O Novo Rito de sagração episcopal de Paulo VI é inválido?

Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados" (volume II, 2a edição).

Muitos, principalmente sedevacantistas, afirmam que o rito novo de sagração de bispos, instituído por Paulo VI em Junho de 1968, é inválido. Cabe, portanto, esclarecer a questão. Sabemos que a afirmação de invalidez já foi utilizada por sedevacantistas no passado, e atualmente, só pode ser utilizada por sedevacantistas, devido ao fato de que o Pontífice Reinante Francisco, Vigário de Cristo desde 2013, e seu antecessor, Bento XVI, foram sagrados nesse novo rito. Já aqueles que sustentam a invalidez somente para o rito de ordenação são sedevacantistas a partir do Papa Francisco, ordenado pouco depois da instituição deste novo rito (13 de dezembro de 1969) e, ao que tudo indica, segundo o mesmo.

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Depois do resumo, seguimos para as objeções (numeradas após a sigla "Obj.") mais comuns contra a validez da sagração no rito novo, com as suas respectivas tentativas de resposta (após a sigla "Resp.").

Resumo do problema 

O Papa Pio XII, ensinou com toda autoridade a forma da ordenação e da sagração: 

“5. (...) Mas em relação à matéria e à forma na consagração de qualquer ordem, pela Nossa mesma suprema autoridade apostólica Nós decretamos e estabelecemos o seguinte: (...). Finalmente, na Ordenação Episcopal ou Sagração, a matéria é a imposição de mãos, a qual é feita pelo Bispo sagrante. A forma consiste nas palavras do "prefácio", das quais as seguintes são essenciais e portanto necessárias para a validez:

“Completa no teu sacerdote a plenitude do teu ministério e, provido dos ornamentos de toda glorificação, santifica-o com o orvalho do unguento celeste.

(Latim:Comple in Sacerdoté tuo ministerii tui summam, et ornamentis totius glorificationis instructum coelestis ungenti rore sanctifica)" [1].

Essa forma tradicional significa de maneira inequívoca o poder do episcopado, que é a “plenitude do sacerdócio”.

Já no rito de 18 de Junho 1968, o Papa Paulo VI instituiu que "na Ordenação do Bispo, a matéria é a imposição das mãos dos Bispos consagrantes ou, pelo menos, do Consagrante principal, feita em silêncio sobre a cabeça do Eleito antes da Oração consecratória; a forma é constituída pelas palavras da Oração consecratória, das quais pertencem à natureza do ato e são exigidas para a sua validade as seguintes: 

Enviai agora sobre este eleito a força que de Vós procede, o Espírito soberano, que destes ao vosso amado Filho Jesus Cristo, e Ele transmitiu aos santos Apóstolos, que fundaram a Igreja por toda a parte, como vosso templo, para glória e perene louvor do vosso nome” 

(Latim: "Et nunc effunde super hunc electum eam virtutem, quae a te est, Spiritum principalem, quem dedisti dilecto Filio tuo Jesu Christo, quem ipse donavit sanctis Apostolis, qui constituerunt Ecclesiam per singula loca ut sanctuarium tuum, in gloriam et laudem indeficientem nominis tui)" [2].

Obj.1 (univocidade): A parte da fórmula que mais poderia significar a sagração, "Espírito Soberano", e as outras partes, não significam univocamente os poderes do episcopado, como requereu Pio XII em sua constituição Apostólica Sacramentum Ordinis.

Resp.1:

O erro está em achar que a fórmula tem que ser unívoca por causa da Constituição de Pio XII. Se fosse universal e irreformável por um Papa seguinte, essa constituição não teria deixado claro que não mudava as formas dos ritos orientais. Nosso Senhor Jesus Cristo, para essa categoria de sacramento, não especificou qual seria a forma da sagração, por isso, a variedade de formas usadas nos vários ritos da Tradição. O mesmo ocorre com a crisma, que tem fórmulas diferentes, mas é válido no sentido deprecatório e no imperativo. Enfim, evidentemente a forma deve significar a sagração pelo menos de modo equívoco (isto é, ter mais de um sentido), porque a frase "receba um copo de suco" não pode ser a forma que faz receber o poder do episcopado.

Obj.2 ("Espírito Soberano"): Nas Escrituras ou na Tradição, o “Espírito soberano”, parte da fórmula que mais poderia significar a sagração, é usado para se referir a muitas coisas, mas é insuficiente para significar os poderes do episcopado, como requereu Pio XII em sua constituição Apostólica Sacramentum Ordinis.

Resp.2:

Esta é a parte em que os sedevacantistas se complicam, mostrando seus diversos significados em outros contextos, todavia ignorando o significado do termo no contexto. Ora, como o termo é amplo, no contexto de uma cidade com língua específica, "Espírito Soberano" pode até mesmo significar o príncipe das trevas, soberano dos demônios, mas nada disso importa, porque é a sua amplitude de significados (e não infinidade) que no contexto toma um sentido específico, isto é, a graça do Espírito Santo em seu atributo de Soberano enquanto sagrante do Bispo, que também é soberano em sua região e no sacramento da Ordem, no sentido de ter a plenitude do sacerdócio.

