As três aparições do Anjo em Fátima prévias as de Nossa Senhora. Uma interpretação exegética.

Santo Anjo da paz de Fátima, rogai por nós! Santos anjos que apareceram em Fátima, rogai por nós!

Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados (Vol. I, parte I, 3a edição, Cap. V)".

Anterior deste capítulo:
Nossa Senhora de La Salette profetiza a vinda dos Apóstolos dos Últimos Tempos


Interpretação dos símbolos ao redor das três aparições do Anjo e da nuvem branca com forma de homem em Fátima, prévias às aparições da Virgem Santíssima.


(Primavera de 1916) "Alguns momentos havia que jogávamos, e eis que um vento forte sacode as árvores e faz-nos levantar a vista para ver o que se passava, pois o dia estava sereno. Então começamos a ver, a alguma distância, sobre as árvores que se estendiam em direção ao nascente, uma luz mais branca que a neve, com a forma de um jovem transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do sol.


À medida que se aproximava, íamos-lhe distinguido as feições: um jovem dos seus 14 a 15 anos, de uma grande beleza. Estávamos surpreendidos e meios absortos. Não dizíamos uma palavra.

Ao chegar junto de nós, disse:
-Não temais. Sou o Anjo da Paz. Orai comigo.
E ajoelhando em terra, curvou a fronte até o chão. Levados por um movimento sobrenatural, imitamo-lo e repetimos as palavras que lhe ouvimos pronunciar:
-Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não creem, não adoram, não esperam e Vos não amam.

Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse:
-Orai assim. Os corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas. - E desapareceu.

A atmosfera do sobrenatural, que nos envolveu, era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo.

Nesta aparição, nenhum pensou em falar, nem em recomendar o segredo. Ela de si o impôs. Era tão íntima, que não era fácil pronunciar sobre ela a menor palavra. Fez-nos talvez maior impressão, por ser a primeira assim manifesta."


1. O dia é o mundo, que está sereno. Não há convulsões, as pessoas se distraem com as coisas do mundo (as crianças jogam). O Anjo que vem é o Anjo da paz. O primeiro aviso será intenso, mas terá efeito íntimo e de penitência. Os avisados deverão rezar pelos incrédulos.
 
"A segunda aparição deu-se no verão de 1916, sobre o poço da casa dos pais de Lúcia, junto ao qual as crianças brincavam. Assim narra a Irmã Lúcia o que o Anjo lhes disse - a ela e aos primos - então:

-Que fazeis? Orai! Orai muito! Os corações Santíssimos de Jesus e Maria tem sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.
-Como nos devemos sacrificar? - perguntei.

-De tudo o que puderes, oferecei a Deus um sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a vossa pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar. - E desapareceu.

Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do sacrifício, e como Lhe era agradável, como, por atenção a ele, convertia os pecadores." 


2. Novamente as crianças brincam: simboliza o mundo que se deixa levar pelas paixões. Agora não há menção ao dia, e sim ao poço, que simboliza o abismo ao qual tendem os habitantes, representados pelas crianças. O anjo agora se apresenta como o anjo de Portugal, pois os anjos das Nações estão preparados para assistirem-nas. O anjo repreende as crianças porque brincam (deixam-se levar pelas paixões). Pede atos de reparação para refrear o castigo sobre a pátria. Tal aviso tem o efeito de fazer aquele que corresponde sacrificar-se (o que aconteceu com as crianças), e saber quem é Deus (porque todos os avisos simbolizam avisos futuros sobrenaturais).

Terceira aparição: "Logo que aí chegamos, de joelhos, com os rostos em terra, começamos a repetir a oração do Anjo: "Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos, etc." Não sei quantas vezes tínhamos repetido esta oração, quando vemos que sobre nós brilha uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passavam e vemos o Anjo trazendo na mão esquerda um cálice e suspensa sobre ele uma Hóstia, da qual caíam dentro do cálice algumas gotas de Sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra junto de nós e repetiu três vezes a oração:

-Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espirito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferença com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.

Depois, levantando-se, tomou de novo na mão o cálice e a Hóstia, e deu-me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo ao mesmo tempo:

-Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus. - De novo prostrou-se em terra e repetiu conosco mais três vezes a mesma oração: "Santíssima Trindade...etc" e desapareceu.

