O Lefebvrismo ou Padre sem Jurisdição: refutando o "caso de necessidade" e a situação alegada sem cisma com S.Tomás

Esse artigo faz parte de um estudo sobre D. Marcel Lefebvre.

Para lê-los na ordem, clique:

D. Lefebvre e seu amor pelo movimento condenado por S. Pio X, Bento XV e Pio XI. Um amor até o fim

Marcel Lefebvre e o Concílio: assinou os documentos e até falava bem dos frutos, depois negou ter apoiado e passou a criticar

D. Lefebvre era favorável à missa nova "bem celebrada" e deixava seus padres celebrarem. E segundo alguns, já a teria celebrado

O Lefebvrismo ou Padre sem Jurisdição: refutando o "caso de necessidade" e a situação alegada sem cisma com S. Tomás

O "Paradoxo do ecumenismo": sobre as autorizações Papais aos sacramentos dos lefebvristas e o que tinha em mente S. Pio X no combate anti-modernista 


Cardeal Burke diz que a FSSPX é cismática, que não é legítimo ir a missa ou receber sacramentos lá, e critica supostas concessões Papais
 
S. Padre Pio vs D. Marcel Lefebvre. Excomunhão injusta é inválida? S. Tomás de Aquino responde 

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O Lefebvrismo ou Padre sem Jurisdição: refutando o "caso de necessidade" e a situação alegada sem cisma com textos integrais de S. Tomás

D. Lefebvre de clerygman protestantizado "aggiornate" em 1981. Veja mais fotos do bispo francês de uniforme aggiornate aqui, aqui e aqui. Imagens originalmente vistas aqui

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Objeção 4: D. Marcel Lefebvre e D. Mayer fizeram o maior ato de resistência em 1988 [1] 

Com o uso de fontes antigas, eis as razões teológicas pelas quais o rompimento prático com a hierarquia que remonta aos Apóstolos e é oriunda do Pontífice Romano se trata de um cisma.

Tal trabalho serve àqueles que, tendo boa vontade, não prestaram a devida reverência à força da palavra da Monarquia Papal pelo então Legislador, Juiz e Administrador da Igreja Universal, João Paulo II, quando houve o cisma de 1988:

"3. Em si mesmo, tal acto foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima e de importância capital para a unidade da Igreja, como é a ordenação dos bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Por isso, tal desobediência ― que traz consigo uma rejeição prática do Primado romano ― constitui um acto cismático (Ecclesia Dei, 2 de julho de 1988. Grifos nossos. Link: http://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu-proprio_02071988_ecclesia-dei.html#_ftnref3)".

Em outro artigo será explanada a linguagem ecumênica por detrás das autorizações Papais desde Bento XVI, o qual "levantou" a excomunhão dos quatros bispos sagrados.

A argumentação inicial usará basicamente Santo Tomás de Aquino (Suma Teológica será abreviada por ST) e provará as afirmações seguintes que definem a situação desses padres, tratando posteriormente das objeções usando o mesmo desenvolvimento.

- O que é jurisdição e seu alcance

1. Jurisdição é o poder das chaves dado por Cristo Deus ao Papa Reinante, que assim tem poder hierárquico em toda Igreja e o concede aos subordinados, que ganham também um poder das chaves, embora subordinado.


2. É usada por mera indicação humana.

3. A jurisdição por suplência é dada também por indicação humana nos casos de necessidade, isto é, leito de morte, risco de vida, etc.

4. O uso da jurisdição é válido mesmo se usado injustamente.

- O que é um cismático

1. Cismático é aquele não tem jurisdição.

1.1. A Igreja não reconhece a legitimidade do ministério dos padres lefebvristas, isto é, não lhes confere jurisdição.

2. Cismático é aquele que não se submete ao Supremo Pontífice e seus intermediários.

2.1. Esses padres possuem capelas e se instalam em lugares das dioceses de bispos católicos sem se submeterem à autorização do ordinário local, que por sua vez são submetidos à autoridade do Supremo Pontífice.

3. Cismático é aquele que tem 1 e 2 como características próprias, mesmo aceitando em teoria a doutrina católica e o poder de jurisdição do Papa e dos membros intermediários, isto é, teoria sem prática.

4. Certos padres, como os lefebvristas, são da opinião acima.

5. Sendo da opinião acima, eles completam as características de um cisma, e são cismáticos.

- Consequências espirituais de um cisma

1. Esfriamento da caridade dos seguidores do cismático, e pecado grave do mesmo.

2. O sacramento da Eucaristia não tem fruto espiritual aos cismáticos (sacrílega) e a missa é ilícita.

3. Absolvição dos pecados é inválida nos casos ordinários.

4. Celebração dos casamentos é inválida.

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- O que é jurisdição e seu alcance

1. Jurisdição é o poder das chaves dado por Cristo Deus ao Papa, que assim tem poder jurídico em toda Igreja e o concede aos subordinados, que ganham também um poder das chaves, embora subordinado.

A jurisdição vem da cabeça, que é Cristo.

“E o mesmo deve passar no governo da Igreja militante, de modo que a certos caiba governar indistintamente a todos; e abaixo desses exerçam outros um poder distinto sobre diversos.” ST, Supp. 20, a. 1

“E como toda graça e todo perdão, num corpo místico, vêm da sua cabeça, pelo mesmo poder essencial o sacerdote pode consagrar, absolver e ligar, desde que tenha jurisdição; e esses poderes não diferem entre si senão racionalmente, enquanto comparados aos seus diversos efeitos; assim também o fogo, num ponto de vista, aquece e, em outro, liquefaz.” ST, Supp. 17, a. 2, 1

“Este poder de atar e desatar foi concedido primeiramente ao único, primeiro e sumo sacerdote, ao qual conferiu-se o poder universal como à cabeça suprema; depois, segundo as igrejas particulares, divide-se em partes este poder, de tal modo que desce de uma só cabeça primeiro para os bispos e depois para os presbíteros.” S. Boaventura, Brevilóquio, VI parte, Cap. X

O uso das chaves ou jurisdição só é utilizado por quem está sob uma autoridade delegada pela Igreja.

“Em todos os casos referidos subsiste na sua essência o poder das chaves; mas o uso fica impedido por falta de matéria. Pois, como quem exerce o poder das chaves deve ser superior àquele sobre quem o exerce, conforme dissemos (17, 2, ad 2), a matéria própria sobre quem se exerce o uso das chaves é a pessoa a ele sujeita.” ST, Supp, 19, A.6 

“Por onde, só ao bispo se chama propriamente prelado da Igreja; e por isso só ele, como sendo o esposo, recebe da Igreja o anel. Portanto, só ele tem o pleno poder de dispensar os sacramentos e a plena jurisdição no foro das causas, quase pessoa pública; os outros o tem na medida em que o recebem dele.” ST, Supp. 26, a.1

O poder de jurisdição precisa ser usado com dependência do poder Papal.

“Para absolver do pecado é necessário um duplo poder: o da ordem e o da jurisdição. O primeiro todos os sacerdotes o tem igualmente; mas não o segundo. Por isso quando o Senhor deu em geral a todos os Apóstolos o poder de perdoar os pecados, entende-se por esse poder o resultante da ordem. Daí aos sacerdotes se lhes dizerem as referidas palavras, quando se ordenam. Mas a Pedro em particular deu o poder de perdoar os pecados; entendendo-se que tem ele, de preferência aos outros, o poder de jurisdição. Quanto ao poder da ordem, dá por si mesmo a faculdade de absolver a todos. Por isso o Senhor disse indeterminadamente — Aos que vós perdoardes os pecados, entendendo contudo que o uso desse poder devia ser em dependência do que antes foi conferido a Pedro, quando o Senhor mesmo o ordenou.” ST, Supp. 20, a. 1, 1

“O poder da ordem, em si mesmo considerado, se estende à remissão de todos os pecados. Mas como para o exercício desse poder é necessária a jurisdição, que desce do superior para o inferior, por isso pode o superior reservar certos casos para si, que não confia ao juízo do seu inferior. Do contrário, um simples sacerdote com a jurisdição de absolver poderia julgar de tudo.” ST, Supp. 20, a. 2

“Todo poder espiritual é dado junto com alguma consagração. Por isso o poder das chaves é dado em conjunto com a ordem. Mas a execução do poder das chaves precisa da matéria devida, que é o povo sujeito à jurisdição. Por isso, antes de ter a jurisdição, o sacerdote tem o poder das chaves, embora não tenha em ato. E como esse poder se define pelo seu ato, por isso na definição dele se introduz um elemento pertinente à jurisdição.” ST, Supp. 17, a. 2, 2

"A nenhum bispo é permitido sobre nenhum pretexto ou privilégio qualquer o exercer funções episcopais na diocese de outro bispo, sem permissão do ordinário local e em respeito às pessoas subordinadas ao mesmo ordinário. Se qualquer bispo fizer isso, será justamente suspenso de suas funções episcopais…” Concílio de Trento, Sess. VI, cp. 5 

2. É usada por mera indicação humana

“E como pela ordenação da Igreja um está sujeito a outro, por isso também pelos superiores eclesiásticos pode ser desligado da obediência a alguém, quem a ele estava sujeito. Por onde, a Igreja exclui os heréticos e os cismáticos e outros tais, desligando-lhes os súditos, da obediência, total ou parcialmente; e por ficarem assim privados do exercício da ordem não podem ter o uso das chaves.” ST, Supp, 19, A.6

“Quanto ao poder de jurisdição, é conferido por simples investidura humana. Tal poder não se recebe de modo imutável. E não subsiste nos cismáticos e nos hereges.” ST, II-II, 39, a.3

“E como o uso das chaves exige um poder superior, em virtude do qual aquele a quem é comunicado o uso delas seja a matéria própria do ato do primeiro, por isso, quem tem indistintamente o poder sobre todos pode exercer o das chaves sobre qualquer. Aqueles porém que, em dependência desse receberam poderes distintos, não podem exercê-los sobre quaisquer, mas só sobre os que lhes caíram por sorte; salvo em artigo de necessidade, quando a ninguém se devem negar os sacramentos.” ST, Supp. 20, a. 1. Mas o que é o caso de necessidade aqui? O próximo tópico esclarece.

3. A jurisdição por suplência é dada também por indicação humana nos casos de necessidade, isto é, leito de morte, risco de vida, etc

Caso de necessidade sempre foi entendido como perigo real de morte: 
“Quanto ao 2, deve-se dizer que em caso de necessidade, um só ministro poderia batizar vários sob a forma “Eu vos batizo”. Por exemplo, se fosse iminente um desabamento ou uma batalha ou algo semelhante que não deixasse tempo para batizar a todos, um por um.” ST, III, 67, a.6 

“Pode um exercer a jurisdição de outrem, por vontade deste, pois, a jurisdição é susceptível de ser delegada. Ora, como a Igreja permite a qualquer sacerdote absolver em artigo de morte, por isso mesmo pode exercer a jurisdição alguém que dela careça.” ST, Supp, 8, a. 6

“Quanto ao 1, portanto, deve-se dizer que não é permitido receber o batismo das mãos de um cismático a não ser em extrema necessidade, pois é preferível deixar esta vida com a marca de Cristo, seja quem for que a dê, judeu ou pagão, do que sem esta marca conferida pelo batismo” ST, II-II, 39, a.4

4. O uso da jurisdição é válido mesmo se usado injustamente

Usamos o exemplo da excomunhão para ilustrar que o uso da jurisdição é válido mesmo se usado injustamente, porque a excomunhão é a pena mais grave que a Igreja pode impor, e se a mais grave é assim tratada, também é a menos grave. O que S. Tomás diz é que a pena temporal aplicada injustamente é válida, mas o homem não necessariamente perde a graça de Deus, isto é, fica excluído do Reino dos céus. Peca mortalmente quem não aceita a pena humildemente.

“Parece que uma excomunhão injustamente proferida não produz nenhum efeito (...). Uma excomunhão pode ser considerada injusta de dois modos (...). Do segundo modo, por parte da excomunhão mesma: ou por não ser justa sua causa; ou por ter sido proferida a sentença, em desobediência à exigência do direito. E então, sendo a sentença de modo errada a se tornar nula, não tem nenhum efeito, por não ser excomunhão. Se porém o erro não anular a sentença, esta produz o seu efeito. O excomungado deve então obedecer-lhe humildemente, o que lhe redundará em mérito. Ou pode recorrer a um juiz superior ou pedir ser absolvido da excomunhão. Se porém a desprezar por isso mesmo pecará mortalmente.” ST, Supp. 21, a. 4

Apesar da pena ter efeito, é preciso entender com S. Tomás que embora “não possamos perder injustamente a graça de Deus, podemos porém perder injustamente as condições que da nossa parte disporiam a essa graça; assim, se alguém fosse privado de instrução, que tem direito. E neste sentido dizemos que a excomunhão priva da graça de Deus, como dito antes. (2, ad 3)”. ST, Supp. 21, a. 4, ad.1. [2].


- O que é um cismático


1. Cismático é aquele não tem jurisdição

“Como, porém, um poder inferior não deve passar ao ato a não ser movido por um poder superior, como se vê até nas coisas da natureza, assim, em consequência, tais homens perdem o uso de seu poder e não lhes é mais permitido usá-lo. (...).

