenhum mal nisto. Sois ladrões? Eu vos acuso. Tendes o que vos pertence? Gozai-o em boa hora. Vos apoderais do bem de outro? Levanto minha voz para vos delatar… Os ricos são meus filhos; os pobres também. Sem embargo, se atacais ao pobre vos acuso, porque atacando-o vos fazeis mais dano a vós mesmos que o que a ele fazeis. Ele perde seus bens, mas vós perdeis vossa alma" [16].

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[1] Encíclica Quadragésimo Anno de 15 de maio de 1931, Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5a ed., 1959, pg. 18
[2] Idem, pg.19
[3] “Al particolare compiacimento”. Alocução aos membros do Congresso da Confederação Italiana dos Agricultores, 15 de novembro de 1946, no. 14
[4] Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. VIII, p. 307
[5] Radiomensagem de 14 de setembro de 1952, dirigida ao Katholikentag de Viena, Discorsi e Radiomessaggi, vol. XIV, p. 314.
[6] Encíclica "Quadragesimo Anno", Papa Pio XI
[7] Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891, Editora Vozes Ltda, Petrópolis, pág. 10
[8] Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931, Editora Vozes Ltda, Petrópolis, pág. 20
[9] Idem. Pág. 24.
[10] Pio XII, Discurso de 1º de junho de 1941, por ocasião do 50º aniversário da Encíclica "Rerum Novarum", Discorsi e Radiomessaggi, vol. III, pág. 116.
[11] Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 – Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pág. 27.
[12] Pio XII, Discurso de 7 de maio de 1949, à IX Conferência da União Internacional das Associações Patronais Católicas – "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XI, pg. 63.
[13] Plinio Corrêa de Oliveira, "Reforma Agrária, Questão de Consciência", Ed. Vera Cruz, São Paulo, 1960, Idem. Secção II, Proposição 4, número 8.
[14] Pio XI, Encíclica “Quadragesimo Anno”, de 15 de maio de 1931, Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pág. 51.
[15] Pio XII, Discurso de 2 de julho de 1951, ao Congresso Internacional sobre os Problemas da Vida Rural, "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIII, págs. 199-200.
[16] São João Crisóstomo, Homilia De capto Eutropio, cap. 3, apud Enciclopedia Universal Espasa-Calpe, vol XLVII,p. 913.