Teólogos sobre a perda do Pontificado só por Heresia notória e divulgada de público

S. Roberto Bellarmino,
rogai por nós!
Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados (Volume II, 2a edição)".

Este artigo bebe das fontes do livro de Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira: "Considerações sobre o ordo missae de Paulo VI", 1970, onde a primeira parte trata exaustivamente das possibilidades do Papa herege. Este livro foi revisado e tinha adesão do eminente católico Plinio Corrêa de Oliveira.

-> Teses sobre o momento da Perda do Papado

1 - Quando cai em heresia interna.

2 - Quando intervém uma declaração de sua heresia por um concílio, pelos cardeais, por grupos de bispos, etc.

3 - Quando sua heresia se torna manifesta.

-> Apreciação ou refutação das Teses

1 - Quando cai em heresia interna (falsa).

Esta tese pressupõe que a jurisdição na Igreja absolutamente não pode estar com um herege.

Código de Direito Canônico (1917) contra a negação absoluta de jurisdição aos hereges

O herege só perde a jurisdição quando contra ele for proferida sentença condenatória ou declaratória no Cânone 2264.

Os sacerdotes que abandonaram a Igreja têm jurisdição para dar a absolvição a pessoas em perigo de vida no Cânone 882.

Pe. Suarez citando S. Tomás de Aquino 

"A perda da fé por heresia meramente interna não acarreta a perda do poder de jurisdição (...). Isso se prova em primeiro lugar pelo fato de que o governo (eclesiástico) se tornaria muito incerto caso o poder dependesse de pensamentos e culpas interiores. Outra prova: dado que a Igreja é visível, cumpre que o seu poder governativo seja a seu modo não de meras cogitações mentais. Esta é uma razão ―a priori‖, pois em tal caso a Igreja não retira o poder através de seu direito humano, uma vez que não julga do que é interno, como diremos adiante. E o poder também não é tirado por força do mero direito divino, porque este ou é natural, vale dizer, conatural aos próprios dons sobrenaturais, ou é estabelecido por determinação positiva. O primeiro membro do dilema não pode ser aceito, porque pela própria natureza das coisas não se pode demonstrar uma conexão necessária entre a fé e o poder de jurisdição; e também porque o poder de ordem é ainda mais sobrenatural, e no entanto não se perde, o que constitui verdade de fé, como se expõe mais amplamente no tratado dos Sacramentos em geral, e como ensina São Tomás (II-II, q. 39, a. 3). Portanto, embora a fé seja fundamento da santificação e dos dons que a ela pertencem, não é contudo fundamento dos demais poderes e graças, que são concedidos em benefício dos outros homens. O segundo membro do dilema se elimina com a simples observação de que pela Tradição nem pela Escritura é possível demonstrar a existência desse direito divino-positivo. Finalmente, é consentâneo com a razão que, assim como a jurisdição eclesiástica só é conferida através de alguma ação humana - quer seja esta apenas designativa, isto é, eletiva da pessoa, como no caso do Sumo Pontífice, quer seja colativa do poder, como nos demais casos - assim também não deva ser retirada senão através de alguma ação externa, pois em ambas as situações deve ser guardada a devida proporção, atendendo-se à condição e natureza do homem" [1].

2 - Quando intervém uma declaração de sua heresia por um concílio, pelos cardeais, por grupos de bispos, etc (falsa).

Esta tese se subdivide em duas:.

1 - A conciliarista, que defende que um Concílio ou um grupo de prelados pode julgar o Papa (já condenada pela Igreja, não nos detemos nessa).

2 -
A que sustenta que um Concílio (sem Papa), Sínodo ou um grupo de prelados ou grupo qualquer poderia fazer uma declaração não-judicial, em razão da qual Nosso Senhor Jesus Cristo deporia o Papa. Esta posição é relevante hoje já que tem sido defendida por alguns [2] para depor o Papa Francisco. No passado, mesmo para isso se defendeu um Concílio.

S. Roberto Bellarmino contra essa tese

"Além disso, a segunda afirmação de Cajetano, de que o Papa herege pode ser verdadeira e autoritativamente deposto pela Igreja, não é menos falsa do que a primeira. Pois se a Igreja depõe o Papa contra a vontade deste, está certamente acima do Papa; o próprio Caietano entretanto defende, no mesmo tratado, o contrário disto. Caietano responde que a Igreja, depondo o Papa, não tem autoridade sobre o Papa, mas apenas sobre o vínculo que une a pessoa ao Pontificado. Do mesmo modo que a Igreja, unindo o Pontificado a tal pessoa, não está por isso acima do Pontífice, assim também pode a Igreja separar o Pontificado de tal pessoa em caso de heresia, sem que se diga estar acima do Pontífice.

Mas contra isso deve-se observar em primeiro lugar que, do fato de que o Papa depõe Bispos, deduz-se que o Papa está acima de todos os Bispos, embora o Papa ao depor um Bispo não destrua a jurisdição episcopal, mas apenas a separe daquela pessoa. Em segundo lugar, depor alguém do Pontificado contra a vontade do deposto, é sem dúvida uma pena; logo, a Igreja, ao depor um Papa contra a vontade deste, sem dúvida o está punindo; ora, punir é próprio ao superior e ao juiz. Em terceiro lugar, dado que, conforme Cajetano e os demais tomistas, na realidade o todo e as partes tomadas em seu conjunto são a mesma cosa, quem tem autoridade sobre as partes tomadas em seu conjunto, podendo separá-las entre si, tem também autoridade sobre o próprio todo constituído por aquelas partes" [3].

3 - Quando sua heresia se torna manifesta (verdadeira).

