Refutando argumentos ditos filosóficos ou científicos a favor da eutanásia

Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados (Volume II, 2a edição)". 

Já mostramos como é sólido e fixo na Doutrina Católica a condenação da eutanásia.

Eutanásia condenada pela Igreja, Papas e santos

Primeiramente, é preciso distinguir os tipos de eutanásia:

Eutanásia voluntária: o paciente concorda no ato.

Eutanásia involuntária: o paciente não concorda com o ato, ou não dá seu consentimento, ou não é consultado, quando poderia.

Eutanásia não-voluntária: o paciente não tem meios de ser consultado devido ao seu estado (coma, recém-nascido, etc).

Meios de eutanasiar uma pessoa:

Eutanásia direta: injeção de um veneno que causa a morte em seguida, suspensão do oxigênio que vai matar em seguida, etc.

Eutanásia indireta por suspensão dos recursos ordinários: estes recursos são os de rotina, que costumam ser aplica­dos a qualquer enfermo: soro, alimentação leve, injeções convencionais, transfusão de sangue, etc.

Eutanásia indireta por suspensão dos recursos extraordinários ou desproporcionais: estes recursos são os que exigem aparato humano, material ou financeiro altamente difícil ou penoso sem que se possa prever um resultado médico compensador, assim, as probabilidades de recuperação ou de melhora do paciente são quase nu­las ou são desproporcionais à carga de recursos raros e difíceis que se lhe aplicam.

Argumentos a favor da Eutanásia, seguidos da refutação

1 - É preciso respeitar o princípio do respeito à autonomia, o qual diz que os agentes racionais devem viver suas vidas de acordo com suas próprias decisões autônomas, livres de coerção ou interferência. Assim, quem queira ser eutanasiado deve ter seu direito garantido.

Como se trata de suicídio, assistido por outros ou não (os quais seriam cúmplices), cumpre transcrever a refutação de São Tomás de Aquino ao ato pecaminoso: 

"Parece que é permitido matar-se a si mesmo (...).

3 - Ademais, é lícito expor-se espontaneamente a um perigo menor, para evitar um outro maior. Assim, é lícito a alguém amputar um membro gangrenado para salvar a vida de todo o corpo. Ora, matando-se a si mesmo, pode alguém evitar um mal maior, seja uma vida miserável, seja a torpeza de algum pecado. Logo, é lícito matar-se a si mesmo (...).

5. Ademais, no livro dos Macabeus (2 Mc 14:41), se conta que um certo Razias matou-se a si mesmo, "escolhendo antes morrer nobremente do que ver-se sujeito a pecadores e padecer ultrajes indignos do seu nascimento". Ora, nada de nobre e corajoso é ilícito. Logo, o matar-se a si mesmo não é ilícito.

Em sentido contrário, Agostinho: "Resta que entendamos o que foi dito do homem: Não matarás. Nem a outrem, pois, nem a ti mesmo. Portanto, quem se mata a si mesmo mata evidentemente um homem" (I Civ. Dei Cap.20).

RESPONDO. Matar-se a si mesmo é absolutamente ilícito, por tríplice razão.

Primeiro, porque naturalmente todas as coisas a si mesmas se amam; por isso é que todas naturalmente conservam o próprio ser e resistem, o mais que podem, ao que procura destruí-las. Portanto, quem se mata a si mesmo vai contra a inclinação natural e contra a caridade que todos a si mesmos se devem. Logo, matar-se a si mesmo é sempre pecado mortal, por ser um ato contrário tanto à lei natural como à caridade.

Segundo, porque qualquer parte, pelo que é, pertence ao todo. Ora, cada homem é parte da comunidade e, portanto, o que é da comunidade o é. Logo, matando-se um a si mesmo, comete uma injustiça contra a comunidade, como está claro no Filósofo (V Ética).

Terceiro, porque a vida é um dom divino feito ao homem e dependente do poder de Deus, que mata e faz viver. Logo, quem se priva a si mesmo, da vida, peca contra Deus; assim como quem mata um escravo alheio peca contra o dono do mesmo; e como também peca quem usurpa um juízo sobre uma coisa que lhe não foi confiada. Pois, só a Deus pertence julgar da morte e da vida, conforme aquilo da Escritura (Dt 32:39): "Eu matarei e eu farei viver" (...).

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem é constituído senhor de si mesmo pelo livre arbítrio. E portanto pode dispor livremente de si mesmo, no que respeita aos bens desta vida, governada pelo livre arbítrio humano. Mas desse livre arbítrio não depende o trânsito desta vida para outra mais feliz, senão, do poder divino. Logo não é lícito ao homem matar-se a si mesmo, a fim de passar para uma vida mais feliz. - Do mesmo modo, nem para fugir a quaisquer misérias da vida presente. Porque, como claro está no Filósofo (III Ética), último dos males desta vida e o mais terrível é a morte. Logo, dar-se a si mesmo a morte para fugir às misérias desta vida é praticar um mal maior para evitar um menor (...).

RESPOSTA À QUINTA. – Não fugir à morte que outro nos inflige é próprio da fortaleza, que busca o bem da virtude e evita o pecado. O dar­mo-nos a nós mesmos a morte, para evitar os males da pena, implica sem dúvida uma certa espécie de fortaleza; pelo que, certos se mataram a si mesmos, pensando assim agir corajosamente; e, no número desses, está Razias. Não é essa porém a verdadeira fortaleza; antes, é uma certa fraqueza de alma, incapaz de suportar os males da penas como claro está no Filósofo (III Ética Cap.11) e em Agostinho (I Civ.Dei Cc.22-23)" [1].

2 - Alguém que passou e passa, no seu estado passível de eutanásia, por muitas dores e traumas psicológicos, deve ter seu direito de cessar a vida, e assim cessar estes sofrimentos.

A refutação acima, sobre o suicídio, também cabe aqui. Além disso, é necessário refutar a visão post-mortem da pessoa, de acordo com sua crença ou religião. Por exemplo, se católica, ela vai para o inferno. Logo, não cessa suas dores, mas aumenta. Outro exemplo é pessoa com visão materialista do universo (mais comum): ela crê que não há nada depois da vida. No entanto, mesmo a partir de seu ponto de vista, a escolha está errada, porque a vida é melhor, mesmo com grandes sofrimentos, do que a não-vida, já que a primeira é um bem pequeno, no mínimo, já a outra no melhor dos casos não é bem algum no ponto de vista do crente nessa teoria.

3 - Alguém que necessite, para viver, de remédios e tratamentos por demasiado caros para a família ou ao Estado, não pode continuar a viver, ainda mais se tiver pouca chance de sobrevivência com este cuidado médico.

Matá-la via eutanásia direta é errado, pelas razões acima. 

Sobre o tratamento, cabe ressaltar que se exige aparato humano, material ou financeiro altamente difícil ou penoso sem que se possa prever um resultado médico compensador, ou seja, as probabilidades de recuperação ou de melhora do paciente são quase nu­las ou são desproporcionais à carga de recursos raros e difíceis que se lhe aplicam, torna-se possível suspendê-los, sem cometer crime de eutanásia, já que não há causalidade certa entre a suspensão e a morte, e ninguém tem obrigação de recorrer às técnicas médicas deste gênero, pela natureza delas.

Além disso, é preciso ter em conta que os meios extraordinários dependem dos tempos e da tecnologia disponível. Como nota Oderberg: "Muitos séculos atrás, a amputação de uma perna para salvar uma vida seria extraordinária porque intensamente dolorosa e agoniante, mas agora a operação, embora seja ainda uma medida dramática, é feita facilmente e de forma indolor" [2].

4 - Não seria réu de homicídio aquele que fizer a eutanásia indireta por suspensão de meios ordinários, já que não tem intenção de matar, mas só de suspender um tratamento simples

É réu porque "não remove o obstáculo donde resulta um homicídio" quando devia fazê-lo, dado que o tratamento é essencial para a vida da pessoa. São Tomás explica melhor como se pode ter culpa de homicídio matando casualmente alguém:

"Parece que quem mata alguém casualmente é culpado de homicídio.

1. – Lê-se na Escritura que Lamec (Gn 4:23-24), acreditando matar um animal, matou um homem e isso lhe foi reputado um homicídio. Logo, incorre no reato de homicídio quem mata casualmente um homem.

2. Demais. – A Escritura diz (Ex 21:22): "Se alguém ferir uma mulher pejada e for causa de que aborte, se se seguiu a morte dela, dará vida por vida". Ora, isto pode dar-se sem a intenção de matar. Logo, o homicídio casual implica o reato de homicídio.

3. Demais. – Foram estabelecidos muitos cânones do Decreto (Gratianus, p. I, dist. L) que punem o homicídio casual. Ora, penas não se aplicam senão à culpa. Logo, quem matou casualmente um homem incorre no reato de homicídio.

Mas, em contrário, Agostinho à Publicola (Ep. xlvii): "Longe de mim o pensamento que uma ação lícita e que tem o bem por objeto, mas da qual resultou, contra a nossa intenção, um mal para alguém, deva nos ser imputada". Ora, acontece às vezes que, de um ato bom, que praticamos, resulta casualmente o homicídio. Logo, não nos pode ele ser imputado como culpa.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo (Phys. ii, 6), o acaso é uma causa que age fora da nossa intenção. Por onde, o casual, propriamente falando, não é intencionado nem voluntário. E, sendo todo pecado voluntário, segundo Agostinho (De Vera Relig. xiv), por consequência, o casual, como tal, não é pecado. Pode, porém, acontecer que aquilo que não é atual e por si mesmo querido ou intencionado, o seja acidentalmente, no sentido em que se chama causa acidental a que remove o obstáculo. Portanto, quem não remove o obstáculo donde resulta um homicídio, se devia fazê-lo, incorre de certo modo no reato de homicídio voluntário. O que de dois modos pode acontecer: ou quando, praticando um ato ilícito, que deveria evitar, dá lugar ao homicídio; ou quando não emprega o cuidado devido. Por isso, segundo o direito, não incorre no reato de homicídio quem emprega a solicitude devida, ao praticar um ato lícito, do qual, contudo, resulta um homicídio. Se, porém, praticar um ato ilícito, ou mesmo, lícito, sem empregar a diligência devida, não se livra do reato do homicídio, se do seu ato resultar a morte de um homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Lamec não empregou a diligência suficiente para evitar o homicídio e, por isso, não se livrou da culpa de homicídio.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem fere uma mulher grávida pratica um ato ilícito. E portanto se daí resultar a morte dela ou do feto já com vida, não escapará ao crime de homicídio; sobretudo se a morte seguir-se logo a esse ferimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Segundo os cânones é imposta uma pena aos que matam casualmente, praticando um ato ilícito ou não empregando a diligência devida" [3].

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[1] Suma Teológica, II-II Parte, Q. 64, art.5.
[2] "Applied Ethics: a non-consequentialist approach", David S. Oderberg, 2000. Cap. 2, Pg. 83
[3] Idem, art.8