Quanto ao poder de jurisdição, é conferido por simples investidura humana. Tal poder não se recebe de modo imutável. E não subsiste nos cismáticos e nos hereges.” ST, II-II, 39, a.3

1.1. A Igreja não reconhece a legitimidade do ministério dos padres lefebvristas, isto é, não lhes confere jurisdição

Sem contar com o próprio João Paulo II, que foi bem explícito no documento "Ecclesia Dei", Bento XVI também disse que “a Fraternidade não possui qualquer estado canônico na Igreja, e os seus ministros – embora tenham sido libertos da punição eclesiástica – não exercem de modo legítimo qualquer ministério na Igreja”. [3]

2. Cismático é aquele que não se submete ao Supremo Pontífice e seus intermediários

“Ora, pode-se considerar a unidade da Igreja de duas maneiras: na conexão ou na comunhão recíproca dos membros da Igreja a uma única cabeça. Segundo Cl 2:18-19: ‘Inchado pelo sentido de sua carne e não se mantendo unido à cabeça, da qual todo o corpo, por suas articulações e ligamentos, recebe alimento e coesão para realizar seu crescimento em Deus’. Ora, esta Cabeça é o próprio Cristo, do qual o soberano pontífice faz as vezes na Igreja. Por isso chamam-se cismáticos aqueles que não querem se submeter ao soberano pontífice e recusam a comunhão com os membros da Igreja a ele submetidos.” ST, II-II, 39, a.1

2.1. Esses padres possuem capelas e se instalam em lugares das dioceses de bispos católicos sem se submeterem à autorização do ordinário local, que por sua vez são submetidos à autoridade do Supremo Pontífice. Fato notório, dispensa provas.

3. Cismático é aquele que tem 1 e 2 como características próprias, mesmo aceitando em teoria a doutrina católica, o poder de jurisdição do Papa e dos membros intermediários, isto é, teoria sem prática.

“O cisma pode dar-se não só em razão de heresia, mas também sem ela, como acontece quando alguém, conservando a fé, não quer em suas ações e no modo de praticar a religião manter a unidade da Igreja. E isso pode dar-se de dois modo. De um primeiro modo, separando-se da cabeça da Igreja, como se lê no cap. ―Non vos‖, 23 quest. 5., onde a Glosa diz que o cisma consiste em não ter o Pontífice Romano como cabeça — não negando que o Pontífice Romano seja a cabeça da Igreja, pois isso já seria cisma unido a heresia, mas quer negando temerariamente a este Pontífice em particular, quer comportando-se em relação a ele como se não fosse a cabeça: por exemplo, se alguém quisesse reunir um Concílio geral sem a sua autoridade, ou eleger um antipapa. Este é o modo mais comum de cisma.” F. Suarez, De Caritate, dispo. XII, sect. I, n.º 2, pp. 733-734, Opera Omnia

“Em sentido contrário, Agostinho (Contra Faust. xx, 3; Contra Crescon. ii, 4) distingue entre cisma e heresia, quando diz: ‘O cismático tem as mesmas crenças e os mesmos ritos que os outros; só se compraz na separação da congregação. O herege, porém, tem opiniões que o afastam do que a Igreja Católica crê’”. ST, II-II, 39, a.1

“E foi esse o caso naquele tempo; essa pessoa escolhendo um [líder], e aquela, outro. Por essa razão ele diz que é necessário concordar tanto em mentalidade quanto em julgamento. Porque não foi por diferenças na fé que os cismas apareceram, mas pela divisão dos julgamentos pelas brigas.” S. João Crisóstomo, comentário em I Cor I, 10

“Há cismas, quando os membros de um grupo se separam em várias partes de acordo com as suas crenças variadas ou de acordo com as variadas opiniões sobre conduta.” S. Tomás de Aquino, comentário em I Cor I, 10

“É o que diz Jerônimo: 'Entre o cisma e a heresia penso que há esta diferença: a heresia professa um dogma pervertido, enquanto o cisma separa da Igreja'. No entanto, assim como a perda da caridade é caminho para a perda da fé, segundo a primeira Carta a Timóteo: ‘Por se terem afastado (da caridade e das coisas deste gênero), alguns se perderam em vãos palavreados’, assim também o cisma é caminho para a heresia.” ST, II-II, 39, a.1

“Diz-se heresia a negação pertinaz, depois de recebido o batismo, de alguma verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou ainda a dúvida pertinaz acerca da mesma; apostasia, o repúdio total da fé cristã; cisma, a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos” Cân. 1325 parágrafo 2, CDC 1917 ou Cân. 751, CDC 1983

- Consequências espirituais de um cisma

Lembrando que quem recebe sacramento de um padre cismático sem saber da situação desse sacerdote não tem seu sacramento invalidado. Nesses casos a Igreja concede a jurisdição. Talvez por isso muitos cismáticos não comentem sua situação.

