Teoria dos Três Animais Príncipes, resposta a objeções

Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados" (Vol. I, parte I, 3a edição, Cap. III).

Anterior deste capítulo: As dez tribos perdidas de Israel: o retorno destas nas profecias (parte 5). Hipótese Teológica

Diversas objeções ao dilúvio bíblico citam o tamanho da Arca de Noé como insuficiente para acomodar todos os animais. Embora estejam equivocadas pelo viés naturalista-materialista que possuem, pois duvidam do poder de Deus, há interpretações que sustentam o seguinte: não entraram todos os animais então existentes, mas um casal de tipos principais. Destes surgiram, de modo milagroso ou não, todos os posteriores.

Uma teoria que se enquadra nessa categoria de teses é a Teoria dos Três Animais Príncipes, original deste trabalho (sem o aspecto católico, foi apresentada por antigos autores judaicos), mas que usa dados teológicos e teses já defendidas. A seguir apresentamos o que consideramos as provas dessa Teoria, tratando das objeções ao final.

Primeiro, resumamos quais animais entraram na Arca segundo a literalidade do Gênesis, antes de defender quais significavam. Conforme Gn VII, 2-3, entraram sete casais de animais puros não especificados, dentre as duas classes bíblicas de animais até então citadas pela Bíblia (era desnecessário salvar os aquáticos). Os sete entraram para serem posteriormente sacrificados, e junto destes, veio um casal impuro e sete casais de aves. Sabemos que o corvo era um dos impuros e a pomba, um dos puros, já que ambos foram soltos por Noé antes do desembarque. A Vulgata diz que Noé sacrificou todos (do latim "cunctis") os animais logo ao sair da Arca, os quais cremos que eram os puros, exceto a pomba, dado que esses se ofereciam a Deus, e porque Gn IX, 20 diz que Noé tomou todos os animais e aves para o sacrifício, portanto, restou somente o casal impuro, segundo essa interpretação. Isso não é um problema para existência posterior de animais puros no mundo se se aceita a teoria dos três animais principais presidindo as três classes.

A Teoria explica que toda a biodiversidade animal dos voadores e terrestres entrou na Arca segundo o seu gênero (in genere suo), quer dizer, entraram os animais principais que presidem ao gênero, pois desses gêneros se surgiram todas as espécies de animais, já que os animais pré-diluvianos principais tem em si o princípio dos outros animais posteriores, existentes aos milhares hoje, o que se harmoniza paralelamente com a própria história do primeiro homem, Adão, que tinha em si toda a humanidade. Sendo animais sobreviventes do paraíso terrestre, pode-se dizer que foram se afastando do homem a medida que o homem se apartava mais da natureza, desde a queda, e conforme os desígnios misteriosos de Deus, vivem ocultos dos homens, embora tenham sido citados entre os autores católicos, além da própria Escritura. 

Alegada réplica do tamanho original da Arca de Noé


As ossadas dos dinossauros, animais extintos, podem ser uma prova da existência de animais que os três principais geraram no começo do mundo, e pouco depois de Noé. Tais descobertas indicam uma semelhança com os três animais principais pela complexidade e tamanho, como veremos mais adiante. Assim, depois do dilúvio, esses três geraram outros animais, obedecendo em certo grau, ou não, aos homens de seu tempo (resquícios do paraíso terrestre, quando obedeciam a Adão). A capacidade desses animais é tão excepcional que encheram a terra com os animais hoje existentes. São animais impuros (biblicamente falando), por possuírem toda a capacidade de sua classe, tanto dos impuros, quanto dos puros, além de possuir a "missão" de gerar outros, por ordem de Deus, sendo inviável comê-los ou matá-los, entre outras características mencionadas na Escritura, expostas a seguir, que indicam a impossibilidade de capturá-los com toda e qualquer força humana.

Esses três animais príncipes são: Leviatã, Behemoth e Ziz, respectivamente os três que presidem os animais da água, da terra e do ar, segundo a classificação dos seis dias da criação. 

- Descrição do monstro bíblico Leviatã indica o príncipe dos animais aquáticos

Jonas é engolido pelo peixe,
Altar medieval de Verdun

Citado detalhadamente na Sagrada Escritura (Jó XLI), é relacionado com o Diabo (Is XXVI, 21), mas simbolicamente, por habitar o fundo do mar, próximo do centro da terra, onde tradicionalmente se entende como a localização do inferno, além de estar relacionado com
 o "monstro ou dragão" que nada nos mares (Sl CIV, 26, Ez XXIX, 3, XXXII, 2), a "serpente" que Deus mandará morder os ímpios que tentarem se esconder (Amós IX, 3 "serpenti"), e o peixe grande ("piscem grandem") que engoliu o profeta Jonas e posteriormente o vomitou na praia, por ordem Divina. 

