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Remédios contra os pecados principais, por S. Boaventura

S. Boaventura, O. F. M (1221-1274), rogai por nós!
 
Esquema compilado, enumerado, ordenado, traduzido e resumido do opúsculo "Combate espiritual contra os sete pecados capitais" [1]. Seguimos a ordem de apresentação do santo em seu opúsculo.

Apesar da divisão de S. Tomás para as filhas do pecado ser mais completa, os remédios do santo cardeal franciscano são essenciais, razão pela qual ambos autores são complementares. O doutor seráfico, entretanto, não faz desse escrito uma divisão dos sete pecados capitais, pois em outro escrito conhecido enumera os pecados capitais como sete [Brev. Pt. III, IX].

Este opúsculo, traduzido do francês, parece ter sido endereçado para pessoas de vida consagrada, mas não deixa de ter conselhos aplicáveis para todos.

O tema dos pecados e seus remédios devem servir para constante meditação.





 - Gula -

1o remédio: ocupar as faculdades da alma com o que é interior e útil

A gula é um amor desordenado e imoderado da comida. Ora, tudo que tende à ocupar interiormente e de uma maneira útil as faculdades da alma, tudo que contribui à aumentar os desejos interiores; tudo isto oferece um remédio contra a Gula e, o que é melhor, contra todos os vícios da carne.

É o que ensina S. Jerônimo: «Amai a ciência das Escrituras, e vós sereis sem amor pelos vícios da carne» [
Hier., Epist. ad Rust.] É também o que fez S. João Clímaco dizer que a falta dos sofrimentos e o esquecimento da morte são uma ocasião de Gula [Clim., grad., 14.].

2o remédio: meditações boas, como os novíssimos do homem, isto é, morte, Juízo Final, inferno, paraíso celeste, ou outro sentimento interior, como a compunção, as lágrimas, a prece

E para dizer tudo em uma palavra, a falta ou ausência de bons desejos, de santas meditações, é a fonte ou aumento principal dos pecados da carne. O remédio que se deve opor a Gula é uma crença profunda na morte, no Juízo Final e no inferno, o desejo sempre perseverante do Reino Celeste, da perfeição, ou todo outro bom sentimento interior, como a devoção, e sobretudo a compunção, as lágrimas, a prece. Tudo isso contribui a encher o coração do homem e, segundo S. Jerônimo, um desejo afasta um outro desejo, uma afeição bane outra afeição
[Hier., Epist. ad Rust.].

3o remédio: ter sobriedade

É a sobriedade que deverá defender, contra a gula, as muralhas do que há de concupiscência em nós, porque a sobriedade é uma virtude que somente permite tomar com uma justa moderação os alimentos corporais. A ela pertence, antes de tudo, ser nossa guardiã contra este vício. Vigiai, portanto, para não ultrapassar os limites quando se trata da qualidade do alimento.


É mais difícil discernir o que convém relativamente à quantidade, ainda que possa haver para todos uma regra que ajuda a nos conter: é a de nunca se saciar inteiramente, nem de comer alimento até a plena capacidade de quem se alimenta.

Graus da sobriedade contra a gula

1o: sofrer com paciência e sem nos queixar, enquanto não podemos ter nosso desejo, seja de comer, seja de beber.

2o: consentir pelo amor à sobriedade e pobreza, e também pelo desejo do bom exemplo, à prescindir do que poderíamos conseguir.

3o: privar-se, de bom coração, de tudo aquilo que possa agradar demasiadamente [N.E: flatter] nosso paladar.










                                          - Luxúria -

1o remédio: humilhar-se a si mesmo, reconhecer a própria fragilidade, e recorrer à misericórdia divina.  

Contra tal vício, o combate é longo e penoso, ou melhor, somos fracos diante dele, se reduzidos a nossas próprias forças. Eis porque o remédio radical, segundo S. Agostinho, em inúmeros lugares onde ele trata da continência no livro de suas Confissões, e segundo outros santos, o remédio capital é humilhar vosso coração, reconhecer sua própria fragilidade, e recorrer à misericórdia divina. 

2o remédio: contrição do coração, a prece frequente, a meditação contínua da morte, do inferno, e de outros tópicos semelhantes
 
Há também outros remédios que contribuem à afastar a luxúria da alma, que são: a contrição do coração, a prece frequente, a meditação contínua da morte, do inferno, e de outros tópicos semelhantes. E a razão, vós as compreendeis pelo que foi dito sobre a Gula.


3o remédio: prontidão a reprimir toda afeição perversa ou pensamento mau, substituindo-os por pensamentos piedosos e santos desejos
 
Do mesmo modo a prontidão a reprimir toda afeição perversa, todo pensamento mau; o que se faz substituindo-os por pensamentos piedosos e santos desejos.

4o remédio:
a abstinência de carne, o jejum, e o trabalho que impede divagações múltiplas
 
Ainda é preciso colocar, em meio aos remédios contra a luxúria, a abstinência de carne, o jejum, mas sobretudo um jejum igual e moderado, e o trabalho de mãos que impeça as divagações múltiplas de nosso coração.


5o remédio: guarda constante de nossos sentidos, fuga de toda familiaridade e sociedade com pessoas do outro sexo, e a resolução de não ficar só ou conversar à sós com o sexo oposto, especialmente em um lugar remoto [N.E: se não há matrimônio ou relação familiar].
 
Há também alguns meios diretos a empregar contra esse vício, seja considerando-o presente em nosso corpo, ou em nossa alma. Os meios são: a guarda constante de nossos sentidos, porque estes são as aberturas por onde o vício entra em nós se dormimos; a fuga de toda familiaridade e sociedade com pessoas do outro sexo, e a resolução de não ficar só ou conversar a sós com o sexo oposto, especialmente em um lugar remoto, e a não frequentar suas casas, de acordo com os ensinamentos de São Jerônimo [
Epist. ad nepotian.]. [N.E: este trecho indica que o santo se dirigiu à pessoas de vida consagrada. Por isso, demos um subtítulo geral ao 5o remédio, fazendo ressalvas sobre relações matrimoniais e familiares. Para ver a carta de S. