D. Lefebvre e seu amor pelo movimento condenado por S. Pio X, Bento XV e Pio XI. Um amor até o fim

Esse artigo faz parte de um estudo sobre D. Marcel Lefebvre.

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D. Lefebvre e seu amor pelo movimento condenado por S. Pio X, Bento XV e Pio XI. Um amor até o fim

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Objeção 1: D. Marcel Lefebvre é o bastião da Tradição e da moral

Admirador de um movimento condenado por São Pio X, Bento XV, e depois publicamente por Pio XI

O Pe. Henri Le Floch (1862-1950) foi reitor no seminário francês de Roma durante mais de vinte anos até 1927. Quando condenada a Ação Francesa, da qual era simpatizante, o Papa Pio XI impôs que se afastasse de Roma. O que D. Marcel disse da Ação Francesa e do Pe. Le Floch, seu professor de seminário?

“Nunca agradecerei suficientemente a Deus ter-me permitido conhecer este homem verdadeiramente extraordinário. Foi ele que nos ensinou o que foram os Papas no mundo e na Igreja e o que ensinaram em século e meio: o antiliberalismo, o antimodernismo, o anticomunismo, toda a doutrina da Igreja sobre estes temas.” [1]

“Ação francesa...não era propriamente um movimento católico [mas] era um movimento contra as desordens que a maçonaria estava trazendo para a França. Defendiam uma fundada, definitiva reação, um retorno à ordem, à disciplina, à um código moral, à moral Cristã. Mas o governo, descontente com esse movimento, insistiu que o Papa Pio XI o condenasse. Ação Francesa era formada pelos melhores católicos que estavam tentando reerguer a França. E mesmo assim o Papa Pio XI condenou. A melhor prova que esse julgamento foi infundada é que quando ele morreu, seu secretário de estado, Papa Pio XII, que o sucedeu, levantou a condenação do movimento. Era tarde demais! O mal estava feito. A Action Française tinha sido arruinada. Foi terrível e teve enormes consequências.” [2]

História da condenação da Ação Francesa, admirada por D. Marcel

 
Foi a condenação de Pio XI injusta? Seria mais uma injustiça desse Papa como as cometidas em relação à S. Padre Pio e os Cristeros, como dizem alguns lefebvristas? Foi pressão governamental? Pio XII levantou a condenação por arrependimento?

São Pio X nunca foi a favor da Ação Francesa como sustentam alguns lefebvristas. Mostra isso um relatório, feito por pedido do Papa Pio XI, documento toda a investigação do Santo Ofício sobre a Ação Francesa e as obras de seu principal ideólogo, Charles Maurras.


“A investigação foi feita, e isso é o que foi descoberto:


Na Congregação preparatória de quinta-feira, dia 15 de Janeiro de 1914:
 

‘Todos os consultantes foram da opinião unânime de que os quatro livros de Charles Maurras – ‘Le Chemin de Paradis’, ‘Anthinéa’, ‘Les Amants de Venise’, e ‘Trois idées politiques’ – são realmente perigosos e por isso merecem proibição; eles declararam que era necessário adicionar a obra 'L’Avenir de l’intelligence' para os trabalhos mencionados.
Muitos consultantes queriam que os livros intitulados ‘Politique religieuse’ e ‘Si le coup de force est possible’ também fossem adicionados' ”
 

“Na Congregação geral feita na segunda-feira, 26 de Janeiro de 1914:

‘Sua eminência Cardeal-prefeito declarou que discutiu o assunto com o Supremo Pontífice [Pio X], e que o Santo Padre, por causa do número de petições endereçadas a ele verbalmente ou em escrito, até por número considerável de pessoas, realmente hesitou por um momento, mas no final decidiu que a Sagrada Congregação deveria lidar com a matéria em total liberdade, reservando para si o direito de publicar o Decreto.’ (...)”

“No dia 14 de Abril de 1915:


‘O supremo pontífice (Bento XV, de memória abençoada) inquiriu o Secretário no assunto dos livros de Charles Maurras e do periódico ‘L’Action Française’. O secretário relatou em detalhes para Sua Santidade tudo que a Sagrada Congregação tinha feito nessa matéria e como seu predecessor, Pio X, de abençoada memória, ratificou e aprovou a proibição pronunciada pelos Padres eminentes, mas adiou para um momento mais adequado a publicação do decreto. Isto dito, Sua Santidade declarou que esse momento não tinha ainda chegado, com a guerra ainda sendo travada, as paixões políticas iriam prejudicar um julgamento equilibrado desse ato da Santa Sé.’