A Sagrada Escritura duvida de quem possa pescá-lo, prendê-lo, relata que ele solta fogo pela boca (daí "dragão"), habita até os mares profundos, e pode fervê-los com suas bufadas, além de exaltar várias qualidades que mostram que é um animal aquático colossal diferente de qualquer outro existente terra. Isso porque, como dissemos, ele é o príncipe dos animais aquáticos, ou como diz o livro Sagrado: "é o rei de todos os animais soberbos", isto é, dos aquáticos, tipo de animal mais insuscetível de domesticação. Além disso, em outro simbolismo, os "soberbos" são os demônios, porque esses animais principais também representam chefes do inferno, como veremos adiante.

- Descrição do monstro bíblico Behemot indica o príncipe dos animais terrestres

Behemot, descrito no livro de Jó XL, 15-24, nesta Teoria, é representado pelo jumento do Gênesis: na Arca entrou todo jumento, segundo seu gênero (universaque jumenta in genere suo, Gn VII, 14). Deus fez o homem no sexto dia (Gn I, 24), logo após a criação desse animal, quando é mencionada a criação dos jumentos, répteis e bestas, segundo seu gênero (Dixit quoque Deus: Producat terra animam viventem in genere suo). Esse gênero, como dito, preside as espécies, logo, essas foram feitas "segundo" seu gênero. O jumento é o primeiro citado por ser o mais semelhante a Behemot: assim como esse não é nem besta, nem réptil, o jumento, por ser um animal doméstico, o mais antigo "amigo dos homens", não é selvagem como uma fera, nem rasteiro como um réptil. Por causa desse simbolismo, no sexto dia da criação o jumento é o primeiro dos animais terrestres citados (se não considerarmos "jumenta" meramente como "animal doméstico"). Também Deus o cita primeiro, quando manda construir a Arca e fala dos animais terrestres (Gn VII, 14).

Além disso, Nosso Senhor entrou triunfante em Jerusalém em cima de um Jumento ou burrinho, porque lembrava esse animal príncipe, e Seu domínio sobre a criação, sobre o vício da avareza que em breve provamos estar relacionado com esse animal príncipe. Nessa parte (S. Lucas XIX) se lê que "nunca ninguém sentou sobre ele", algo não mais tão misterioso, se considerando esta Teoria, entendermos o paralelo com Behemot, animal até então indomável.

Behemot, segundo o livro de Jó, é "o principal dentre todos os animais", reforçando esta teoria, já que não é verdadeiro dizer isso de um animal qualquer só por ser grande. Caso o Espírito Santo tivesse escrito mera exaltação da natureza, o leão também deveria ser o principal, como representante de Nosso Senhor Jesus Cristo, leão de Judá. Não há maior dignidade a um animal do que simbolizar o Filho de Deus. O nome Behemot vem do plural do hebraico “Bəhēma” (animal), e significa “bestas”, “animal grande”, “animal por excelência”. O plural indica sua característica geradora: a de possuir em si os outros.

- Já Ziz, príncipe dos animais voadores, só é reconhecido por similar exegese

Alguns autores disputam que seu nome esteja na Bíblia, mas certamente pode ser relacionado com a "serpente voadora" (Is XXX, 6). Segundo sustentamos, Ziz também simboliza o corvo solto por Noé, o qual, em Gn VIII, 7, "não tornou mais até que aparecesse a terra seca" (Adendo da 3a edição: por algum erro, na edição passada escrevemos que Isaías disse que a avestruz era a maior ave do mundo. Hoje pensamos que a avestruz não simboliza Ziz só por ser a maior ave do mundo, pelo menos não claramente, uma vez que ela possui outros significados). Ademais, o livro do Gênesis diz que a serpente era o animal mais astuto, e embora falasse do diabo, cremos que queria simbolizar uma das facetas do inimigo de Deus, a astúcia, ao mesmo tempo que a relacionava com o animal principal que presidia a classe das aves, Ziz, a "serpente voadora", o mais astuto dos três por presidir as aves. Que as aves são a classe mais astuta dos animais prova-se através de diversos experimentos, os quais verificaram que o animal mais astuto é o corvo, capaz de emitir sons quase-humanos, usar ferramentas, lembrar de rostos de pessoas que possam ser perigosas, avisar outros sobre isso, etc. Isso robustece o argumento de que as aves representam a alma racional do homem, enquanto os aquáticos, a vegetativa, e os terrestres, a sensitiva.

