O grande chamado da vocação. Doutrina católica e santos fugidos de casa, rompidos com a família, inimigos dela

S.Francisco devolve sua roupa ao pai. Cena descrita neste artigo
As biografias aqui transcritas foram retiradas do livro "TFP: uma vocação. TFP e famílias na crise espiritual e temporal do século XX - Dois volumes", prefácio de Plinio Corrêa de Oliveira, Fev/1986, Editora Artpress.

Sagrada Escritura

"Não julgueis que vim trazer a paz à terra, não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, e a filha de sua mãe, e a nora da sua sogra. E os inimigos do homem (serão) os seus próprios domésticos. O que ama o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim, e o que ama o filho ou a filha mais do que a mim, não é digno de mim. E o que não toma a sua cruz e (não) me segue, não é digno de mim. O que se prende à sua vida, perdê-la-á, e o que perder a sua vida por meu amor, acha-la-á" Mt 10:34-39.

"Então Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Eis que abandonamos tudo e te seguimos, que haverá então para nós ? E Jesus disse-lhes: (...). E todo o que deixar a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou a mulher, ou os filhos, ou os campos, por causa do meu nome, receberá o cêntuplo, e possuirá a vida eterna" Mt 19:27-29.

"E a um outro disse: Segue-me. Mas ele disse: Senhor, permite-me que eu vá primeiro sepultar meu pai. Mas Jesus respondeu: Deixa que os mortos sepultem os seus mortos; e tu vai, e anuncia o Reino de Deus" Lc 9:57-62.

Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787): pais que se opõem à vocação dos filhos são melhor chamados de homicidas

"E, pelo contrário, se um jovem, tornando-se sacerdote, pode ser de alguma utilidade para a família, que esforços não fazem seus pais para incliná-los à ordenação, por fas ou por nefas, esteja ou não esteja chamado por Deus, e que alvoroços e que ameaças caem sobre os filhos se por remorsos de consciência recusam a ordenação!

Pais bárbaros ! Mais que pais, merecem que os chamemos, com São Bernardo, homicidas (non parentes, sed peremptores). Desgraçados pais, repetirei, e desgraçados fiilhos ! A quantos não veremos no vale de Josafá, condenados por este motivo da vocação, já que, como depois demonstraremos, a salvação eterna de cada qual depende da fidelidade em seguir a vocação divina!" [1].

São Bonifácio (680-775): desde os cinco anos já estava resoluto na sua vocação, com sete foi aceito no Mosteiro

De uma biografia: "Com a idade de quatro ou cinco anos, ele suplicava a seu pai que o deixasse abraçar a vida monástica. Jamais vocação religiosa foi mais precoce nem mais sólida, não conhecendo nem hesitações nem incertezas (...).

Em sua presença [Abade Wolfhard], a criança, diz o biógrafo, expôs seu pedido conforme a fórmula que lhe haviam ensinado seus pais, e declarou que desde muito tempo era seu desejo submeter-se à regra monástica. Tinha então sete anos.

O Abade, após ter tomado o conselho de seus monges, decidiu com eles acolher esse postulante que apresentava sinais tão evidentes de vocação. E é assim, diz o velho biógrafo, que tendo renunciado desde seus mais tenros anos à família e às riquezas deste mundo pela herança celeste, Winfrid recebeu o cêntuplo e a vida eterna [2].

Santa Gertrudes, a Grande (1256-1301): com cinco anos deixou os pais

"Abrasada pois desse desejo, tendo só cinco anos, resolveu deixar o pai e a mãe que a amavam ternamente, e com eles tudo quanto tinha e podia espera no séculos de honras, grandezas e deleites, e pisando tudo quanto o mundo ador, foi sacrificar-se a Deus em aras da Religião, o que fez tomando o hábito do glorioso Patriarca São Bento no Mosteiro de Rodardes (...)" [3].

Santa Clara de Assis (1193-1253): pelos parentes foi ameaçada e injuriada, os quais no início esconderam seu furor contra o chamado de Deus sob o véu da amabilidade

"Ora, uma vez que, como diz Jesus Cristo no Santo Evangelho, os inimigos de nossas almas são os nossos parentes segundo a carne, aconteceu, com a permissão de Deus, que os de Clara, sabendo de sua vocação e de sua entrada na Ordem, foram tomados de cólera e censuraram a santa decisão e o ato da jovem. A cidade em breve foi tomada por esta notícia que a pôs em polvorosa. Os parentes de Clara, muito aflitos e irritados, foram ao mosteiro de São Paulo, com a firme resolução de fazer a piedosa jovem renunciar aos seus desejos e de a retirar desse convento à força, caso não pudessem conseguí-lo de outra maneira.