Sendo ditas essas coisas com cuidado para o Nosso Santo Padre por mim mesmo, o abaixo-assinado assessor do Santo Ofício, Sua Santidade julgou que chegou o momento apropriado para publicar e promulgar esse decreto do Papa Pio X e decidiu proceder na sua promulgação, com a data estabelecida por seu sucessor, de memória abençoada, Pio X.” [3]

No dia 8 de Setembro de 1926 o Papa Pio XI publica a condenação da Ação Francesa e de Charles Maurras. Pouco antes respondia uma carta do Arcebispo de Bordeaux, o Cardeal Andrieu, concordando com sua posição contrária à Ação Francesa.


“ (...) Sua eminência lista e condena corretamente (em não só em antigas publicações) os sinais de uma nova religião, de uma nova moral, e de um sistema social, no que diz respeito, por exemplo, à noção de Deus, da encarnação, da Igreja, e geralmente, da moral e dos dogmas católicos, principalmente na sua relação necessária com a política, que é logicamente subordinada à moral. Em resumo, há, nessas manifestações [da Ação Francesa] traços de um ressurgimento de paganismo, que é ligado ao naturalismo que esses autores tem colocado, inconscientemente, nós acreditamos, como tantos de seus contemporâneos, no ensinamento público dessa moderna e secular escola, envenenadora dos jovens, e contra quem eles mesmo lutam tão frequentemente.


Dado em Roma, perto de São Pedro, em 5 de Setembro ano de 1926, quinto do nosso pontificado. Pio PP XI“

Apesar da condenação por três Papas e a Sagrada Congregação, assim como o conteúdo da carta acima, D. Marcel ainda ousou afirmar, depois de tantos anos, que a condenação tinha razão política.

Pio XII reconheceu o erro da condenação tirando a proibição do órgão do movimento?

Depois de ler tudo isso, é no mínimo estranho esse erro, e o estranhamento é confirmado pelo "Legionário"
em 1939, órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, dirigido então por Plinio Corrêa de Oliveira:

“Já em vida de Pio XI, haviam eles mandado uma retratação à Santa Sé. Enquanto eles esperavam a resposta que estava sendo preparada no Vaticano, o Papa morreu. Mas Pio XII lhes concedeu o perdão implorado. E a reconciliação se fez completa, tão completa, tão feliz, tão memorável, quanto forem sinceros e duráveis os propósitos dos filhos pródigos. (...). Muita gente que renunciou a custo a Daudet e Maurras por ocasião da condenação, terá, agora, reacendido inteiramente seus antigos fervores. Não é este, porém, o espírito da Igreja. No próprio documento em que ela indulta os excomungados, ela fez reservas que devem constituir para nós lições preciosas:


1) todas as condenações continuam de pé para todos os erros já condenados, e portanto também para todos os livros e jornais já proibidos;
2) a permissão para se lerem os futuros exemplares da “Action Française” não implica na reconstituição do funesto incondicionalismo que tantos males havia causado anteriormente. Pelo contrário, a Santa Sé chama a atenção de todos os fiéis para as verdades opostas aos erros de Daudet e Maurras, para todos os deveres que eles haviam negado, a fim de que a reconciliação com as pessoas não signifique um abrandamento com o erro.


Longe do re-endeusamento dos heresiarcas ora penitentes pela graça de Deus, o que a Santa Sé quer é uma vigilância contínua...” [4]

Em conclusão, a Ação Francesa foi condenada por São Pio X e Bento XVI, e por motivos de momento político só foi publicada por Pio XI. Pio XII levantou a condenação por causa da mudança de posição e arrependimento dos antigos membros. Por isso, não tirou os livros de Maurras e Daudet, nem os antigos exemplares do movimento do Index Prohibitorum, tampouco falou de erro passado da Santa Sé. D. Lefebvre engana a todos novamente aplaudindo o movimento de Maurras e Daudet, mesmo depois de terem
renunciado tudo e voltado à fé católica, no leito de morte.

Os erros da Ação Francesa e de seu ideólogo principal agnóstico, positivista, naturalista, que exibia um estranho nacionalismo

 

É verdade que a “ação francesa era formada pelos melhores católicos”? Era um “retorno à ordem”?

Comenta Eugen Weber a opinião política de Maurras: "A ordem Católica foi organizada na idade média para o reino da beleza e para a salvação do mundo. Ambos estavam em grande perigo desde a reforma, e agora um bizarro e romântico Jesus era chamado para sanar a desordem. Mas ‘Eu não conheço nenhum outro Jesus do que aquele da tradição católica,’ (...) ‘Eu não devo deixar a retidão dos Padres, dos Concílios, dos Papas, e todos aqueles grandes homens da elite moderna, para botar minha confiança na escritura de quatro judeus obscuros.’ O Evangelho de Maurras não era um evangelho de amor, a ideia de justiça dele era legal, e não divina" [5].