O corvo solto por Noé não volta à Arca (Gn VIII, 7) pois é independente dos outros por representar Ziz, um animal príncipe. Supomos que a pomba só foi solta depois porque estava sob a tutela de Ziz. Além disso, o corvo é o primeiro animal mencionado especificamente na Sagrada Escritura, e com papel particular na ordem da Revelação, o que indica sua importância como símbolo. Além de ser o primeiro a sair da Arca, é mencionado pelo profeta Isaías (XXXIV, 11) como habitante de lugares desertos, o que se entende melhor como símbolo de Ziz, já que esses lugares são próprios desse animal principal, que vive longe da vista dos homens. O corvo também está relacionado àquele que alimenta os outros, como no caso de Elias, o profeta (I Reis XVII), e quando Nosso Senhor disse, espelhando os versículos de Jó (XXXVIII, 41), que Aquele que cuida dos corvos e do alimento de seus filhotes providenciará o alimento de seus servos, os quais são mais importantes que as aves. De fato, as crias do corvo são todas as aves, pois todas têm princípio em Ziz, chamado aqui de corvo. Eis a explicação desta teoria para a escolha do símbolo do corvo por Nosso Senhor em Sua frase Sagrada.

Analisa o nome hebraico do corvo o professor Evaristo de Miranda (Animais Interiores - Voadores, Ed.Loyola, 2003, pg. 75): "em hebraico, garantia, fiança ou caução é eravon (ain-reish-beit-vav-nun), e responsabilidade erevun (ain-reish-beit-vav-tav). Ambas tem a mesma raiz da palavra corvo. Ao soltar um primeiro corvo, após o caos do dilúvio (mabul), Noé, Noah, quer uma garantia, uma prova, uma segurança, nas vésperas de recolonizar a terra". Aplicando para esta teoria: a garantia da multiplicação dos animais voláteis pela terra acontece por Ziz, representado pelo nome do corvo. 

- Semelhança Adão-Noé indica relação com os animais conforme esta Teoria

Reforçando tudo que foi dito, notamos as semelhanças de Noé e Adão, já notada por inúmeros teólogos: patriarca de toda a humanidade, recebe uma bênção para se multiplicar sobre a terra, autorizado a dominar sobre todos os animais, teve três filhos, era lavrador, um de seus filhos comete um pecado grande. Até a diferença entre ambos traz correlação, já que Adão come do fruto da árvore com culpa, e peca. Já Noé, sem culpa (por não saber o que sucederia), toma do fruto da vinha, e se embriaga. Adão coloca roupas envergonhado pelo que conscientemente fez, Noé perde as suas sem vergonha pelo que inconscientemente sucedeu. Tais correlações só tonificam o entendimento de que Noé saiu com todos os animais da Arca ao sair com os animais príncipes que geraram toda a biodiversidade dali em diante, assim como Adão, que nomeava os animais que geraram a biodiversidade até Noé. Também é certo que Adão, pelo estado de inocência e conforme a tradição da Igreja assegura, possuía poder sobre os animais (incluindo os três principais), do mesmo modo que Noé possuía também esse poder em certo sentido, embora menor por conta do pecado original. Assim, pode tê-los obrigado a entrar a Arca, agora não por capacidade natural, e sim por disposição Divina.

Outra coisa digna de nota: antes de Noé não se comia carne, e depois do desembarque da Arca, Deus passa a indicar os animais como alimento, com a ressalva de que não comessem sangue (Gn IX, 3-4). Justifica a letra Sagrada com "assim como dei a vegetação verde", traçando um paralelo. É possível dizer que a partir daí se aumenta a animosidade entre homem e animal, já que um passa a poder comer o outro, o que é feito por concessão de Deus, que o faz por saber que chegou a hora da mudança de Era em que o homem já não trava aquela relação anterior, muito semelhante a de Adão, com o animal. Daí os animais príncipes foram se afastando do homem.