1. Esfriamento da caridade dos seguidores do cismático, e pecado grave do mesmo

“Pois, os que deles [membros da Igreja] recebem os sacramentos alcançam a graça. Não porém os que os recebem dos separados da Igreja, pois, pelo fazerem pecam; exceto o batismo, que em caso de necessidade é lícito receber mesmo de um excomungado.” ST, Supp, 19, A.5

“Por isso outros dizem, que conferem verdadeiramente os sacramentos mas com estes não é dada a graça; não por ineficácia deles, mas pelo pecado de quem recebe, desses tais, os sacramentos, com proibição da Igreja. E esta é a terceira opinião e a verdadeira.” ST, Supp. 38, a.2

“A heresia se opõe por si à fé; e o cisma se opõe por si à unidade da caridade eclesial. É por isso que, da mesma forma como a fé e a caridade são virtudes diferentes, embora aquele a quem falta a fé, falte-lhe também a caridade, o cisma e a heresia são também vícios diferentes, embora todo herege seja também cismático, não, porém o inverso.” ST, II-II, 39, a.1, obj.3

2. O sacramento da eucaristia não tem fruto espiritual aos cismáticos: a missa é ilícita

“Ora, já que o poder de consagrar a Eucaristia é um ato que decorre do poder da ordem, quem está separado da Igreja pela heresia, cisma ou excomunhão, pode consagrar a Eucaristia. Esta eucaristia consagrada por ele contém o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Não o faz, porém, de modo correto, por isso peca ao fazê-lo. Daí se segue que não recebe o fruto do sacrifício, por ser este um sacrifício espiritual.” ST, III, 82, a. 7

3. Absolvição dos pecados é inválida nos casos ordinários

“Agostinho diz (Tract. cxxi in Joan.), que a caridade da Igreja perdoa os pecados. Ora, a caridade é a que obra a união da Igreja. Logo, como os supra-referidos estão fora da união da Igreja, parece que não têm o uso das chaves para perdoar os pecados.  
Demais. — Ninguém pode ser absolvido do pecado por um ato que também não pudesse ser praticado, sem pecado. Ora, se um dos referidos desse a absolvição dos pecados a quem lh'a pedisse, iria contra o preceito da Igreja. Logo, por eles não pode ser absolvido. Donde se conclui o mesmo que antes.” ST, Supp, 19, A.6

“Além disso, para absolver é preciso ter jurisdição, e essa não a tem o excluído da Igreja.” ST, Supp. 38, a.2

Concílio de Trento: "a Igreja de Deus sempre teve a convicção, e o santo Concílio confirma ainda a mesma verdade, que é nula a absolvição pronunciada pelo padre a uma pessoa sobre a qual ele não tenha jurisdição ordinária ou subdelegada" [4] 

"Além do poder de ordem, para a válida absolvição dos pecados, é necessário no ministro o poder de jurisdição, ordinária ou delegada, sobre o penitente” (CDC, 1917, Cân. 872) 

“devemos dizer que a absolvição no foro da confissão pertence principalmente ao poder das chaves e, por conseqüência, ao poder da jurisdição;” ST, Supp, 20, A.3

“Ora, só pode ter império sobre outrem quem sobre ele tiver jurisdição. Por isso este sacramento exige necessariamente, não somente que o ministro tenha a ordem, como no caso dos demais sacramentos, mas também a jurisdição. Por isso, como quem não é sacerdote não pode conferir este sacramento, assim também não o pode quem não tem jurisdição.” ST, Supp, 8, a. 4

4. A celebração dos casamentos é inválida 

A invalidez do sacramento do casamento celebrado por tais padres é evidente porque eles não representam a Igreja Católica, ou seja, não podem testemunhar em nome Dela. Os casamentos são feitos com a autorização da diocese local, à qual eles não pertencem. Somente são válidos, ainda que ilícitos, quando ambos noivos foram criados no cisma, porque estas condições para validez obrigam só quem é ou foi católico. (conforme dizia o antigo CDC de 1917, Cân. 1099, p.2, p.3).

Argumento comum dos lefebvristas, e sua refutação

A autoridade não é conferida pela hierarquia (direta ou indiretamente), mas pelo estado de necessidade que visa a salvação das almas.

Primeira resposta: o estado de necessidade visa a salvação das almas, contudo, uma situação sem jurisdição e não submetida à hierarquia, como a situação desses padres, anula a justificativa, pois ela prejudica a salvação das almas, incluso a do padre, pelas consequências espirituais salientadas antes: absolvição nula nos casos ordinários, sacramento da eucaristia sem fruto espiritual, celebração inválida de casamentos, pecado grave do padre e esfriamento da caridade dos seus seguidores.

