Papas sobre o erro moral nos paraísos fiscais

Do recomendadíssimo site: https://economiaescolasticacatolica.wordpress.com/2022/11/27/papas-sobre-o-erro-moral-nos-paraisos-fiscais/

Livro best-seller que impulsionou a discussão acerca dos paraísos fiscais no início do século XXI em diante

Surgido na segunda metade do século XX, o paraíso fiscal não poderia senão ter sido abordado pelos Papas daquele tempo em diante. Também neste tópico não faltou o Espírito Santo com a Igreja, fazendo-A falar através da mais importante voz na hierarquia instituída por Deus Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, a voz do Sucessor de S. Pedro, o Sumo Pontífice.

Paulo VI (1964-1978)

“24. O bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato da sua extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país. Afirmando-o com clareza, [1] o Concílio também lembrou, não menos claramente, que o rendimento disponível não está entregue ao livre capricho dos homens, e que as especulações egoístas devem ser banidas. Assim, não é admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da atividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal, sem se importarem do mal evidente que com isso causam à pátria.” [2]

Bento XVI (2005-2013)

"E João Paulo II advertia que investir tem sempre um significado moral, para além de económico [3]. Tudo isto — há que reafirmá-lo — é válido também hoje, não obstante o mercado dos capitais tenha sido muito liberalizado e as mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar que investir seja apenas um facto técnico, e não humano e ético. Não há motivo para negar que um certo capital possa ser ocasião de bem, se investido no estrangeiro antes que na pátria; mas devem-se ressalvar os vínculos de justiça, tendo em conta também o modo como aquele capital se formou e os danos que causará às pessoas o seu não-investimento nos lugares onde o mesmo foi gerado [4]. É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja especulativo, cedendo à tentação de procurar apenas o lucro a breve prazo sem cuidar igualmente da sustentabilidade da empresa a longo prazo, do seu serviço concreto à economia real e duma adequada e oportuna promoção de iniciativas económicas também nos países necessitados de desenvolvimento. Também não há motivo para negar que a deslocalização, quando compreende investimentos e formação, possa fazer bem às populações do país que a acolhe — o trabalho e o conhecimento técnico são uma necessidade universal –; mas não é lícito deslocalizar somente para gozar de especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem prestar uma verdadeira contribuição à sociedade local para o nascimento de um robusto sistema produtivo e social, factor imprescindível para um desenvolvimento estável." [5]

Congregação para a Doutrina da Fé em documento de 2018 aprovado pelo Papa Francisco (2013-)

“30. Exatamente de tal desígnio especulativo nutre-se o mundo das finanças offshore, que, mesmo oferecendo também outros serviços lícitos, mediante muitos e difusos canais de elusão fiscal, quando não de evasão e de lavagem de dinheiro fruto do crime, constitui um ulterior empobrecimento do normal sistema de produção e distribuição de bens e de serviços. É árduo distinguir se muitas de tais situações dêem vida a casos de imoralidade próxima ou imediata: certamente é evidente que tais realidades, do momento em que tiram injustamente a linfa vital da economia real, dificilmente podem encontrar uma legitimação, seja do ponto de vista ético, seja do ponto de vista da eficiência global do sistema econômico mesmo.

Antes, aparece sempre mais evidente um grau de correlação não trascurável entre os comportamentos não éticos dos operadores e os resultados falimentares do sistema no seu complexo: é inegável que as carências éticas exacerbam as imperfeições dos mecanismos do mercado [6].

Na segunda metade do século passado, nasce o mercado offshore dos eurodólares, lugar financeiro de trocas fora de qualquer quadro normativo oficial. Mercado que, a partir de um importante país europeu, difundiu-se em outros países do mundo, dando lugar a uma verdadeira e própria rede financeira alternativa ao sistema financeiro oficial e às jurisdições que o protegiam.

A respeito disto, ocorre dizer que se a razão formal adotada para legitimar a presença das sedes offshore é aquela de permitir aos investidores institucionais de não sofrer uma dupla taxação, primeiramente no país de residência e depois no país onde os fundos são domiciliados, na realidade aqueles lugares tornaram-se até hoje em grande medida ocasião de operações financeiras que frequentemente estão no limite do permitido (border line), quando não o ultrapassam (beyond the pale), seja do ponto de vista normativo, seja daquele ético, isto é, de uma cultura econômica sadia e livre de meras intenções de manipulação fiscal.

Hoje mais da metade do comércio mundial é efetuado por grandes sujeitos que reduzem a carga tributária transferindo os lucros de uma sede para outra, segundo as suas conveniências, transferindo os ganhos para os paraísos fiscais e os custos para os países de elevada imposição tributária. Parece claro que tudo isto subtraiu recursos decisivos para a economia real e contribuiu a gerar sistemas econômicos fundados na desigualdade. Além do mais, não é possível calar que aquelas sedes offshore, em muitas ocasiões tornaram-se lugares habituais para a lavagem de dinheiro, isto é, dos resultados de receitas ilícitas (furtos, fraudes, corrupção, associações para delinquir, máfia, saque de guerra…).