- Uma simbologia do Livro do Apocalipse sobre os animais príncipes

Aqui o dragão aparece sobre três formas (Cap. XII): caindo do céu, expelindo água pela boca e guerreando contra a mulher do Apocalipse. Nos três momentos está sempre perseguindo a mulher e sua linhagem. A mulher é a Virgem Maria, pela óbvia relação do capítulo sobre dar à luz ao varão, Nosso Senhor Jesus Cristo. A linhagem são os verdadeiros devotos marianos, filhos da Santa Igreja Católica. Ora, tais animais principais sempre foram relacionados com o diabo, que é chefe dos demônios. Portanto, clareia-se o signo com cada classe de animal: a queda do céu (aves), o expelir água (peixes), e a guerra (terrestre como os animais terrestres)

- Relação da alma vegetativa-sensitiva-intelectiva traça paralelo com os três animais

S. Tomás de Aquino diz que "a alma sensitiva, intelectiva e nutritiva é, no homem, uma só alma" (Suma Teológica, I Parte, q. 76, Art. 3, Resp), referindo-se à antiga concepção dos filósofos gregos, entre os quais se inclui Aristóteles. Pode-se ver que Leviatã, Behemot e Ziz, respectivamente simbolizar, no ser humano, a alma vegetativa (água ou peixes), a alma sensitiva (terra ou animais terrestres), e a alma racional (ar ou aves). Por isso, possuem relação com os três demônios sujeitos ao diabo, segundo as revelações de Santa Francisca Romana: Asmodeu (relacionado ao pecado da carne, alma vegetativa, instinto), Mamon (pecado da avareza, alma sensitiva, desejo), e Belzebu (pecado da idolatria, alma racional, inteligência).

A estrutura da Arca de Noé, onde residiram tais animais, evoca a relação anterior

Em relação à divisão da alma, já mencionada, pode-se notar um paralelo com a estrutura da Arca. Ora, essa tinha três pisos, segundo o Gênesis. Isso se coaduna com os animais aquáticos na água abaixo de todos, os terrestres no primeiro piso, as aves no segundo, e os oito da família de Noé no terceiro. Marcava-se a hierarquia do mais nobre, de baixo para cima. 

Abaixo do primeiro andar estava o mar, logo, a classe dos animais aquáticos estava ali, e Leviatã mais provavelmente ali perto, não só para provar a beleza dessa relação, mas porque é arquitetônico, conforme o princípio da beleza referido no capítulo I. Afinal, o Leviatã tem poder de afastar as ondas, segundo o Livro de Jó, o que era muito útil no Dilúvio. Talvez esse poder tenha sido citado pelas Sagradas Letras visando indicar principalmente sua relação com o Dilúvio.

- Histórias das nações parecem corroborar os três animais príncipes

Muitos povos, histórias e lendas falam de monstros, animais enormes, etc, entre os quais muitos eram fora do comum, nunca vistos. Em alguns casos, pode-se dizer que realmente eram animais do passado, como o caso do unicórnio, visto que uma ossada de um animal com um orifício na testa, onde estaria o corno, já foi descoberta, coadunando com várias histórias medievais e de outros povos, como dos tártaros (HuffpostBrasil, 30/03/2016 16:45 -03 | Atualizado 26/01/2017 22:52 -02, "Lenda? Ciência encontra provas que unicórnios conviveram com humanos", Denis Russo Burgierman, Revista Superinteressante). Em outros casos, pode-se melhor atribuir a esses três animais. Não cabe aqui fazer esta análise exaustiva de cada caso, porém, o leitor terá outros olhos para tais histórias após este texto.

- Prova pelo simbolismo dos animais que os significa, segundo as múltiplas culturas

Por mais que tenha ocorrido a dispersão dos povos, variedades das línguas e perda da cultura primordial passada por Noé, que a recebeu dos antepassados, muitos povos e culturas, mesmo pagãs, mantém alguns lampejos de verdade que só podem ser devidamente entendidas de acordo com a Tradição Católica, única verdadeira e pura Tradição. Nesse sentido, S. Agostinho menciona uma noção, generalizada nos distintos povos, da necessidade de sacrifício para aplacar a Ira de um ou vários deuses. Sacrifício que só podia ser feito por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Assim, é útil um dicionário de símbolos, incluindo o simbolismo no âmbito Cristão, para verificar o simbolismo do corvo e da jumenta ou asno, ambos que respectivamente dissemos significar Ziz e Behemot. Aliás, é um método importante para entender diversos mistérios da Bíblia. Usaremos o "Dicionário de Símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números)", Jean Chevalier, Alain Gheerbrant, 1906.

