João XXIII aboliu o beija-pé Papal, cerimônia anti-ecumênica que exibe a chefia da Sé Petrina sobre todos os bispos

Clique para ampliar o belíssimo quadro do beija-pé Papal de Eugênio IV

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São muitos os tradicionalistas, ou melhor, os tradôs (tipo humano que se diz tradicionalista, mas só afasta os outros pelo seu jeito tosco), que pintam João XXIII como convocador do Concílio e só por isso um Papa ruim. Este tradô que não enxerga nada além de letra, tal como o protestante, costuma ser o mesmo que ignora e rotula com frases feitas o magnum opus de Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução", o qual sintetizou o papel das inclinações, ambientes e costumes no fenômeno da Revolução. Por isso, e dado que a beleza é o esplendor da verdade, o tradô prova estar afastado da verdade pelos seus gestos, atos, fala e hábitos igualitários.

Foram as boas tendências que aromatizaram a Cristandade durante séculos, e as que ainda sustentam os escombros desta civilização. É neste quadro que se pretende jogar luz sobre certos atos bem progressistas no Reinado de João XXIII. Tal trabalho nunca poderia emergir de uma mentalidade inteiramente tradô, desprovida da noção contra-revolucionária das tendências.

Examinemos aqui duas tradições que João XXIII finalizou, embora a segunda tenha sido retomada em parte: o beija-pés Papal e a Sede Gestatória.

A abolição do beija-pés Papal foi grave, pois além de ser aprovada pelos séculos de Tradição, como será demonstrado, era um gesto de devoção dos bispos da hierarquia Romana que mostrava a existência de um poder vivo sobre todos os sucessores dos apóstolos.

Simbolismo do Beija-pé Papal


Na enciclopédia católica (1910), lemos sobre aquele costume antiguíssimo:


“A veneração mostrada na mão da pessoa ou na bainha de sua roupa é acentuada no beijar dos pés. Isso provavelmente vem da frase de Isaías (49:23): "Reis... com o rosto inclinado até à terra te adorarão e lamberão o pó dos teus pés.” Sob influência, sem dúvidas, do cerimonial de culto ao rei como manifestado no culto dos imperadores Romanos, esta particular marca de veneração veio a prevalecer cedo dentre os usos da corte Papal (Lattey, "Ancient King-Worship", Lond., 1909 C. T. S. pamhlet). Lemos sobre o beija-pés no primeiro "Ordo Romanus" pertencente ao século sétimo, porém, até mais cedo do que isso o "Liber Pontificalis" atesta que o Imperador Justino I prestou este ato de respeito ao Papa João I (523-26), assim como depois Justiniano II fez com o Papa Constantino. Na eleição de Leão IV (847) o costume de beijar o pé do Papa foi mencionado como um costume antigo. Não é, portanto, maravilhoso que a prática tenha sido ainda observada. É observada liturgicamente na missa solene Papa pelos subdiáconos latinos e gregos, e quase-liturgicamente na “adoração” do Papa pelos cardeais após a sua eleição. É também uma maneira normal de saudar que a etiqueta Papa prescreve para aqueles fiéis que são apresentados ao Papa na audiência privada. No seu "De altaris mysterio" (VI, 6), Inocêncio III explica que essa cerimônia indica a “grandíssima reverência devida ao Supremo Pontífice como Vigário de Cristo, do qual o pé” foi beijado pela mulher que era pecadora. [1]


Testemunha do desagrado de João XXIII com aquele costume anti-ecumênico tradicional

Uma das memórias vivas da vida de João XXIII, Dom Loris Capovilla, arcebispo emérito de Chieti-Vasto e secretário de Roncalli desde 1953:

“Quando, na noite da sua eleição, eu disse: "Santo Padre, que grande dia!", ele respondeu: "Sim, mas que grande humilhação". "Por quê?", perguntei. "Veja-me no trono da Capela Sistina, com os cardeais beijando meus pés, até os que são mais velhos que eu… Eu não quero isso!", disse ele. E então aboliu imediatamente este gesto.” [2].


Na imagem anterior, vê-se uma cena da péssima série "The Young Pope" (HBO, 2016), manifestação do braço cinematográfico da Revolução que visa estereotipar e manchar aquela tradição tão anti-ecumênica, embora atualmente abolida: um Papa jovem, arrogante e imoral é eleito, mas restaura muitos paramentos e costumes vaticanos de poder. Ao mesmo tempo, não os restaura na sua dignidade máxima (só o que havia com Paulo VI, já decadente), tampouco com as virtudes anexas necessárias. Na imagem da cena, isso se verifica: o ator do Papa, Jude Law, retoma o beija-pés Papal em ar de arrogância colocando o outro pé no prelado que o beija, contrariando o sagrado dito em S. Mateus XX: "Vós sabeis que os príncipes das nações as subjugam e que os grandes as governam com autoridade. Não será assim entre vós, mas todo o que quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo, e o que quiser ser entre vós o primeiro, seja vosso escravo."


- Simbolismo da Sede Gestatoria, que João XXIII também largou

Da Aleteia: “O papa João cancelou imediatamente o “beijo da pantufa”, a “falda” que cobria os pés do Pontífice quando se sentava (“dizia que iria cair quando se levantasse”), a cadeira gestatória (“Subiu a primeira vez e disse que havia ficado com tonturas e que recordava quando seu tio o colocava nos ombros quando era criança”).

