S. Cipriano, rogai por nós! Extraído de: "O Príncipe dos Cruzados (Volume II, 2a edição)". Iniciamos, como de praxe, apresentando textos da tradição, e depois propomos respostas a objeções na falta de tratamento atual mais autorizado e abalizado.
Bíblia Sagrada sobre a história de Tamar, que se fingiu de prostituta para Judá cobrindo o rosto para não ser reconhecida
“Judá, tendo-a visto, julgou que era meretriz, porque tinha coberto o seu rosto para não ser reconhecida. Chegando-se a ela, disse: Deixa que me junte contigo. De facto ignorava que fosse sua nora. Ela disse: Que me darás por isso? Ele respondeu: Mandar-te-ei um cabrito dos (meus) rebanhos. Ela replicou: Consentirei no que queres, contanto que me dês um penhor, até que mandes o que prometes.
Judá disse: Que queres tu que te dê por penhor? Respondeu: O teu anel, e o cordão e o cajado que tens na mão. Ele deu-lhos, esteve com ela, e a mulher concebeu com esse ajuntamento. Depois, levantando-se, retirou-se, e, deposto o traje que havia tomado, vestiu-se com os vestidos de viúva.
Ora Judá mandou o cabrito pelo seu pastor odolamita, para receber o penhor que tinha dado à mulher; ele, porém, não a tendo encontrado, perguntou aos habitantes daquele lugar: onde se encontra aquela mulher que estava sentada na encruzilhada? Responderam-lhe todos: Neste lugar não esteve meretriz alguma.
Voltou para Judá, e disse-lhe: Não a encontrei; além disso, os homens daquele lugar disseram-me que nunca ali estivera sentada meretriz alguma. Judá disse: Guarde ela (o penhor que lhe dei); ao menos não pode acusar-me de mentira: mandei o cabrito que tinha prometido e tu não a encontraste.
Mas, três meses depois, foram dizer a Judá: Tamar, tua nora, prostituiu-se, e vê-se que está grávida. Judá disse: Tirai-a para fora para ser queimada. Enquanto era conduzida ao suplício, mandou dizer a seu sogro: Eu concebi do varão, de quem são estas coisas: vê de quem é o anel, e o cordão, e o cajado. Ele, reconhecidas as dádivas disse: Ela é mais justa do que eu, pois que a não entreguei a meu filho Sela. Ele, todavia, não a conheceu mais.” Gen XXXVIII
Vendo a dificuldade de que não pudesse ser reconhecida em uma relação fisicamente tão próxima, alguns antigos alegaram que foi a providência divina que cegou Judá, pois Tamar tinha boa vontade e só queria ter um filho, e Judá a havia dado seu filho Onan, que havia sido morto pelo pecado do onanismo, e agora não a dava o seu filho Sela, talvez achando que eles se sujeitaram a um pecado ou tiveram um pecado apoiado por Tamar.
O jesuíta Cornélio a Lapide rebate isso informando que Judá só pecou por fornicação, uma vez que era viúvo também, já Tamar pecou por fornicação, quase-adultério (Tamar era prometido ao último filho de Judá), e incesto (era Judá o pai de seu falecido marido Onan).
Assim, ou Judá não reconheceu Tamar no seu véu adensado, ou ela usava maquiagem forte, ou usava ambos. Seja qual for a verdade, a conclusão é: qualquer adorno facial externo que torne o homem irreconhecível não é modesto, e por isso há milênios é tipicamente adorno de meretriz.
São Cipriano (200-258)
"14 (...) Os anjos pecadores e apóstatas exibiram tudo isso por seus artifícios, quando, precipitados nos contágios terrestres, se afastaram da força celeste. Eles ensinaram a pintar os olhos contornando-os de preto, a colorir as faces com falso rubor, a metamorfosear a cabeleira por meio de coloridos falsificados e a destruir toda a verdade da boca e da cabeça pelo ataque de sua corrupção.
16. Porventura a sinceridade e a verdade persistem, quando o que é autêntico é maculado pela adulteração das cores, e o que é verdadeiro se transforma em mentira pelos disfarces dos preparados? O teu Senhor diz: “Não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo” (S. Mateus V, 36). E tu, para sobrepujar a palavra do Senhor, queres ser mais poderosa, ungindo os teus cabelos numa tentativa audaz e com desprezo sacrílego! Com mau presságio do futuro, já vaticinas teus cabelos vermelho-fogo e pecas – ó crime – contra a tua cabeça, isto é, a parte mais nobre do corpo. Pois está escrito [a respeito] do Senhor: “Tinha a cabeça e os cabelos brancos como a lã ou a neve” (Ap. I, 14) e tu abominas as cãs, detestas a brancura que tem semelhança com a cabeça do Senhor! (...).