Fora o desprezo pelos Santos Evangelhos escrito pelos “quatro judeus obscuros”, o nacionalismo esdrúxulo de
Charles Maurras, ideólogo principal da AF, era notável. Ele chegava a dizer que “Os alemães são uns bárbaros e o melhor dentre eles sabem disso. Eu não falo nem de moscovitas nem de tártaros. O gênero humano é a nossa França, não somente para nós, mas para todo o gênero humano”. Chegou até mesmo a consagrar seu primeiro artigo no ‘Figaro’ à “deusa França”. [6]

Outro aspecto do seu pensamento é o ecumenismo, inserido dentro de uma religião nacionalista, e a exclusão da moral na política, ou maquiavelismo: “A política não é a moral. A ciência e a arte de conduzir o estado não é a ciência e a arte de conduzir o homem” [7] “Acima de suas diversidades políticas, religiosas e econômicas, eles [os franceses] deverão ser classificados de acordo com a sua fé francesa” [8]. “Tudo é relativo, esse é o único princípio absoluto” [9]

Louis Dimier, outro expoente do movimento, ao longo das aulas ministradas em 1906 no Instituto da Action Française, coloca entre os "mestres da Contra-Revolução" autores como Sainte-Beuve, Balzac, Taine, Renan e até o socialista Proudhon [10]

“Qual o grande erro político cometido pela Action Française? Afirmava ela que os católicos deveriam ser só monarquistas e que, caso se filiassem a alguma agremiação republicana, trairiam a sua Fé.” [11]

Resumindo: os escritos de Maurras e de outros ideólogos da AF é claramente oposto ao ensinamento tradicional da Igreja Católica.

Conclusão: tal bispo não é bastião da moral nem da tradição só por essa história


Em suma, D. Lefebvre achava extraordinário um padre seguidor de Charles Maurras e o próprio movimento de Maurras, um agnóstico, nacionalista, relativista e positivista que teve seus livros inclusos no Index por São Pio X e Bento XV, os quais só não os condenaram publicamente por questões políticas da época. Pio XI meramente fechou o caixão. Eis uma faceta do bispo francês que poucos conhecem.

Não por coincidência a Ação Francesa
teve atitudes, posteriormente à condenação, muitas vezes semelhantes às da SSPX: atitude intemperante contra o Papa, fora da comunhão com Roma e o Papa, esperança de salvação temporal e espiritual no seu movimento, além de sustentar idéias como: era melhor servir a Igreja fora Dela do que dentro, a Igreja faz menos que o movimento e é mau católico aquele que está fora da Ação Francesa. Tudo isso o prof. Plinio Corrêa de Oliveira relata na década de 1930. [12].


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[1] September 23, 1979, Jubilee sermon, The Biography of Marcel Lefebvre, Bernard Tissier de Mallerais, Kansas City: Angelus Press, 2004, pg.36. Também Marcel Lefebvre, the biography, John Vennari, Marcel Goes to Rome, The Angelus magazine, August 2005
[2] The Little Story of My long Life, Marcel Lefebvre, pg. 32
[3] Canali, Assessor do Santo Ofício, Decreto do Santo Ofício condenando certas obras de Charles Maurras e o periódico L’Action Française. 29 de Janeiro de 1914 e 29 de Dezembro de 1926.
[4] Action Française, Legionário, N° 359, 30 de julho de 1939. Também conta toda essa história o professor R. de Mattei no livro "O Cruzado do Século XX", Cap. IV, 16.
[5] Action Française: Royalism and Reaction in Twentieth Century France, Eugen Weber, The Rise: 1899-1918, pg.8
[6] Yves Chiron, La Vie de Maurras, Perrin, Paris, 1991. Pg. 184
[7] C. Maurras, Romantisme et Révolution, p.20. 
[8] Lucien Thomas, L'Action Française Devant L’Église, Nouvelles Éditions Latines, Paris, 1965, pg. 31.
[9] C. Maurras, Romantisme et révolution, pp 92-93
[10] Louis Dimier, "Les maîtres de la contre-révolution au XIX siècle", Nouvelle Librairie Nationale, Paris, 1907, pp. 115-135 (Balzac), pp. 161-184 (Sainte-Bcuve), pp. 187-208 (Taine), pp. 209-230 (Renan), pp. 279-303 (Proudhon).
[11] Plinio Corrêa de Oliveira, A Action Française e a Liga das Nações, Legionário, Nº 276, 26 de dezembro de 1937
[12] Action Française, Legionário, N° 359, 30 de julho de 1939, A Action Française e a Liga das Nações, Legionário, Nº 276, 26 de dezembro de 1937