Segunda resposta: Estado de necessidade na doutrina da Igreja sempre se referiu ao perigo de morte que justifica dar um sacramento, sem o qual a alma se perde, isto é, o indispensável para a salvação: batismo ou absolvição através da extrema unção. Dizer que é necessário haver padre ou bispo lefebvrista para salvar as almas, é dizer "fora do lefebvrismo não há salvação", prova de que é uma seita que se considera a verdadeira Igreja.

Argumento menos comum dos lefebvristas, e sua refutação

A jurisdição por suplência é concedida pela hierarquia (não diretamente) por causa do estado de necessidade. [5] 

Primeira resposta: a própria jurisdição por suplência precisa ser autorizada pela hierarquia, como mostramos. Por isso, vemos que os defensores dessa tese não encontram nenhum Papa, Concílio, Doutor da Igreja que alegue a possibilidade de jurisdição de suplência para o ministério ordinário do sacerdócio, tornando a justificativa nova. Por isso, os escritos posteriores ao cisma lefebvrista tentam se justificar recolhendo inúmeras citações, mas nenhum dos autores citados defende a tese pretendida literalmente (conclusão tirada do fato mesmo que eles não citam essa defesa literal, o que seria conveniente).

Segunda resposta: igual à segunda da objeção comum.

Argumento de cambio de autoridade dos lefebvristas, e sua refutação

São três casos: ninguém tem autoridade mais, alguém tem autoridade, mas não o Papa, ou a autoridade vigente foi restringida. [6]

Resposta: não só o Papa tem poder disciplinar sobre a Igreja Universal, como o uso da jurisdição é válido mesmo se usado injustamente, como mostrado. Nos outros casos daremos só as respostas breves mais adiante.

Diretrizes para discutir com lefebvristas sobre a objeção comum

Toda heresia tem sua ladainha. A palavra-talismã da pertinácia, o slogan. Essa palavra tem certo poder mágico, encerra a clave herética, e é um "feitiço" que invoca o demônio a ela atrelado. Para destruir esse feitiço é preciso um “contra-feitiço”, uma palavra que encerre, com a intercessão de São Miguel Arcanjo, o poder de precipitá-la. Essa palavra ou pequena frase precisa sintetizar ao máximo a resposta, e ser curta. Assim, o embate está feito. O conhecido embate entre ‘sola scriptura’ e ‘tradição da Igreja’, ‘primado Petrino’, etc, é um exemplo disso, e de que até mais de um ‘contra-feitiço’ por vezes convém.

É preciso lembrar também que são inúmeros os meios usados para justificar o fim, isto é, o “estado de necessidade” e a “resistência, e não cisma”. Não se deve discutir o meio, porque os lefebvristas costumam contar mil histórias para corroborar suas alegações, mas isso visa desorientar o debate, quando se começa a entrar no mérito dessas histórias, e se acha que é preciso refutá-las para refutar a justificativa de sua situação, prolongando indefinidamente o debate.

Vê-se semelhança com os protestantes: ele diz “sola scriptura” e o católico diz “tradição”, e o protestante levanta frases bíblicas para se justificar, e o católico lembra de outras contrárias, ou tenta dizer que não é esse o sentido, etc, depois o protestante cita mais uma para rebater, o católico lembra de outra,
prolongando indefinidamente o debate. O certo é se fixar só em poucas, como a do primado Petrino e onde São Paulo fala em manter a tradição, etc. É preciso cortar a base do herege, informando-o que não se pode citar livremente a Bíblia baseando-se nessas partes. Deixá-lo citá-la livremente é dar poder ao herege de interpretar a Sagrada Escritura, o que é errado. 

Esse é um exemplo de argumento por exaustão, quando o debatedor levanta problemas secundários indefinidamente, e começa a se preocupa mais com isso, fazendo-o o outro debatedor cair na armadilha e ceder por exaustão, pois começa a achar que há mais motivos do que pensava, mas o que realmente aconteceu foi: o cerne da questão foi preterido pelo problema secundário. Um truque de ilusão, pois o fim não foi debatido. 

Um exemplo de que não se deve debater os meios é um estudo que passa a parte 2 toda citando a história e os precedentes da consagração de Êcone (irrelevante, como dissemos), e chega a afirmar (tentando justificar o estado de necessidade) que D. Marcel “desafiou o Papa e consagrou quatro bispos sem mandato papal para: assegurar a preservação a preservação da fé católica (...), garantir padres verdadeiramente católicos para os fiéis (...).” [7]. Quem vai querer perder seu tempo achando que alguém que diz isso acreditará que existem muitos (incluso padres) tradicionais discordantes de D. Lefebvre? 

