A Escritura, os Santos e os Teólogos deram medida de modéstia e pudor nos gestos corporais?

S. Isidoro de Sevilha, rogai por nós!

Extraído de:
"O Príncipe dos Cruzados (Volume II, 2a edição)".


Ao final, rascunhamos algumas definições sobre como julgar universalmente uma etiqueta cultural, isto é, a modéstia no âmbito da mesa e dos salões. Tal parte existe por ignorância de algo mais abalizado na Tradição Católica, mas para provar a primazia das fontes autorizadas, só ao final.


Sagrada Escritura

 
“As vestes do homem, o riso dos dentes, seu modo de caminhar, nós falam de sua personalidade”, Eclesiástico XIX. Riso dos dentes e modo de caminhar são gestos do homem.

“Pelo seu aspecto se descobre o homem, e por seu semblante o prudente”,
Eclesiástico XIX. Aqui o aspecto é a imagem que se tem do homem, que se manifesta pelo conjunto dos gestos também.
 

Santo Isidoro de Sevilha

“Demonstra o que professas em teu porte, em teu andar. Seja a tua apresentação a simplicidade, em teu movimento a pureza, em teu gesto a gravidade, em teu passo a honestidade. Que não demonstres o vergonhoso, o lascivo, o petulante, o insolente, o superficial. O gesto no corpo é o sinal da mente. Teu andar, por conseguinte, não represente tua superficialidade, teu passo não ofenda a ti ou a teu próximo.” [1]

S. Gregório Nazianzeno referindo-se ao Imperador Juliano, o Apóstata, faz um julgamento a partir dos movimentos externos que nos diz muito:

“Eu o olhava, e me chamava a atenção sua cabeça sempre em movimento, seus ombros agitados, e que davam a impressão de desconjuntar-se, um olhar desvairado, um passo cambaleante, um nariz arrebitado que respirava insolência e desdém. E eu perguntava: que monstro Roma alimenta aqui?” [2]

São Tomás de Aquino citando Santo Ambrósio e Santo Agostinho

“Objeções: Parece que não há virtude alguma nos movimentos do corpo:

1.  Toda virtude faz referência ao ornato espiritual da alma, segundo se diz no salmo 46, 14: Toda a glória da filha do rei é interior, no que comenta a Glosa: É dizer, na consciência. Mas os movimentos do corpo não são internos, e sim externos. Logo, não há virtude que se deles. (...)

Em contrário, está o fato do decoro da honestidade ser objeto de virtude. E a ordem dos movimentos externos pertencem ao decoro da honestidade, de acordo como Santo Ambrósio no I De Offic: Não aprovo nas palavras ou gestos nada afetado, nem tampouco nada selvagem ou rústico. imitemos a natureza, que é exemplo de disciplina e modelo de honestidade.

Solução. É próprio da virtude moral o ordenar, mediante a razão, as coisas próprias ao homem. Agora, é claro que os movimentos externos do homem podem ser ordenados mediante a razão, porque os membros externos se movem sob o império da razão. Por isto, é claro que uma virtude moral se ocupa da ordenação destes movimentos.

Em relação a ordenação destes movimentos, pode-se considerar debaixo dos aspectos: segundo a conveniência da pessoa e segundo a conveniência em respeito às pessoas externas, negócios ou lugares. Por isto diz Santo Ambrósio no I De Offic: Respeitar a beleza da vida é conceder a cada sexo e a cada pessoa o que lhe convém, o que pertence a primeira ordem. Enquanto ao segundo aspecto, acrescenta: Este é o modo mais perfeito que devemos observar nos gestos, este é o ornato ajustado a todas as ações.

Por isto Andrônico coloca duas virtudes sob a égide dos movimentos externos: o ornato, que tem em conta a conveniência da pessoa, e o que é, portanto, a ciência do dizer bem no movimento e nos costumes, e a boa ordem, que se ocupa de diversos assuntos e fatores concomitantes, e que são, por isto, espírito de discernimento, isto é, de distinção, das ações.

Respostas às objeções.

1. Os movimentos externos são para nós signos da disposição interna, segundo se diz no Eclo 19, 27: As vestes do homem, o riso dos dentes, seu modo de caminhar, nós falam de sua personalidade. E Santo Ambrósio diz, no I De Offic., que o estado da mente se conhece na compostura do corpo e que o movimento do corpo é uma voz da alma.(...)

3. Como já observamos antes (reposta 1), os movimentos externos são signos da disposição interior, e se mira principalmente nas paixões da alma. Por isto a moderação dos movimentos externos requerem a moderação das paixões internas. E assim diz Santo Ambrósio, no I De Offic.: que a partir disso (isto é, dos movimentos externos), julgamos que o homem escondido no profundo do coração é fútil ou jactancioso ou impuro, ou de outro modo, firme, puro e livre de manchas.

Também nos movimentos exteriores as pessoas se baseiam para emitir um juízo sobre nós, segundo Eclo. 19, 26: Pelo seu aspecto se descobre o homem, e por seu semblante o prudente. Por isso a moderação nos movimentos exteriores se ordena, de algum modo, aos outros, segundo o que diz Santo Agostinho na Regra: Procurai que em vossos movimentos não ofendam a ninguém, senão que se comportem como convém aos santos.