Falando sobre os nossos dias, Guido Gusso não tem nenhuma dúvida: o papa Francisco se parece muito com João XXIII. “Tem sua bondade, preocupa-se muito com os pobres e os humildes. Foi a uma de suas Missas e ao final lhe disse: ‘Você é quase igual ao papa João’. E riu”.” [3]

Entretanto, a sede gestatória foi parcialmente retomada, até por uma questão de praticidade: o Papa precisava ser visto pelo povo romano.



Aqui se vê João Paulo I (1978) empregando uma pequena Sede Gestatoria em clara restauração, mas usando roupas despojadas e simplórias no estilo miserabilista como se aderisse ao famigerado "pacto das catacumbas" que queria acabar com a pompa no alto clero. Realmente, é lamentável que mesmo assim aquilo tenha sido substituído pelo feio e modernoso "Papa móvel".

Contraste-se João Paulo I na sede gestatória com o então Reinante Pio XII a seguir
:


Já a atitude de profunda humildade, que deveria acompanha-la, só figura na foto (fora da sede Gestatoria) de São Pio X, que também porta as mesmas vestes de Pio XII:


Só pelo porte, S. Pio X deu verdadeira aula acerca de como o bispo do Trono de S. Pedro, o chefe dos Apóstolos, deve ser: humilde, ter noção de seu dever, ter respeito ao seu cargo que foi instituído pelo próprio Deus, ter ardente vontade de expandir a fé da Santa Igreja sem pensar jamais que fez o suficiente e, além de tudo, transparecer constantemente isso pelo olhar, porte, escolha das vestes e jeito, sabendo que tudo isso impacta o mundo inteiro, por ser a comunicação não-verbal do Papado.

 Salmo em reparação (Salmo 6)

"Senhor, não me arguas no teu furor, nem me castigues na tua ira. Tem misericórdia de mim, Senhor, porque sou enfermo; sara-me, Senhor, porque meus ossos estremeceram. E a minha alma turbou-se em extremo, mas Tu, Senhor, até quando? Volta-te, Senhor, e livra a minha alma, e salva-me pela tua misericórdia.

Porque na morte não há quem se lembre de Ti, e na habitação dos mortos, quem Te louvará? Estou esgotado à força de tanto gemer, lavarei meu leito com lágrimas todas as noites, regarei com elas o lugar do meu descanso. 

Os meus olhos se turbaram por causa do furor, envelheci no meio de todos os meus inimigos. Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o Senhor ouviu a voz do meu pranto.

O Senhor ouviu a minha súplica, o Senhor ouviu a minha oração. Sejam confundidos, e em extremo conturbados todos os meus inimigos, retirem-se e sejam num momento cobertos de vergonha".


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[1] No original inglês: "Kissing of the feet. The veneration shown in the kissing of a person's hand or the hem of his garment is accentuated in the kissing of the feet. This is probably implied by the phrase of Isaias (49:23): "Kings...shall lick up the dust of Thy feet." Under the influence, no doubt, of the ceremonial of king-worship, as manifested in the cultus of the Roman emperors, this particular mark of veneration came to prevail at an early date among the usages of the papal court (see Lattey, "Ancient King-Worship", Lond., 1909 C. T. S. pamhlet). We read of it in the first "Ordo Romanus" belonging to the seventh century, but even earlier than this the "Liber Pontificalis" attests that the Emperor Justin paid this mark of respect to Pope John I (523-26), as later on Justinian II also did to Pope Constantine. At the election of Leo IV (847) the custom of so kissing the pope's foot was spoken of as an ancient one. It is not, therefore, wonderful that a practice supported by so early a tradition should still be observed. It is observed liturgically in a solemn papal Mass by the Latin and Greek subdeacons, and quasi-liturgically in the "adoration" of the pope by the cardinals after his election. It is also the normal salutation which papal etiquette prescribes for those of the faithful who are presented to the pope in a private audience. In his "De altaris mysterio" (VI, 6) Innocent III explains that this ceremony indicates "the very great reverence due to the Supreme Pontiff as the Vicar of Him whose feet" were kissed by the woman who was a sinner." MLA citation. Thurston, Herbert. "Kiss." The Catholic Encyclopedia. Vol. 8. New York: Robert Appleton Company, 1910. 27 Jun. 2022 <http://www.newadvent.org/cathen/08663a.htm>. Transcription. This article was transcribed for New Advent by Douglas J. Potter. Dedicated to the Sacred Heart of Jesus Christ. Ecclesiastical approbation. Nihil Obstat. October 1, 1910. Remy Lafort, S.T.D., Censor. Imprimatur. +John Cardinal Farley, Archbishop of New York.

[2] Chiara Santomiero - publicado em 04/06/13. Visto em 27 de Junho de 2022: https://pt.aleteia.org/2013/06/04/a-lembranca-do-papa-joao-xxiii-segundo-seu-secretario/
[3] Reportagem local - publicado em 11/10/17. Visto em Junho de 2022. Link: https://pt.aleteia.org/2017/10/11/10-anedotas-envolvendo-o-papa-mais-engracado-de-todos-os-tempos/