Deve-se manter firme na posição. Não vale rebater “ah, mas quando ele assinou a carta tal...”, “ah, mas o tal cardeal e o tal teólogo disse que não é cisma”, “se ele não tivesse feito teria acontecido...”, “se não fosse isso o mundo e a Igreja estariam...”, “nós podemos desobedecer quando..”, “não havia esperança de socorro de legítimos pastores” [8]. Todas essas alegações são refutadas com uma frase só, como veremos. Toda essa história é irrelevante para a situação final e atual do lefebvrismo. Nem que o Bispo francês ou um padre seguidor seu tivesse feito milagre, sem jurisdição e com revolta, é cisma.

Portanto, os slogans contrários aos seus slogans principais são os da seção seguinte, e lembramos que precisam ser repetidos, por causa do contra-feitiço e da recusa da discussão dos meios, já mencionada. É preciso manter a dialética das seções seguintes.

Breve refutação do estado de necessidade

“Estado de necessidade na doutrina da Igreja sempre se referiu ao perigo de morte que justifica dar um sacramento, sem o qual a alma se perde, isto é, o indispensável para a salvação: batismo ou absolvição através da extrema unção".

Objeção nível leve de lefebvrismo: "A facilidade da existência de padres e bispos tradicionais justifica o estado de necessidade".

(Repete a refutação principal). Ninguém perde sua alma se não for ordenado bispo ou sacerdote, nem mesmo os fiéis necessariamente perderão a alma.

Objeção nível médio de lefebvrismo: "A garantia da existência de padres e bispos tradicionais justifica o estado de necessidade".

(Repete a refutação inteira anterior). Não necessariamente não haverá padres e bispos tradicionais porque não há seminário lefebvrista.

Objeção nível grave de lefebvrismo: "Não haveria padres e bispos tradicionais sem o estado de necessidade".

(Repete a refutação anterior). Se não há verdadeiramente padre católico fora do lefebvrismo, então "fora do lefebvrismo não há salvação", o que é absurdo e prova de que é uma seita que se considera a verdadeira Igreja.

Daí basta citar as passagens da tradição da Igreja já mencionadas.

Breve refutação do estado sem cisma

“Cisma é quando há:
1. Ausência de jurisdição emanada do Papa, e a Igreja não reconhece a legitimidade do ministério desses padres, isto é, não lhes confere jurisdição.
2. Insubmissão ao Supremo Pontífice e seus intermediários, e esses padres possuem capelas e se instalam em lugares das dioceses de bispos católicos sem submeterem-se à autorização deles, que por sua vez são submetidos à autoridade do Supremo Pontífice.
3. Aceitar em teoria o poder de jurisdição do Papa e dos membros intermediários, mas não na prática, o que é evidente em 1 e 2, o que não se obtêm por palavras.”

Daí basta citar as passagens da tradição da Igreja já mencionadas.

Breve refutação da jurisdição de suplência no ministério tradicionalista

“A jurisdição por suplência é dada também por indicação humana nos casos de necessidade, isto é, leito de morte, risco de vida, etc”.

Daí resta citar as passagens da tradição da Igreja já mencionadas.

Breve refutação da objeção de cambio de autoridade

“Se ninguém tem mais jurisdição católica universalmente, não existe mais Igreja, a qual é baseada na hierarquia. Portanto, estamos no fim do mundo. Mas o Anticristo não apareceu, tampouco Elias e Enoch, conforme os Doutores da Igreja dizem, então, eu não acredito”.

“Se a jurisdição passou para alguém só há salvação com esse alguém, o qual é a única autoridade divina, mas não pode ser seguidor de D. Lefebvre, porque este é heterodoxo, como mostrado. Deus não lhe conferiria tal autoridade e missão. Mas esse alguém não apareceu, nem o anticristo, tampouco Elias e Enoch, de modo que reste provada a veracidade de tamanha grave situação. Então, eu não acredito”

“A jurisdição católica não pode ter sido reduzida, pois:
1. Jurisdição é o poder das chaves dado por Cristo Deus ao Papa, que assim tem poder jurídico em toda Igreja e o concede aos subordinados, que ganham também um poder das chaves, embora subordinado.
2. O uso da jurisdição é válido mesmo se usado injustamente”.

Daí basta citar as passagens da tradição da Igreja já mencionadas.