Obj.3 (sem base na Tradição): A alegação de validez do Rito de Sagração novo não tem base na Tradição Católica, visto que se baseia em três textos antigos disputados: a “reconstrução” da Tradição Apostólica de Santo Hipólito, feita pelo estudioso de liturgia e reformador deste rito, o monge Dom Botte, as Constituições Apostólicas e o Testamento de Nosso Senhor, um rito de entronização não-sacramental (para o Patriarca Maronita), e uma má tradução (versão latina de Denzinger/Scholz) que omite uma palavra-chave (ordenar sacerdotes) da forma sacramental copta. Ademais, a forma consiste meramente de uma frase. As formas do rito oriental, que este Papa se refere como base da nova forma de sagração, constituem toda uma oração, ou mesmo uma série de orações, compostas por centenas de palavras.

Resp.3:

Primeiro, é preciso ter em mente que não é necessário que se tenha base na Tradição do uso na Igreja para que seja válido, embora esta prática seja a mais perfeita. Isso porque a Tradição se baseou primeiramente na autoridade.

Segundo, as fontes que são "disputadas" ganham autoridade das que não o são pela semelhança com estas. E todas juntas corroboram que a forma e o prefácio da Consagração Episcopal de Paulo VI, que é no mínimo uma mistura, têm base na tradição.

Obj.4 (base literal da forma disputada): A forma sacramental na qual Paulo VI se baseia literalmente (a Tradição Apostólica de Santo Hipólito) é disputada entre os acadêmicos, há diversas conjecturas sobre suas características, e é uma reconstrução. Os documentos antigos com os quais tem paralelos, como as Constituições Apostólicas, e o Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo também possuem problemas de autenticidade e ortodoxia. E nenhum destes pode ser provado como tendo sido usado de fato.

Resp.4:

Diversas épocas da Cristandade não possuem prova de que foram usadas as formas válidas para a sagração, mas nem por isso deixamos de acreditar que estavam em uso. Depois, se a nova forma é uma reconstrução, ela tem paralelo nas outras fontes que os sedevacantistas não podem duvidar: a do rito maronita e a do copta. Não serem consideradas formas nestes ritos é irrelevante, pois basta que signifiquem univocamente ou equivocamente o sacramento, como dito.

Obj.5 (problema da intenção): Há o problema da intenção de modo semelhante ao problema da intenção no rito novo da ordenação. Primeiro, Paulo VI diz claramente que a intenção de fazer um novo rito é a aplicação dos documentos do Concílio Vaticano II, o qual foi extremamente nocivo para Igreja, com documentos heterodoxos e atitude a-pastoral.

Além disto, todas as razões dadas anteriormente sustentando a invalidade da rito de ordenação podem ser dadas.

Resp.5:

A intenção do Concílio Vaticano II não foi proclamar uma doutrina diferente da católica. Pelo menos nenhum de seus documentos o diz, e só Deus julga as intenções interiores, e ainda assim, não só o Papa estava envolvido no Concílio. O mesmo se diga da reforma da Sagração. Assim, aqui cabe a mesma resposta dada aos opositores da validade do rito de ordenação em artigo nosso sobre a validade da ordenação.

Conclusão

Outras razões podem ser aludidas contra o cisma sedevacantista calcado na alegação de invalidez da nova sagração episcopal.

Igreja invisível: ao cisma sedevacante, praticamente não há mais bispos no ocidente e a situação em que aqueles tidos por Papas são anti-Papas significa uma Igreja sem hierarquia, uma Igreja invisível por muito tempo, o que é impossível, porque Deus fundou a Igreja em S. Pedro para ser uma estrutura humana na terra. E se essa não existe, não há Igreja, e as promessas de Nosso Senhor foram abaladas.

Ausência de apoio nas profecias: não há apoio em nenhuma profecia para a situação sem Papas em que estaríamos, nem mesmo nas profecias das importantíssimas aparições de Nossa Senhora. Antes, alguns citam a profecia de Nossa Senhora de La Salette, em que "Roma perderá a fé e se tornará a sede do Anticristo". Entretanto, esse Anticristo não veio, ou está (segundo alguns desse cisma, são representados por alguns Papas) há demasiado tempo na "chefia" da Igreja. Já os apóstolos Elias e Enoch, dos quais La Salette fala em seguida, não apareceram.
Tudo isso é interpretação forçada, pois a mesma profecia fala de uma época com reis como braço direito da Igreja, o que claramente não ocorreu desde aquela aparição, ou seja, o cenário do Anticristo vem depois disso e, portanto, o cenário de "Roma perderá a fé e se tornará sede do Anticristo" não pode ser considerado atual ou próximo com base nessa profecia.

Ausência de santidade dentre os sedevacantistas: não só o número de seitas dentre os sedevacantistas é grande (assim como embate entre esses), como não há nenhum rastro de santidade. Tal fato não é respondido dizendo que o mundo apostatou e carece de santidade (na seita que se crê verdadeira), pois milagres ou profecias eles não fazem também. Em geral, como costuma passar com cismas que negam a autoridade da Santa Igreja na teoria ou na prática, tendem a criar simulacros de hierarquia, e pregar que fora da seita não há salvação, ou seja, viram uma caricatura da verdadeira Igreja à qual dizem pertencer.


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[1] Constituição Apostólica "Sacramentum Ordinis", 30 de Novembro de 1947
[2] Constituição Apostólica Pontificalis Romani, 18 de Junho de 1968, Paulo VI. Tirado do Pontifical Romano da Conferência Episcopal Portuguesa