Levados pela força do sobrenatural, que nos envolvia, imitávamos o Anjo em tudo, isto é, prostrando-nos como ele e repetindo as orações que ele dizia. A força da presença de Deus era tão intensa, que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo. Nesses dias fazíamos as aões materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e a felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentra a alma em Deus. O abatimento físico que nos prostrava também era grande.

Não sei porque, as aparições de Nossa Senhora produziam em nós efeitos bem diferentes. A mesma alegria íntima, a mesma paz e felicidade. Mas, em vez desse abatimento físico uma certa agilidade expansiva; em vez desse aniquilamento na Divina Presença, um exultar de alegria; em vez dessa dificuldade no falar, um certo entusiasmo comunicativo. Mas, apesar desses sentimentos, sentia a inspiração para calar, sobretudo algumas coisas. Nos interrogatórios, sentia a inspiração íntima que me indicava as respostas que, sem faltar à verdade, não descobrissem o que devia por então ocultar."

3. Agora, as crianças (o mundo) já se penitenciam naturalmente, pois já sabem em qual situação estão. O anjo chega com o cálice e a Hóstia, da qual sai sangue: simboliza o sacrifício da missa, isto é, a consumação do que foi profetizado. O Anjo clama à Santíssima Trindade porque sua aparição é a terceira aparição, mesmo símbolo numérico, e faz um paralelo com a Santíssima Eucaristia, porque esta é profanada nos últimos tempos, e precisa ser lembrada em todos os sacrários. O Anjo agora prostra-se em terra e pede a conversão dos pecadores, porque é a última hora. Depois distribui a Sagrada Eucaristia porque o tempo que esse Anjo simboliza é um tempo em que quase só o sobrenatural dará a Eucaristia. As crianças então ficam absortas, mas abatidas (o mundo sofreu). Lúcia observa a diferença na presença de Nossa Senhora, o que indica que a Virgem Maria veio anunciar o conjunto, isto é, o triunfo do Imaculado Coração. Por isso, não há o "aniquilamento" mencionado.

"As aparições do Anjo, em 1916, forma precedidas por três outras visões (...) nas quais Lúcia e outras três pastorinhas viram, também no outeiro do Cabeço, suspensa no ar sobre o arvoredo do vale, "uma como que nuvem mais branca que a neve, algo transparente, com forma humana". Era "uma figura como se fosse uma estátua de neve, que os raios do sol tornavam algo transparente".

As aparições da nuvem representam uma forma humana, e a brancura, a pureza. Ou seja, indica algo oriundo de Maria por duas razões: muitas vezes a Arca da Aliança é mencionada junto de uma nuvem no Livro Sagrado, e a Arca da Aliança é a prefigura de Maria Santíssima, como visto no capítulo III. Assim, significa a Mãe de Deus, bem como podem simbolizar um apóstolo mariano, ou mesmo três apóstolos por causa da identificação com as três visões. Ora, três apóstolos principais da restauração já foram tratados nos capítulos precedentes. A nuvem parece a mesma nas visões, cremos, porque indica que esses apóstolos não eram distintos ainda, pois só fazem parte do plano de Deus.

- Interpretação do conjunto

As três aparições do Anjo representam os três apóstolos, os três dias de escuridão, e as três fases do Castigo, isto é, o castigo moral, o castigo físico, e o castigo sobrenatural (que acabará nos três dias de escuridão, visto desde o capítulo II, e que se coaduna com algumas profecias privadas, como as da Beata Taigi e do Beato Palau).

Indicam isso:

1 - A última aparição, centrada na Eucaristia, relaciona-se com os três dias para a ressurreição e a consumação do sacrifício (Adendo da 3a edição: uma profecia deste capítulo, harmonizada com as demais, parece indicar que o último dia de escuridão será num domingo). Esta aparição também é a mais recheada de penitências e menções aos ultrajes dos homens. Isso pode simbolizar não só o sacrifício, necessário para tal reparação, como a parte mais terrível do castigo, assim como a parte mais terrível da paixão foi a crucifixão e morte de Nosso Redentor.

2 - O simbolismo das ações das crianças, demonstrado anteriormente, harmoniza-se com as fases do castigo e o comportamento dos homens.


3 - A vinda de um Anjo antes da vinda da Rainha dos Anjos simboliza a vinda de uma ação levada a cabo por anjos (cremos que será o Castigo a um mundo pecador), antes do Imaculado Coração, isto é, o Reino de Maria, conforme estipulamos desde o capítulo I.