Portanto, a moderação dos movimentos exteriores pode-se reduzir a duas virtudes, das quais o Filósofo fala no livro IV da Ética. Com efeito, enquanto que nos ordenamos para outros por meio dos atos exteriores, a moderação dos movimentos exteriores passa a ser objeto da amizade ou afabilidade, que se ocupa dos gozos e das tristezas das palavras ou dos feitos em ordem aos outros com os que o homem convive. Mas enquanto que estes movimentos exteriores são signos da disposição interior, sua moderação pertence a virtude da verdade, pela qual nós mostramos, pelas palavras e pelas ações, como somos interiormente. (...)” [3]


São Francisco de Sales

Conta De Camius, Bispo de Belei (França) e amigo íntimo do Santo, que teve muitas vezes ocasião de examiná-lo secretamente: sempre o encontrou numa posição irrepreensível; tamanho era o respeito do santo pela presença de Deus que não se atrevia a praticar a mínima imperfeição, mesmo sozinho. O próprio santo, dando avisos sobre as amizades menciona como alguns imitam erroneamente, por amizade, os defeitos naturais de um amigo:

“São Gregório de Nazianzeno conta que diversos amigos de São Basílio tanto o estimavam e veneravam que até chegaram a imitar seus defeitos naturais e exteriores, como, por exemplo, seu modo vagaroso de falar, seu modo de andar, seu ar severo e pensativo e até o aspecto da barba (...) “ [4]

Como entender que um Santo não praticou a devida modéstia nos movimentos corporais? O modo de falar, com a velhice, pode sofrer modificação, perdendo o vigor, assim também o andar. O ar severo e pensativo e o aspecto da barba seriam, a nosso ver, características de um ancião, defeitos da idade que não contradizem a virtude do mesmo idoso.

Pe. Adolph Tanquerey
 
“A compostura do porte é igualmente uma excelente mortificação ao alcance de todos. Evitar com cuidado as posições moles e efeminadas, conservar o corpo direito sem violência e afetação, nem curvado, nem inclinado para um lado ou outro; não mudar com demasiada freqüência de posição; não cruzar nem os pés nem as pernas; não se apoiar indolentemente na cadeira ou sobre o genuflexório; evitar os movimentos bruscos e os gestos desordenados: eis aqui, entre centenas de outros, meios de nos mortificarmos sem perigo para a saúde, sem atrair as atenções, os quais nos dão sobre o próprio corpo grandíssimo domínio” [5].


Sobre a modéstia gestual em diversidades culturais

Difícil é dar medida à modéstia gestual na mesa e nos salões com tantas diversidades culturais. Em alguns países é falta de educação servir o vinho a si mesmo, em outros não o é. Então, em um lugar, determinado ato é pecado, e em outro não? Ou só uma das culturas é pecaminosa? E se uma pessoa que em consciência desobedece essa regra de etiqueta local peca, como mostrar que o pecado não é relativo ao lugar?

Primeiro, é preciso entender que há uma modéstia (gestual ou não) global, isto é, um costume que uma cultura qualquer não pode desobedecer. Por exemplo, o hábito indígena de andar pelado deve ser banido por causa do decoro. Ou mesmo o costume de muitos (infelizmente não mais relacionado somente aos selvagens) de comer feito bicho.

Dentro da modéstia geral, são saudáveis as diferenças regionais e nacionais, até porque dizem muito sobre a característica de um povo, mostram que hábitos são mais comuns em certas regiões, e por quais razões. Essas razões por vezes são fundamentadas nos próprios hábitos, como o dos gaúchos, que comem muita carne e, para auxiliar a digestão, no lugar da ingestão de verduras tomam mate, que também esquenta, pois sua região é fria. Outro hábito a ser notado é o do francês, que em sua residência considera falta de educação aquele convidado que se serve ou serve os outros de vinho, algo reservado somente ao dono da casa. No caso dos gaúchos, não peca o homem comendo verduras junto da carne e negando educadamente o mate, pelo fato que nem todos são acostumados com essas comidas no paladar (embora seja sempre mais perfeita o estar em sintonia com o ambiente). Já no caso do francês é um desrespeito à hospitalidade do dono da casa se servir de vinho (sabendo dessa regra de educação) porque a pessoa se opõe à generosidade francesa embutida nesse ato, enquanto no caso dos gaúchos não há ato de virtude conectado ao hábito do chimarrão. Aliás, opor-se a esse gesto não acrescenta nada ao homem, antes tira, pois do outro modo ele é servido.

Dito isso, podemos responder às perguntas: em um lugar, determinado ato é pecado, e em outro não? Ou só uma das culturas é pecaminosa?  


Enquanto o ato estiver encaixado nos limites da modéstia global para os movimentos e gestos, pode ser pecado se se age contra um costume atrelado a uma virtude.

E se uma pessoa que em consciência desobedece essa regra de etiqueta local peca, como mostrar que o pecado não é relativo ao lugar?


Não é um pecado relativo ao lugar, e sim relativo a uma virtude, pois um hábito decente está sempre atrelado a uma virtude, a qual é imutável.

Com isso parece esboçado um método bem básico de analisar todos os costumes que possam surgir ou que já existam no mundo. 


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[1] Santo Isidoro de Sevilha, Obras Escolhidas, "Lamentações de uma alma pecadora"

[2] Disc. V, 23, 24; P. G., XXV, col. 692, 693, apud Fernand Mourret, “Historie Génerale de L’Eglise, ed. Bloud et Gay, paris, pag. 185.
[3] São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Segunda Parte da Segunda Parte, Questão 168, art. 1
[4] São Francisco de Sales, Filotéia, parte III, cap.23
[5] A vida espiritual explicada e comentada, Adolph Tanquerey, 773. B, pgs. 414 e 415