Sobre o asno: quase universalmente considerado "emblema de obscuridade e até mesmo de tendências satânicas", serve de montaria para divindades funestas na Índia, no Egito é uma entidade perigosa a ser encontrada no post-mortem, no romance de Apuleio está relacionado com o sensualismo. Em suma, "o asno, como Satã, ou como a Besta, significa o sexo, a libido, o elemento instintivo do homem, uma vida que se desenrola inteiramente no plano terrestre e sensual". Ora, todo esse simbolismo só confirma o que temos dito do significado de Behemot como representante da potência sensitiva do homem e sua relação com os espíritos infernais, que atiçam a sensibilidade do homem para levá-lo à perdição.

Alguém dirá que esse simbolismo não se encaixa com Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua montaria no jumento. Entretanto, o Dicionário diz que Nosso Senhor sentou em cima de uma jumenta, que possui um significado diferente. Na China, diz o dicionário, "o asno branco é por vezes a montaria dos Imortais". A jumenta teria, nesse caso, "símbolo de paz, de pobreza, de humildade, de paciência e de coragem e, em geral, é apresentada sob luz favorável na Bíblia". Por outro lado, para nós, não é dificuldade conciliar os dois simbolismos, se se entende que o asno ou jumento, tomado como símbolo, precisa ser contextualizado para que se entenda seu sentido. Se montado pelos espíritos das trevas, significa o uso das potências sensíveis para o mal, se montado pelos justos, é o domínio sob a sensibilidade, o que Nosso Senhor bem demonstrou como a Justiça Encarnada.

Segundo o Dicionário, o corvo só recebeu acepção negativa modernamente. "Quase por toda parte, no entanto, no Oriente como no Ocidente, o simbolismo do corvo é construído sobre as suas virtudes positivas". Alguns dos significados são: gratidão filial, mensageiro divino, sinal de virtudes, funções proféticas, princípio da criação, demiurgo, renovação. Tudo isso corresponde ao que temos dito de Ziz como representante da parte intelectiva do homem. Uma comparação com o Asno é interessante: enquanto a sensibilidade do homem, pelo pecado original, ordinariamente se volta contra esse, a parte intelectiva do homem, por si só, não faz mal, mas precisa ser guiada. Entende-se assim o corvo tendo somente aspectos positivos. Alguém dirá que renovação, criação, demiurgo e mensageiro do além não se encaixa simbolicamente no papel de Ziz. Porém, condiz perfeitamente com o papel de Ziz, o príncipe das aves, como gerador de outros animais por disposição Divina.

Conclusão do argumento

Em suma, existiam dois animais principais na Arca de Noé: Behemot e Ziz. Leviatã, por ser animal aquático, estava à salvo no mar junto com todos os outros animais aquáticos. Ambos eram impuros. Além desses dois, havia sete puros, e sete dos voadores. Noé sacrificou todos estes depois de sair da Arca, exceto os dois impuros principais e a pomba (pura) que soltou, ou seja, sacrificou treze.

Não nos parece por acaso que treze seja o número de Eras que virão a partir daquele momento, segundo vimos no começo deste capítulo, quando mostramos que Santo Agostinho e outros teólogos dividem a história em sete Eras antes de Cristo Nosso Senhor, e sete Eras cristãs. A segunda Era antiga começa após o Dilúvio. Muito menos nos parece por acaso que a pomba seja o símbolo do Espírito Santo, que não foi sacrificado por Noé, homem justo que não abandonou a Deus uno e Trino naquele tempo iníquo. A pomba era um animal puro que estava na Arca, e é símbolo de pureza, com razão, por ser o único animal puro com origem pré-diluviana, pois os outros puros foram sacrificados. Logo, o mais puro dos puros, por ser de pureza que remonta a uma época de muito mais pureza. Essa mesma pomba é solta duas vezes, indicando a segunda Era, em um intervalo de sete mais sete dias, ou seja, quatorze dias, quando então não volta. Isso faz um paralelo com nossa hipótese de que são quatorze Eras na história da humanidade, embora a sétima, que cremos se iniciar com Cristo no Calvário, dura até o fim do mundo
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Objeções

Obj. 1: A Escritura diz que Deus mandou tomar as aves, "para serem conservadas na terra" (Gn VII, 3), logo, não foram sacrificadas, e não foram geradas por animais príncipes.

Como já notado, foram sacrificadas "todas as aves" (Gn VIII, 20) por Noé, logo, elas foram sacrificadas. O para "salvar sua semente sob a terra" (Gn VII, 3) não deixa de se cumprir, dado que a semente está nos animais principais. Aliás, falar de semente e não dos animais parece indicar que é a semente, o gênero ou o animal príncipe, que se quer salvar, e não as espécies.