4 - A visão tríplice das nuvenzinhas representa os apóstolos marianos, como falamos acima. Ademais, no livro do Apocalipse,
capítulo XIV, ocorre a aparição de três anjos seguidos. Como depois das descrições dos anjos se lê: "Aqui está a paciência dos Santos, que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus", isso indica que os anjos podem simbolizar santos também.

5 - No mesmo capítulo desse livro Sagrado, versículo 7, um primeiro anjo é sucinto ao dizer para glorificar a Deus: nós o identificamos com o Anjo da Paz o qual, não obstante sê-lo, avisa a chegada dos últimos tempos a todas as nações, simbolizando o castigo moral a todas as nações, e a paz ausente (Adendo da 3a edição: no capítulo I é explanado o sentido de "últimos tempos" segundo os teólogos). O segundo anjo do apocalipse menciona a queda da Babilônia, isto é, o começo do castigo físico das nações, e por isso o identificamos como o Anjo de Portugal, o anjo das nações. Por fim, o terceiro fala da marca da besta e como não se deve adorá-la, e quem adorá-la beberá o cálice do vinho da Ira de Deus. Esse Anjo claramente refere-se ao fim do mundo, e por isso é o terceiro.

6 - Em seguida a essa parte do Apocalipse, mais três anjos são mencionados de 14-20. Primeiro lemos sobre uma pessoa sentada sobre a nuvem branca, o que nos lembra a nuvem vista três vezes por Lúcia e outros pastorinhos. Essa pessoa sentada sobre a nuvem, relacionada à Mãe de Deus conforme visto, era semelhante ao Filho do Homem. Isso pode relacionar-se com o fato de que um Cristão deve ser outro Cristo ("christianus alter christus"), assim como pode relacionar-se a um Papa, Vigário de Cristo na terra. Em primeiro lugar, a terra é segada (14, 15), depois são vindimados os cachos de uva e jogados no lagar da ira de Deus. Porém, quem sega é o Filho do homem, por ordem do primeiro Anjo, e quem vindima é o terceiro anjo, por ordem do segundo. Uma interpretação: o futuro Papa, o "filho do Homem", sega por ordem do primeiro anjo, isto é, o Anjo da paz, pois a paz já não existe mais. Depois o terceiro anjo, o da Eucaristia e reparação, vindima os cachos de uva, pois o segundo anjo, o anjo dos castigos às nações, ordena.

7 - No capítulo XVIII, logo após um dos sete anjos das pragas mostrar ao apóstolo S. João a meretriz, ou grande cidade (isto é, a cidade do demônio) que reina sob os reis da terra, um anjo avisa que caiu a babilônia, mas é seguido de uma voz do céu (que interpretamos por Maria) a qual exorta todos a saírem desta cidade. Como entender que uma cidade caiu e ainda pode-se sair desta? Pelo fato de que o castigo das nações está posto, ou seja, os avisos de Nossa Senhora foram feitos, e os três dias de escuridão estão por vir, e assim fala a voz no versículo 8: "por isso, num mesmo dia, cairão sobre ela as pragas, a morte, o pranto e a fome, e será abrasada em fogo, porque é forte o Deus que a há de julgar". Ao final desse capítulo um anjo anuncia o fim derradeiro da cidade (21-24), e o capítulo seguinte trata da comemoração da vingança de Deus, e como a Igreja, sua "esposa, está ataviada" (versículo 7). Em um plano de dimensão, chegou o Reino de Maria
.

Resumo desta análise sobre as aparições angélicas em Fátima e da nuvem branca com formato de homem, eventos precedentes às aparições da Mãe de Deus:
as três aparições do Anjo simbolizam simultaneamente os três apóstolos principais no Castigo, os três dias de escuridão, e as três fases do Castigo (moral, físico, e sobrenatural, que acabará nos três dias de escuridão), em harmonia com revelações privadas e as públicas, respectivamente, as da Beata Taigi e do Beato Palau, e com certa exposição do livro do Apocalipse. 
 
Próximo deste capítulo: Nossa Senhora de Fátima fala do castigo sobre as nações, e de um triunfo dEla com a conversão completa da Rússia



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Bíblia Sagrada, tradução da Vulgata pelo Pe. Matos Soares
As aparições e mensagens de Fátima conforme os manuscritos da irmã Lúcia, Antonio Augusto Borelli Machado, 1975, Ed. Artpress
, pg. 32-33.