Tendo chegado, empregaram todos os meios, sem que Deus lhes permitisse chegar a seu fim, de início esconderam seu furor sob o véu da amabilidade, dizendo-lhe palavras agradáveis, multiplicando as promessas e testemunhando-lhe um grande afeto. Depois, lhe disseram que uma tal mudança de hábitos provinha de sentimentos vis e ligeirros e absolutamente não se harmonizava com a nobreza de sua origem. prometeram-lhe numerosos presentes se ela renunciasse a um tal opróbio, e sustentaram que era para eles umma grande vergonha e uma desonra que uma moça tão rica, tão bela e tão nobre se abrigasse num lugar tão pobre e miserável" [4].

São Tomás de Aquino (1225-1274): fugiu de casa sem falar com ninguém, em seguida foi procurado e sequestrado pela família

"De seu lado, teria desejado executar imeditamente sua resolução. Mas, durante as temporadas de férias que havia passado em sua casa, pôde perceber a oposição que seus pais fariam. Era prudente esperar, como aconselhava seu diretor espiritual Frei João de São Julião, que seu velho e doente pai, Landolfo, passasse a melhor vida (...). Tinha dezoito anos completos, precisamente a idade requerida pelas antigas constituições da Ordem para vestir o santo hábito (...).

Não avisou de sua decisão nem a mãe nem os irmãos. E começou o noviciado com todo o fervor de sua alma. Era entretanto de se temer a oposição da família, particularmente da mãe, uma vez que esta chegasse a se inteirar do assunto. Prevendo isso, os superiores o transladaram a Roma (...).

A paciência da mãe chegou ao limite. Imediatamente redige uma carta para seus filhos Aimón, Filipe, Rinaldo e Adenolfo, que se encontravam nas regiões da Toscana a serviço do Imperador, e envia com um mensageiro a ordem terminante de vigiar todas as sendas e caminhos por onde passar Tomás, prendê-lo, uma vez encontrado, e conduzí-lo sob boa guarda à sua residência de Roccasecca" [5].

Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690): O demônio valia-se da ternura e do amor dedicado à mãe para afastá-la da vocação

"Outra luta, porém, bem mais terrível, teve que enfrentar. Muitos jovens senhores ambicionavam a sua mão e os parentes insistiam para que ela se casasse. Sua mãe instava ainda mais (...).

'Meu Deus, exclama, só Vós fostes testemunha da longa duração e crueza da luta que experimentei. Sem um auxílio extraordinário da vossa misericórdia, teria certamente desfalecido. O demônio valia-se da ternura e do amor que eu dedicava à minha mãe e fazia-me ver constantemente as lágrimas que ela derramava, mostrando-me que, se eu me fizesse religiosa, ela morreria de aflição' [6].

São Francisco de Assis (1181-1226): sofreu perseguições do pai e até do Bispo da cidade, e largou tudo, dizendo na frente da multidão "não mais direi: Meu pai Pedro de Bernardone, mas sim: Pai nosso que estás nos Céus !"

"Pedro de Bernardone, absolutamente não pretendia abandonar as práticas legais iniciadas (contra o filho S.Francisco), e, por isto, sem demora foi ter com o chefe espiritual da cidade, no seu palácio da praça do Bispado, para lograr o seu intento. Ouvidas as queixas e as acusações do pai contra o filho, o Bispo avocou a causa a si, e, em dia estabelecido, pai e filho encontraram-se na sua presença. Logo claramente apareceu para que lado pendia o Prelado. Este aconselhou Francisco a restituir tudo o que podia ter do dinheiro de seu pai, mas o modo com que lhe deu este conselho não agradou nada ao negociante. O Bispo disse ao jovem: 'Se a tua intenção é verdadeiramente te consagrares ao serviço de Deus, deves logo restituir a teu pai o dinheiro dele, que talvez haja sido mal adquirido, e que, por consequência, não poderia ser empregado em favor da Igreja (...).

Ocorreu então um fato notável, um fato que até então nunca se verificou na história do mundo, e que nunca mais se reproduzirá, fato que, no curso dos séculos, os pintores representariam, os poetas cantariam, e os Sacerdotes celebrariam nos seus sermões. Perfeitamente calmo, em aparência, mas com os olhos cintilantes, o filho disse, volvendo-se para o Bispo: 'Senhor, com muito gosto restituirei a meu pai não somente o dinheiro que dele tenho, mais ainda a minha veste, que lhe pertence'. E, antes que alguém pudesse advinhar o que ele queria fazer, desapareceu num aposento vizinho, de onde o viram voltar, após um instante, completamente nu, vestido somente do seu cilício, e segurando no braço todas as suas outras vestes. Com movimento instintivo, os assistentes se levantaram, enquanto Pedro de Bernardone e seu filho Francisco estavam de pé, um em face do outro. E o jovem, com voz trêmula pela emoção interior, de cabeça erguida e de olhos fixos, como se contemplasse alguma coisa ou alguém ao longe, exclama: 'Ouvi e entendei todos ! Até o presente chamei a Pedro de Bernardone meu pai, mas agora restituo-lhe o seu dinheiro e todas as suas vestes que dele tenho, de modo que, daqui em diante, não mais direi: Meu pai Pedro de Bernardone, mas sim: Pai nosso que estás nos Céus !'