Obj. 2: Deus manda entrar na Arca, além do jumento, os répteis, feras e bestas, os quais são excluídos dessa análise. 

Não foram esquecidos nesta análise, pois podiam estar entre os animais limpos sacrificados, já que algumas bestas e feras podem estar, desde que não usem as mãos para caminhar, se são quadrúpedes (Lev XI, 27), e tenham unha fendida em duas e ruminem (Lev XI, 3). Já o réptil, sempre impuro (Lev XI, 41), é citado uma vez (Gn VIII, 19) junto de jumento e animais em geral, ou seja, as três características do animal principal terrestre. Antes, na saída da Arca (Gn VIII, 17), o réptil é citado com os três tipos de animais na Arca: aves, bestas ou puros, e répteis, e de modo idêntico na ordem de Deus para a finalidade da Arca (Gn VI, 20). Daí pode-se entendê-lo como o próprio Behemot, também impuro e um réptil, por ter a característica de todos os terrestres de todos os tipos. Além disso, todos podem ter sido simbolicamente mencionados por algum motivo mistério a ser solucionado, e por serem parte do gene desse animal príncipe.

Obj. 3: Fala-se em casal quando se fala de animais impuros, e os principais não são casais.

Por tudo que explicamos sobre a característica geradora dos animais principais, eles são semelhantes ao hermafrodita, isto é, um casal em um só animal. Por isso, não é errado. 

Obj. 4: Muitos teólogos sustentam que Behemot e Leviatã são o hipopótamo e o crocodilo, que viviam perto da região de Jó.

Equivocam-se porque as descrições que as Sagradas Letras fazem são extremamente descritivas para aplicá-las ao hipopótamo e ao crocodilo. Tivessem noção desta Teoria, e principalmente conhecessem as ossadas dos dinossauros, talvez mudassem de idéia.

Obj. 5: Tais animais não podem gerar outros animais, porque isso implica que a obra de Deus não é perfeita, ou "boa" como diz o Gênesis, já que o Deus que precisa corrigir o que fez é um "Deus das lacunas".

Como esses animais foram feitos no princípio do mundo, podemos dizer que naquele momento foi-lhe dado a natureza para que percebessem a necessidade da biodiversidade, etc. Deus não precisaria, portanto, usá-lo para corrigir ou fazer mais coisas, como um demiurgo, mas eles mesmos já teriam esse instinto desde o princípio como algo natural, pelo próprio papel que têm de regerem cada animal de sua classe. No entanto, Deus Nosso Senhor pode Se servir deles e já Se serviu, como foi no caso do profeta Jonas, em domingo de Ramos, e outros episódios citados aqui. Contudo, tais eventos não fazem parte da missão ou papel principal dos animais príncipes, ainda que se harmonizem perfeitamente.

Obj. 6: Falta a Salamandra como um animal príncipe, pois ela domina sobre o fogo, como atestam muitas fontes históricas e católicas.

Essa pode simbolizar o domínio sobre o elemento clássico do fogo, ou o que este significa, isto é, a reação química entre combustível e oxigênio, possibilitada pela temperatura. Logo, significa um elemento que representa o mundo dos seres invisíveis ou microscópios, já que essa reação se dá no âmbito invisível a olho nu, mas que se manifesta quando em certa quantidade, assim como alguns micro-organismos se manifestam nos efeitos ou quando estão em grande quantidade juntos. 

Desde S. Isidoro de Sevilha, a tradição dos santos que mencionaram a Salamandra, assim como antigos filósofos desde Aristóteles, a colocam sempre como um ser maléfico, capaz de envenenar água, apodrecer coisas, causar doenças, e outros efeitos que são causados pelos micro-organismos. Disso vem a interpretação. Ora, o símbolo do fogo é o de queimar, trazer a destruição, e a Salamandra vive no fogo sem se destruir, segundo a simbologia clássica, do mesmo modo que alguns dos micróbios vivem na destruição de um organismo sem se destruírem, quando não vivem dessa destruição, como parasitas. O fogo tem também o simbolismo de purificação: muitos desses micro-organismos são decompositores, recicladores. 