17. Tu que assim procedes, pergunto, não receias que, quando chegar o dia da ressurreição, o teu Criador não te reconheça? Que, quando vieres para receber os prêmios prometidos, ele te afaste e exclua? Que, repreendendo-te com energia de censor e juiz, diga: “Isto não é minha obra, nem é nossa imagem”? Sujaste a cútis com falsos preparados, modificaste a cabeleira adulterando-lhe a cor, tua face foi vencida pelo disfarce, teu rosto foi poluído, tornou-se estranho o teu semblante. Não poderás ver a Deus, porque os teus olhos não são os que Deus fez, mas os que o demônio desfez. Tu o seguiste, imitaste os vermelhos e tingidos olhos da serpente; ornada à custa do teu inimigo, arderás juntamente com ele."" [1].
São João Batista de La Salle
Entenda-se primeiro que muitos escritos deste santo falam de hábitos de seu tempo, como o caso da peruca masculina abaixo (de uso comum na França da época) enquanto outros são regras a-temporais:
"Não há ninguém que não deva tomar como regra e prática se pentear todos os dias e nunca se deve aparecer diante de quem quer que seja com os cabelos em desalinho e sujos. Tenha-se sempre cuidado de que não tenham vermina nem piolho. Esta precaução e este cuidado é muito importante ao se tratar de crianças (...). Embora não se deva colocar facilmente pó nos cabelos e porque isto denota um homem efeminado, deve-se contudo ter o cuidado de não ter os cabelos gordurosos.
Se São Pedro e São Paulo proíbem às mulheres fazerem os cabelos, condenam com mais forte razão certos enfeites dos homens que, por terem naturalmente menos inclinação a esta sorte de vaidade do que as mulheres, por conseguinte, devem ter muito mais desprezo por isto e ficar bem mais longe de se entregar a isso (...).
Uma peruca é muito mais acertada e conveniente para a pessoa que a usa quando é da cor do cabelo do que quando é castanha ou loira. Contudo há gente que a usa tão encrespada e tão loira descolorada de maneira que mais parece mulher do que homem (...)" [2].
"Não é cortês deixar sujeiras ou barro no rosto (...). Uma coisa muito inconveniente e que manifesta um excesso de vaidade que não convém aos cristãos é colocar moscas (pintas) no rosto e pintá-lo com o uso de pó branco ou vermelho" [3].
Santo Tomás de Aquino
“É preciso, no entanto, observar que uma coisa é falsificar uma beleza que não se tem, e outra coisa é esconder uma desfiguração decorrente de alguma causa, como a doença ou outra coisa qualquer. Para isso é legal, pois, segundo o Apóstolo (I Coríntios XII, 23), “como nós pensamos ser os membros menos honrosos do corpo, sobre estes nós colocamos muito mais honra.” [4]
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Tratemos agora de objeções que podem surgir de conclusões erradas a partir da leitura dos santos. Essa parte, assim como outros deste trabalho, está OBEDIENTEMENTE SUJEITA à censura eclesiástica.
Obj. 1: Toda maquiagem desfigura o natural da aparência feminina, logo, todas são proibidas.
Resp: Só se condena, como está explícito pelo começo, o "enfeite que desfigure a fisionomia natural". Se os brincos são enfeites que desfiguram a aparência em certo grau, por outro lado são citados (Ex XXXII, 2-4, Gn XXIV, 47) sem condenação por causa que não mudam o natural da aparência. Há uma diferença entre realçar o natural e mudá-lo. Portanto, realçar a fisionomia natural é lícito com a maquiagem, enquanto desfigurá-la, não. Logo, nem toda maquiagem é lícita.
Obj. 2: A mulher que nasceu ou adquiriu algum defeito, não proveniente do decurso natural da raça humana, seja no rosto, cabelo ou corpo, e que seja facilmente corrigido usando recurso como maquiagem, tinta, etc, não pode usar esses recursos visando corrigir, pois estará pervertendo a fisionomia natural.
Resp: Maquiagem para corrigir defeitos acidentais da natureza humana não desfigura a fisionomia natural, mas antes a resgata, pois pelos acidentes da natureza muitos possuem tais problemas. Por exemplo, possuir cabelo branco na juventude por algum defeito natural e corrigir pintando da cor original, colocar peruca da cor natural do cabelo para corrigir uma falha genética de calvície fora do tempo, esconder com pó da cor da pele as olheiras, espinhas, cicatrizes, queimaduras, etc. Muito diferente é o exemplo da mulher anciã que pinta o cabelo branco da cor do cabelo de sua juventude, pois estará contra o decurso natural da raça humana.