Dito isto, o jovem se abaixa e deposita suas roupas, e também a camisa, aos pés de seu pai, e lhes põe em cima o dinheiro que lhe restava. Todos os assistentes estavam profundamente comovidos, muitíssimos choravam, e o próprio Bispo tinha lágrimas nos olhos. Só Pedro de Bernardone permanecia impassível. Com semblante frio como a pedra, abaixa-se, toma as vestes e o dinheiro, e, lívido de cólera, sai sem proferir palavra. Então o Bispo adianta-se para Francisco, estende sobre ele o próprio manto, e, nas largas dobras deste esconde o jovem nu, estreitando-o fortemente ao coração. Desde esse instante, Francisco, como desde tanto tempo desejara, tornara-se inteiramente homem da Igreja e servo de Deus" [7].

São Francisco Xavier (1506-1552): há dezessete anos não via a mãe, nem por isso a queria ver, apesar da boa relação

Sorbe a partida de S.Francisco Xavier às Índias, a mãe dele exclamava:
"-Há dezessete anos aque não vejo o meu belo Francisco, dizia ela algumas vezes, mas se ele vem agora, hei de reconhecê-lo, por certo ! (...).

Os dias corriam, o embaixador de Portugal avançava na sua jornada e entrava em Navarra.
'-Padre Francisco, disse ele ao nosso santo, nós não estamos longe de Pamplona, onde devo descansar. Ali vos esperarei.
-Esperar-me, senhor ?
-Pois vós não ides ao castelo de Xavier visitar vossa família ?
-Não, senhor, agradeço a vossa bondade, mas não posso aceitar.
-Como! acaso esqueceis, meu caro Padre, que ideis deixar a Europa talvez para sempre ?!
-É provável, senhor.
-Pois muito bem ! Vós não vêdes a vossa família há já muito tempo, e a senhora vossa boa mãe está hoje velha.
-Conheço tudo isso, senhor, mas não é para Xavier que Deus me chama, é para as Índias.'" [8].

São Luiz Gonzaga (1568-1591): recebeu a notícia da morte do pai como se não lhe dissesse respeito

"Claramente demonstrou São Luiz este domínio de si mesmo em todos os acontecimentos humanos, ao receber, dois meses e meio depois de ter entrado na Companhia, a notícia do falecimento de seu pai, a qual não o abalou mais do que se não lhe dissera respeito.


--------------------------------
[1] Santo Afonso Maria de Ligório, Obras Ascéticas, BAC, Madrid, 1954, pp.168-169. Imprimatur: José Maria, Ob. Aux. y Vic. Gral., Madrid, 13-3-1954.
[2] Willibald, Vita S.Bonifacii, c.I. G.Kurth, Saint Boniface, Coleção "Les Saints", Librairie Victor Lecoffre, Paris, 1924, 5 Ed., pp.4 a 6.
[3] Fr.Juann de Castaniza, OSB, Vida de la prodigiosa Virgen Santa Gertrudis la Magna, Imprenta de la Administración del Real Arbitrio de Beneficencia, Madrid, 1804, pp.11 a 14.
[4] Thomas de Celano, Sainte Claire d'Assise, Pérrin et Cie. Libraires-Éditeurs, Paris, 1917, pp.32 a 35.
[5] Pe.Santiago Ramírez, Introducción a Tomás de Aquino, BAC, Madrid, edição atualizada pelo Pe.Victorino Rodriguez, O.P., 1975, pp.12 a 16. Con censura eclesiástica.
[6] Pe.André Beltrami, Santa Margarida Maria Alacoque, Escolas profissionais do Liceu Coração de Jesus, São Paulo, 1932, 2 Ed., pp.37 a 39, 41 a 43, 45 a 47. Imprima-se: S.Paulo, 14-10-1923, Mons.Dr.Emilio Teixeira, Vigário Geral.
[7] Johannes Joergensen, São Francisco de Assis, Vozes, Petrópolis, 1957, pp.102-105. Imprimatur: Por comissão especial de D.Manuel Pedro da Cunha Cintra, Frei Desidério Kalverkamp OFM, Petrópolis, 19-11-1956.
[8] J.M.S.Daurignac, São Francisco Xavier, Apóstolo das Índias,, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1959, 5 ed. pp.101 a 104. Imprimatur: Mons.Pereira Lopes, Vigário geral, Porto, 20-5-1958.
[9] Pe.Virgilio Cepari, Vida de S.Luiz de Gonzaga, Officina Poligrafia Editrice, Roma, 1910, pp.167 e 171. Imprimatur: Fr.Albertus Lepidi OP, S.P.A. Magister.