Na Bíblia não há citação direta da Salamandra, porém, hipotetiza-se aqui que os "dragões" citados pela Sagrada Letra são as filhas da Salamandra principal, ou salamandras, já que esses "dragões" são sempre relacionados com habitantes de lugares abandonados (Is XIII, 20, XXXIV, 12, Jer IX, 11, X, 22, XL, 33), ou seja, apodrecidos, ou ainda como algo ruim (Dt XXXII, 33, Jó XXX, 29) ou que sofre derrota do justo (Sl LXXIV, 13, XCI, 13), o qual, podemos dizer, Deus poupou das epidemias e doenças. Tudo isso se encaixa perfeitamente com o simbolismo da ação de micróbios, vírus, parasitas, etc. 

Entretanto, não cremos que a Salamandra é um dos animais principais. Primeiro, porque não é mencionada na Criação, segundo, porque sua classe não é de animais, mas de seres microscópios normalmente relacionados com doenças, decomposição (como certos fungos), reciclagem, e coisas que, em geral, parecem ser próprias do mundo depois da queda de Adão, quando veio o tempo da morte. O Querubim na porta do paraíso terrestre depois da expulsão de Adão e Eva, com uma espada de fogo, isto é, muito bem simboliza o poder sobre o fogo que as salamandras têm, ou seja, os micróbios, doenças, decomposição, todas essas coisas que tomadas simbolicamente significam a decomposição à qual o homem ficou sujeito a partir da expulsão do paraíso: ali só entrará quem não sofre essas ações (do mesmo modo podemos pensar na ida de Santo Elias ao paraíso terrestre em um carro de fogo). Nesse momento da expulsão de Adão e Eva do paraíso terrestre pode ter começado a vida das "salamandras", sendo a Salamandra principal, isto é, a geradora das outras, não um animal em específico, mas o próprio Diabo, o eterno lixeiro e lixo do mundo, o qual age segundo as leis dessas "salamandras", tanto as físicas que a ciência médica e biológica estuda, quanto as leis mais misteriosas não estudadas por essas ciências que indicam a razão espiritual de doenças, pragas, etc, no curso das épocas e povos.

Além disso, o que foi dito da relação com alma vegetativa, sensitiva e racional justifica que a Salamandra não seja um animal principal, pois não se encaixa nessa relação numérica.

- Hipóteses sobre outras características dos animais príncipes e seus papéis na história da Igreja e eventos futuros

Conforme algumas histórias dos santos, podemos hipotetizar que esses dois animais príncipes, os da terra e do ar: Behemot e Ziz, possuem a capacidade de transformar-se em qualquer outro tipo de animal da sua espécie. Isso pode ser estendido ao Leviatã também.

Alguns poucos exemplos de animais com atitudes incomuns na história dos santos: um cachorro misterioso ajudou São João Bosco. Uma irmã morta em odor de santidade, Sor Patrocínio, segundo sua biógrafa, foi levada por um leão pacífico a uma caverna, quando "fazia séculos que não se criavam leões na Espanha"; Santo Elias e São Bento foram alimentados por corvos. São Columbano expulsou com a cruz um monstro marinho que queria devorar uma pessoa.

Excetuando o último caso, esses animais podem ter sido enviados e guiados por Deus, que rege todas as coisas, ou mesmo serem anjos em forma de animais, segundo sustentam alguns autores (por exemplo, S. Afonso de Ligório, Escola da Perfeição Cristão, Tratado da Castidade). O mais de acordo com a natureza angélica não é tomar forma de animal, por ser um ser mais baixo e, por outro lado, se existem os animais príncipes, é muito mais sensato dizer que atuem nestes episódios. Mais harmonioso com a sapiência Divina seria estar decidido, desde a criação, de que os animais príncipes teriam tais papéis, do que Deus ter que, para estas ações, tirar um cachorro de algum lugar, deslocar um leão da África para a Europa ou criá-lo, etc.

A capacidade de metamorfose se coaduna com suas naturezas, que é reger e, em casos excepcionais, gerar novas espécies. Ora, sendo criaturas feitas no paraíso terrestre, onde a corrupção não existe e, portanto, dotadas de certo poder misterioso sobre a matéria dos que ali foram feitos ou ali habitam, é fácil relacionar esse poder com essa capacidade extraordinária desses animais.  

Admitir a existência atual desses animais é admitir que as Sagradas Escrituras não os citaram por acaso, pois teriam até hoje uma importância, e um papel futuro desconhecido. Portanto, não são meros animais grandes como o crocodilo e hipopótamo, ou mesmo dinossauros desaparecidos, com os quais o sentido da Letra Sagrada é meramente histórico, embora uma prova de sua perfeição histórica. Nesta interpretação o sentido Bíblico é muito mais belo, pois invoca as duas coisas.