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[1] A decisão de Dr. Plinio de não apoiar esses bispos é confirmada pelos membros da TFP que foram testemunhas, embora nesses assuntos a TFP nunca tomou posição oficial, pois sempre foi uma associação civil, de acordo com a nota da revista Catolicismo de Agosto de 1988. Alguns entusiastas das consagrações de Êcone chegaram a pedir apoio de Dr. Plinio, que recusou e reiterou não ter a TFP nenhum vínculo com o movimento de Lefebvre em Catolicismo, junho de 1990.

Adendo da 2a edição: ademais, a TFP espanhola reitera como Dr. Plinio, ainda vivo, nunca quis romper com a hierarquia em resposta a Dom Corso, bispo ligado a Roma em Campos, 1995, que enviara ao bispo da Espanha uma acusação de que Dom Mayer tinha "subserviência" à Plinio Corrêa de Oliveira, ou seja, punha a culpa do então cisma do bispo e seus padres tradicionalistas de Campos na TFP:

"É significativo que, numa conversa entre D. Mayer e o Prof. Plinio, o primeiro, em determinado momento, disse que D. Lefebvre poderia sagrar alguns bispos, ainda que sem licença da Santa Sé, dando a entender que ele, Dom Mayer, o seguiria. O Prof. Plinio respondeu cortesmente que para entrar em ruptura com a Santa Sé não contasse com seu apoio, pois ele sempre se manteria fiel à Cátedra de Pedro."

(Grifos nossos. Pg. 41 e 43 de "TFP-Covadonga refuta a falaciosa carta do senhor Bispo de Campos (RJ), D. João Corso". Link: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/GES_9508_resposta_a_dom_Corso.htm)

[2] Um autor aclamado em certos meios lefebvristas, e por outro lado bem anti-tomista nessa questão, é o Pe. Álvaro Calderón. Ele escreve no “La Lámpara Bajo El Celemín”, pg.39:
“El Papa puede realizar un acto, promulgar una ley o establecer uma institución que – si no están cubiertos por la infalibilidad – sean inválidos por ser contrarios al bien común, y sin embargo no necesariamente pierde por eso la potestad pontificia. Por ser gravemente contrario al bien común de la Iglesia fue inválido el acto por el que excomulgó a Mons. Lefebvre y los otro cinco obispos defensores de la fe; por el mismo motivo es inválida la ley por la que se promulgó el Novus Ordo Missae; y pensamos que se invalidó también el Concilio al desviarse de sus fines.”
Então para esse autor é inválido o ato de jurisdição contrário ao bem comum, isto é, injusto. Isso é claramente contra o que mostramos.
[3] Bento XVI, carta aos bispos de 10 de março de 2009. 
[4] DS 1686, Concílio de Trento, Sessão XIV, c.7
[5] É defendida por exemplo no Jornal“Sim Sim, Não Não”, n.º 77, Julho/99. 
[6] Essa última opinião é sustentada por algum motivo específico (geralmente por causa da crise na Igreja). No caso do padre lefebvrista Álvaro Calderón, o Papa não tem autoridade disciplinar enquanto ele é contrário ao bem comum, e isso implicaria que o lefebvrista, por ser tradicional, tem jurisdição e não precisa obedecer ao Papa como está no livro ‘La Lámpara Bajo El Celemín’. “El Papa puede realizar un acto, promulgar una ley o establecer uma institución que – si no están cubiertos por la infalibilidad – sean inválidos por ser contrarios al bien común, y sin embargo no necesariamente pierde por eso la potestad pontificia. Por ser gravemente contrario al bien común de la Iglesia fue inválido el acto por el que excomulgó a Mons. Lefebvre y los otro cinco obispos defensores de la fe; por el mismo motivo es inválida la ley por la que se promulgó el Novus Ordo Missae; y pensamos que se invalidó también el Concilio al desviarse de sus fines.” pg.39.
“No ejerce la autoridad disciplinar, porque por Papa que sea el Papa y prelados los prelados, no pueden obligarnos a sostener nuevas doctrinas, aceptar modificaciones en la materia y forma de los sacramentos, venerar a supuestos santos, etc. etc. si previamente no nos aseguran con autoridad infalible que todas esas novedades se inscriben debidamente en la doctrina revelada.” pg. 127
“Ahora bien, las leyes y mandatos de un gobierno eclesiástico que no pone por delante el compromiso con la verdad revelada, no tienen autoridad disciplinar (...).” Pg 129
[7] The Illicit Episcopal Consecrations of Archbishop Marcel Lefebvre part four, Mario Derksen , Daily Catholic, Second Week of Advent Issue, December 8-14, 2002, volume 13, no. 146. 
[8] Jornal “Sim Sim, Não Não”, n.º 77, Julho/99