Obj. 3: É possível um homem usar maquiagem ou pintar o cabelo, seja para embelezamento, seja para correção de defeitos acidentais como espinhas, cicatrizes, queimaduras, etc.
Resp: São Cipriano abaixo sequer expôs a problemática de homens maquiados, dado que isso já era impensável, de tal maneira o papel do homem e seu simbolismo era muito claro naquele tempo. De fato, o homem representa a parte rude, batalhadora, e trabalhadora da humanidade, que com suor ganha seu pão. Esse suor, que profetizou Deus no Gênesis, representa as escoriações, as dores e, mais que tudo, as marcas da vida dura depois do pecado original. "Não vos ensina a própria natureza que é desonroso para o homem deixar crescer os cabelos?" (I Cor 11:15) diz São Paulo, nos mostrando que tais adornos são contra a dignidade do homem, enquanto as marcas da vida, ou seja, o suor, não o são. Porém, não é por isso que o homem deve procurar se mutilar, ou estar sempre suado, não penteado, etc, porque há uma diferença entre sujeira e marca da vida. Já a mulher não deve seguir a natureza do homem nesse tema, pois "a mulher é a glória do homem" (I Cor 11:7), isto é, como imagem da glória deste deve ser a mulher forte que "vestiu-se de linho fino e de púrpura" (Prov XXXI, 22).
Obj. 4: A mulher pode usar maquiagem ou pintar o cabelo para esconder o decurso natural de sua fisionomia, como pintar os cabelos brancos pela velhice, porque com isso pretende-se resgatar sua fisionomia natural, que é a da juventude.
Resp: A fisionomia natural de todo ser humano está ligada ao pecado original, presente em toda a raça humana. Logo, é preciso não confundir a fisionomia natural na terra com a fisionomia natural no céu, onde cada um terá seus cabelos, sua pele, tudo em seu corpo de modo belíssimo sem as falhas do pecado original e dos problemas genéticos grandes ou pequenos, e todos terão a idade de Cristo: 33 anos. Portanto, resgatar a fisionomia natural, nesta terra, é resgatá-la de acordo com o modo que Deus dispôs a natureza e o decurso natural do homem decaído.
Obj. 5: No Ancién Régime era aceitável e não parece ter sido condenado pela Igreja que as pessoas, mesmo homens, usassem peruca extravagantes, diferentes em cores e formatos ao seus cabelos originais. Logo, não se pode argumentar contra a mudança de aparência por maquiagem.
Resp: No Ancién Régime essas perucas eram consideradas como se fossem chapéus, adornos da época com seu simbolismo próprio, já que eram obviamente perucas e, generalizadas na época, todos sabiam que não visavam mudar a aparência. Mesmo assim, nos textos vemos que São João Batista de la Salle falou sobre o abuso do seu uso, isto é, falou contra as feminilizadas pela estrutura, ou as que eram de uma cor alheia à natural do cabelo. Já as perucas brancas eram usadas por juízes, o que se entendia como um adorno que mostrasse a respeitabilidade que merecem, assim como a branquíssima e longa usada por reis.
Obj. 6: Pode-se transformar o cabelo em um estilo que ele não é, nem tem tendência a ser. Ademais, se nosso cabelo for tendente ao tipo Y e em menor grau ao x, podemos transformá-lo inteiramente no tipo x. Por exemplo, quando um cabelo for metade-metade (Yx), com uma tendência a ser liso (Y), pode-se torná-lo não-liso (x).
Resp: Não se pode modificar a estrutura natural do cabelo pelos mesmos motivos dados para a maquiagem e o pintar dos cabelos. Do mesmo modo ao que não possui tendência dominante, pois a todos é perceptível que se mudou o cabelo, diferentemente do que ocorre com aquele que mudou o acidental no cabelo.
Obj. 7: Neste raciocínio, não se pode tornar um cabelo completamente de um tipo x se só há tendência ao tipo x, ou seja, um cabelo Xy. Tampouco usar fixador ou gel, ou outra coisa para parecer sempre molhado.
Resp: Pode-se tornar o cabelo tendente ao liso mais liso, por exemplo, tirando o volume, pontas, etc: isso é ajeitar o cabelo, embora não necessariamente fique harmônico em todos os rostos. A razão é que quando X é o estilo dominante do cabelo, não se percebe que este está modificado para aumentar sua capacidade X, porque a tendência do tipo não dominante na aparência