Dr. Arnaldo Vidigal [4], seguindo Suarez [5], subdivide em três as teses sobre a natureza do "manifesto":

1º - No momento em que exterioriza a sua heresia.
2º - Quando a heresia chega ao conhecimento de certo número de pessoas, ainda que reduzido.
3º - Quando sua heresia se torna “notória e divulgada de público” ("Notoria et palam divulgata", segundo Wernz-Vidal [6]).

Eis os argumentos pelos quais só a terceira pode ser certa. Antes, algumas palavras sobre a posição de S. Roberto Bellarmino, tiradas de Dr. Arnaldo, que não deixou suficientemente clara a sua tese sobre o momento em que o Papa herege perde "ipso facto" o Pontificado:

"Diz ele que isso se daria quando a heresia se tornasse "manifesta"; e opõe o conceito de "manifesto" ao de "oculto". Ora, a heresia oculta pode ser a interna (oculta "per se"), como pode ser a externa desconhecida por outrem (oculta "per accidens"). A se atribuir a São Roberto Bellarmino a primeira dessas interpretações, o Papa perderia o Pontificado no momento em que exteriorizasse sua heresia, ainda que ninguém o percebesse. A se lhe atribuir a segunda interpretação, a perda do Pontificado se daria quando algumas outras pessoas – talvez uma só – soubessem do fato.

Caberia ainda uma terceira interpretação? Poder-se-ia entender como heresia oculta aquela que já é do conhecimento de muitas pessoas, mas ainda não atingiu o grande público, ainda não se tornou "notória e divulgada de público"? – Tal interpretação é adotada por Wernz-Vidal, que afirma mesmo, sem hesitar, que segundo São Roberto Bellarmino o Papa herege só estaria destituído quando sua defecção na fé se tornasse "notória e divulgada de público"".

São Roberto Bellarmino

"Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente de São Cipriano (lib. 4, epíst. 2), o qual assim se refere a Novaciano, que foi Papa (antipapa) no cisma havido durante o Pontificado de São Cornélio: ―Não poderia conservar o Episcopado, e, se foi anteriormente feito Bispo, afastou-se do corpo dos que como ele eram Bispos e da unidade da Igreja‖. Segundo afirma São Cipriano nessa passagem, ainda que Novaciano houvesse sido verdadeiro e legítimo Papa, teria contudo decaído automaticamente do Pontificado caso se separasse da Igreja.

(...) O mesmo diz Melchior Cano (lib. 4 de loc., cap. 2), ensinando que os hereges não são partes nem membros da Igreja, e que não se pode sequer conceber que alguém seja cabeça e Papa, sem ser membro e parte (cap. ult. ad argument. 12). E ensina no mesmo local, com palavras claras, que os hereges ocultos ainda são da Igreja, são partes e membros, e que portanto o Papa herege oculto ainda é Papa. Essa é também a sentença dos demais autores que citamos no livro 1 "De Eccles.".

O fundamento desta sentença é que o herege manifesto não é de modo algum membro da Igreja, isto é, nem espiritualmente nem corporalmente, o que significa que não o é nem por união interna nem por união externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, espiritualmente pela fé, corporalmente pela confissão da fé e pela participação nos sacramentos visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros, embora apenas por união externa; pelo contrário, os catecúmenos bons pertencem à Igreja apenas por uma união interna, não pela externa; mas os hereges manifestos não pertencem de modo nenhum, como já provamos" [7].

Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira resume a posição da perda do Pontificado por heresia notória e divulgada de público

"A Igreja é uma sociedade visível e perfeita.

Ora, os fatos da vida oficial e pública de uma sociedade visível e perfeita, só se tornam juridicamente consumados quando notórios e divulgados de público.

Ora, a perda do Papado é um fato da vida pública e oficial da Igreja.

Logo, a perda do Papado só se torna juridicamente consumada quando notória e divulgada de público.

Tal conclusão, decorrente de uma verdade revelada e de uma premissa evidente à razão natural, expressa a vontade certa de Nosso Senhor. Não seria uma verdade formalmente revelada, mas uma verdade virtualmente revelada, uma conclusão teológica.

O próprio Jesus Cristo, portanto, sustentaria a jurisdição do Papa herético até o momento em que sua defecção na fé se tornasse "notória e divulgada de público".

Em conseqüência, seriam válidos todos os atos jurisdicionais praticados pelo Papa durante esse período. Imaginado mesmo o caso de proferir ele uma definição dogmática, esta seria infalível. O Espírito Santo, em tal hipótese, falaria através dele como falou pela mula de Balaão" [8].

Teólogos sobre a Infalibilidade Papal no Magistério ordinário

Bíblia, Papas, santos e teólogos sobre a real possibilidade de um Papa ser herege

Questão teológica sobre quando o sedevacantismo é sempre cisma. Erro de Dr. Arnaldo na matéria, resolução de Plinio Corrêa de Oliveira


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[1] De Legibus, lib. IV, cap. VII, n.º 7, p. 360
[2] Robert J.Siscoe e John Salza, membros ligados a FSSPX. Eles publicaram um livro contra o sede-vacantismo defendendo esta posição. Um resumo se encontra no link: https://fratresinunum.com/2015/10/30/a-igreja-pode-depor-um-papa-herege/
[3] De Rom. Pont., lib. II, cap. 30, pp. 418-420
[4] Op.cit pg.28 
[5] "De Leg...", lib. IV, cap. VII, n.º 6, p. 360
[6] Ius Can., vol. II, p. 517 
[7] "De Rom. Pont.", lib. II, cap. 30, p. 420
[8] Op.Cit., pg.32