Em tal modo, dissimulando o fato que as chamadas operações offshore não ocorriam nas suas sedes financeiras oficiais, alguns Estados consentiam que se tirasse ganho mesmo com o crime, sentindo-se todavia desresponsabilizados porque os ganhos não eram realizados formalmente sob a jurisdição deles. Isto representa, do ponto de vista moral, uma evidente forma de hipocrisia.

Em breve tempo, tal mercado tornou-se o lugar de maior fluxo de capitais, porque a sua configuração representa uma via fácil para realizar diversas e importantes formas de elusão fiscal. Compreende-se então que a domiciliação offshore de muitas e importantes sociedades empenhadas no mercado resulta muito cobiçada e praticada.

31. Certamente, o sistema tributário estabelecido pelos Estados não parece sempre équo (…). Em todos os casos a manipulação fiscal dos principais atores do mercado, em especial dos grandes intermediários financeiros, representa uma injusta subtração de recursos da economia real, é um dano para toda a sociedade civil. Considerada a não transparência daqueles sistemas, é difícil estabelecer com precisão a quantidade de capitais que transitam nos mesmos; todavia foi calculado que bastaria uma mínima taxa sobre as transações realizadas offshore para resolver boa parte do problema da fome no mundo: porque não tomar com coragem a direção de uma semelhante iniciativa? (…)

Além do mais, foi acertado que a existência das sedes offshore favoreceu também uma enorme saída de capitais de muitos países de baixa renda, gerando numerosas crises políticas e econômicas, e impedindo aos mesmos de tomar finalmente a direção do crescimento e de um saudável desenvolvimento.

A tal propósito, ocorre notar que, muitas vezes, diversas instituições internacionais denunciaram tudo isto e não poucos governos nacionais buscaram justamente limitar o efeito das sedes financeiras offshore. Existiram muitos esforços positivos nesta direção, especialmente nos últimos dez anos. Todavia, até agora não conseguiram impor acordos e normativas adequadamente eficazes neste sentido; os esquemas normativos propostos, também da parte de reconhecidas organizações internacionais, foram frequentemente inaplicáveis ou tornados ineficazes, por motivo das notáveis influências que aquelas sedes financeiras conseguem exercitar, considerando o grande capital que dispõem, em relação a tantos poderes políticos. (…)

Portanto, é necessário e urgente que a nível internacional sejam estabelecidos oportunos remédios a tais iníquos sistemas; primeiramente praticando em cada nível a transparência financeira (por exemplo, com a obrigação da prestação de contas públicas pelas empresas multinacionais, das respectivas atividades e dos impostos pagos em cada país onde operam através de próprias sociedades subssidiárias); e também com sanções rígidas a serem impostas em relação aqueles países que repetem as práticas desonestas referidas acima (evasão e elusão fiscal, lavagem de dinheiro).

O sistema offshore, especialmente para os países cujas economias são menos desenvolvidas, terminou por agravar o débito público dos mesmos. De fato foi sublinhado como a riqueza privada acumulada nos paraísos fiscais de algumas elites quase igualou o débito público dos respectivos países. Isto evidencia também como, de fato, na origem de tal débito estejam frequentemente os passivos econômicos gerados pelos sujeitos privados e depois colocados nos ombros do sistema público. No mais, é notório que importantes sujeitos econômicos tendem a prosseguir de forma constante, frequentemente com a conivência dos políticos, uma prática de socialização das perdas. (…)” [7]

Resumo da moralidade no paraíso fiscal

1. Em si mesmo é lícito para evitar dupla taxação, entre outros problemas de falta de coordenação tributária internacional, ou fuga de perseguições injustas, etc.
2. Estimula ou pode ser fruto de egoísmo antipatriótico à medida em que grandes rendimentos são transferidos ao estrangeiro com proveito apenas pessoal, “sem se importarem do mal evidente que com isso causam à pátria”.
3. Dependendo da instituição escolhida, promove a falta de transparência financeira e, por conseguinte, os negócios pecaminosos quando o dinheiro em si mesmo já não origina de atividade pecaminosa

Em suma, o Vaticano, que já se mostrou preocupado com o malefício gerado pelo Paraíso Fiscal, podia muito bem emitir uma lista das instituições offshore que não seguem a moralidade católica acima aludida.


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Fontes:
[1] Gaudium et Spes, n. 71, § 6
[2] Populorum Progressio, 26 de março 1967. Link: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html#_ftn25
[3] Carta enc. Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 36: AAS 83 (1991), 838-840
[4] Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 24: AAS 59 (1967), 269
[5] Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 40. Link: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_caritas-in-veritate.html#_ednref97
[6] Francisco, Carta enc. Laudato si’ , n. 189: AAS 107 (2015), 922.
[7] Oeconomicae et pecuniariae quaestiones: Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro (6 de janeiro de 2018). Link: https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20180106_oeconomicae-et-pecuniariae_po.html