Nesta parte do "Minha Vida Pública - Relatos Autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira", Ed.Artpress, 2015, Parte V, Capítulo IX, após inúmeros relatos de oposição de D. José Gaspar, Arcebispo em São Paulo na década de 40, ao "Grupo do Plinio", como então era chamada a TFP, vem um relato que mostra o quanto a providência esteve ao lado do fundador da TFP:
1. Morte completamente inesperada
Eu estava muito preocupado com essa situação toda quando, durante uma aula no Colégio Roosevelt, sou chamado ao telefone. Disseram-me tratar-se de um assunto urgentíssimo.
Era o José N. César Lessa, redator do Legionário, que com uma voz cava me disse [209]:
— Plinio, eu queria lhe avisar que está correndo o boato de que o avião que levava Dom José Gaspar ao Rio de Janeiro caiu e ele morreu. Morreram também o Cásper Libero, Monsenhor Alberto Pequeno, o Padre Nelson Vieira, secretário dele e toda a tripulação *.
* Em meio a densa cerração, o piloto da VASP havia feito uma primeira tentativa de pouso sem resultado, e na segunda bateu com a asa direita em um dos prédios da Escola Naval situado na Ilha de Villegaignon, contígua ao Aeroporto de Santos Dumont. Três passageiros foram resgatados com vida pelos cadetes da Marinha e as restantes 18 pessoas morreram no desastre. O desastre ocorreu às 9:05 horas do dia 27 de agosto de 1943 (cfr. Legionário n° 577, de 29 de agosto de 1943).
Fiquei muito espantado [210]. Esse desastre de avião era uma coisa com a qual ninguém contava [211].
Voltei para dar aula, mas aquela impressão diante do meu espírito se tornou tão clamorosa, que interrompi a aula.
Tomei um automóvel e, ao passar em frente à agência da Vasp, de longe vi uma aglomeração diante da vitrine.
Cheguei perto e encontrei um aviso: “Temos o pesar de informar que faleceram Dom José Gaspar, o senhor Cásper Líbero e outras pessoas.”
Parei um minutinho, olhei e mandei o automóvel tocar para o [212] meu escritório de advogado, no centro da cidade. Fechei as portas e deitei-me um pouco no sofá. Eu estava muito emocionado e, pela única vez em minha vida, tomei um calmante chamado Água das Carmelitas [213].
2. Premonição dessa morte prematura
Uma das razões pelas quais fiquei impressionado [214] foi por ter-me lembrado de uma cena ocorrida algum tempo antes com o Arcebispo.
Numa solenidade na Cúria, [215] estávamos os dois em pé, o Arcebispo e eu, conversando sobre assuntos do Movimento Católico. Ele se referiu a uma coisa qualquer e depois, não sei por que, disse-me o seguinte: “Nos poucos anos de vida que me restam, ainda conto fazer tal coisa”.
Quando falou isto, ele, que estava casualmente olhando para o chão, levantou os olhos e olhou no fundo de meus olhos. Nossos olhares se cruzaram. E percebi perfeitamente que ele tinha razão e iria viver pouco tempo [216].
* * *
Apesar de todas as desavenças, prestei a ele todas as honras fúnebres que deveria prestar. E ainda fizemos um número especial do Legionário em sua homenagem [217].
3. A morte o colhe em plena campanha contra nós
Depois da morte de Dom José, soubemos que ele estava de tal maneira empenhado na luta contra nós, e posto numa campanha tão formidável nesse sentido, que ele havia programado uma visita a todos os Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo, com o intuito específico de recomendar que não nos convidassem para nada e nos mantivessem no ostracismo mais completo.
Soubemos também que ele estava indo ao Rio de Janeiro para levar à Nunciatura documentos contra nós e tentar nos demolir junto ao Núncio.
Foi encontrado até um caderninho, que um sacerdote amigo nosso chegou a ler, com a agenda dos encontros que ele deveria manter naqueles dias no Rio. Eram quase todos amigos nossos daquela cidade.
* * *
Nessa campanha contra nós, ele havia tido um desaponto.
Ele passara uma circular aos seus colegas de Episcopado comunicando que eu tinha deixado a Presidência da Junta Arquidiocesana da Ação Católica.
Os Bispos mandaram uma resposta muito corriqueira e inteiramente burocrática, agradecendo a comunicação, quando ele esperava perguntas: “Por que? Mande informações”. E alguns Bispos, com quem ele foi falar, receberam mal a visita.
O velho Bispo de Ribeirão Preto, Dom Alberto José Gonçalves, chegou a dizer a ele:
— Senhor Arcebispo, V. Excia. é moço e eu sou velho. Cuidado! O caminho da heresia é o que V. Excia. está seguindo.
O Bispo Auxiliar, Dom Manuel da Silveira d‘Elboux, também disse a Dom José coisas muito pesadas.
Numa visita a Dom Cintra [218], na época Reitor do Seminário e mais tarde Bispo de Petrópolis, Dom José perguntou:
— Cintra, você também é dos que acham que eu sou herege?
Dom Cintra respondeu:
— Senhor Arcebispo, eu não acho que V. Excia. seja herege, mas acho que V. Excia. protege os hereges, e que infelizmente a sua atitude não é boa.
Falando depois a meu respeito para Dom Cintra, ele disse: “O Plinio não tem mais razão de ser nesta vida. A única solução para ele é morrer”.
* * *
Tudo isto mostrava bem que nós, apesar de precipitados de uma situação brilhante, tínhamos deixado muitas consciências alertadas.
Portanto, dentro de nossas desgraças, havíamos feito, até certo ponto, o papel de Sansão. A coluna estava derrubada [219]. E o nosso cadáver, atravessado na estrada, impedia o inimigo de continuar. Quer dizer, o sacrifício tinha sido útil [220].
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[209] Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54.
[210] SD 16/6/73.
[211] Telefonema Estados Unidos 17/2/95.
[212] Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54.
[213] Palavrinha 23/8/91 — A Água das Carmelitas é também conhecida como Água de Melissa.
[214] Telefonema Estados Unidos 17/2/95.
[215] SD 16/6/73.
[216] Telefonema Estados Unidos 17/2/95.
[217] Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54.
[218] — Dom Manoel Pedro da Cunha Cintra (1907-1999): Reitor do Seminário Central da Imaculada Conceição do Ipiranga e Visitador Apostólico dos Seminários do Brasil, foi eleito em 1948 1° Bispo da Diocese de Petrópolis, até a sua resignação em 1984.
[219] — O episódio aqui referido é da Sagrada Escritura (Juízes, 16:22-30).
[220] Palestra sobre Memórias (VII) 12/8/54.