Ademais, o que era possível e arquitetônico, convergindo com a hierarquia das criaturas, Deus mais provavelmente o fez, já que esses animais, nesta interpretação, são uma categoria de animal incorruptível, pelo menos até o fim do mundo. Assim, há uma alma vegetativa incorruptível, a árvore do paraíso, uma alma sensitiva incorruptível, representada pelos três animais príncipes, e uma alma racional incorruptível, a do homem, que reúne todas as três características em uma só, como citado. Ora, o aquático está mais próximo do vegetativo, já o terrestre, do próprio terrestre ou alma sensitiva, e o volátil, da alma racional, conforme relacionamos acima. Deus teria deixado não só distintamente nos homens uma clara marca de Sua ação, mas também nesses animais, e na árvore do paraíso. Poder-se-ia pensar que dessa árvore Ziz tira as sementes para frutificar todas as outras novas sementes da terra, e que o Corvo que alimentou o profeta Elias era Ziz trazendo o fruto místico da árvore do paraíso (não aquele que causou a queda de Adão, e sim outro que fosse comestível, ou mesmo de uma outra árvore do paraíso), como que para prepará-lo à sua vida no paraíso terrestre esperando o fim do mundo, quando voltará, conforme visto no capítulo I.

Outra harmonia desta Teoria: assim como são três os que esperam para combaterem o Anticristo e morrerem no fim dos tempos, a saber, Elias, Enoch (e São João Evangelista, segundo hipotetizado), igualmente os três animais podem durar até lá justamente para servi-los, além de seus encargos habituais. Podem até mesmo ter algum protagonismo no fim. Afinal, a aparição e ajuda destes aos que combaterão a Revolução e o Anticristo será mais uma prova incontestável da perfeição Bíblica, e da verdade da Santa Igreja Católica. Porém, essas são hipóteses baseadas na Teoria.

Por fim, é preciso notar o que disseram santos e autores católicos sobre esses animais. Em geral, o Leviatã é relacionado com o diabo, mas parece que não há qualquer alegação de que é o único significado. São Jerônimo diz que o mundo gerou muitos monstros, dentro os quais Leviatã e Behemot (Carta Contra Vigilantius). Já Plinio Corrêa de Oliveira sobre Leviatã e Behemot, diz: "são dois animais diferentes. Mas eu não vejo qual é o papel da alteridade desses animais aí. Precisaria ir ao Cornélio [A Lapide, jesuíta exegeta famoso]. Um dia chegará em que eu vou estudar o Leviatã" (Almoço ESB 1-7-1987) e os avalia enquanto símbolos da Revolução. Sobre essa frase, infelizmente, há dois problemas: esse dia parece não ter chegado, e um dos poucos livros sagrados que o grande jesuíta Cornélio A Lapide não comentou foi o livro de Jó, onde é descrito esse animal. E também não o comenta com extensão em outros versículos onde são citados. Esta Teoria tenta ser o atendimento dos desejos de todos os estudiosos sobre o tema, e quer fazer o homem amar mais a verdade: "os céus e a terra proclamam a glória de Deus", abrindo espaços para outras investigações futuras.

Resumo da Teoria: há três animais príncipes representantes das três classes bíblicas de animais, isto é, aquático, terrestre e voador, respectivamente, Leviatã, Behemot e Ziz (único não citado na Bíblia). São hermafroditas encarregados de semear novas espécies, podem se transformar em qualquer espécie de sua classe, e vivem ocultos dos homens. Por conseguinte, a teoria sustenta que criaram toda biodiversidade pós-Dilúvio como gênero de cada classe, e que eram os animais por detrás de relatos históricos mundiais acerca de animais misteriosos. A teoria também explica a descrição de Behemot e Leviatã (citados no livro de Jó), responde incongruências no relato bíblico da Arca de Noé, e se harmoniza com a descoberta arqueológicas dos dinossauros (suas "crias").

Resumo da hipótese calcada na Teoria (mais importante para este trabalho): os três animais príncipes, Leviatã, Behemot e Ziz, ajudarão nas batalhas durante o Castigo preparador do Reino de Maria, pois no
início não haverá muitos combatentes e será necessário obter vitórias grandes. Ou só ajudarão aos santos Elias e Enoch no fim do mundo.

  

Próximo deste capítulo: Impressionantes descobertas nos documentos do Mar Morto e a Teoria do simbolismo-prefigurador: o contexto social da época de Cristo como símbolo e prefigura de mudanças futuras

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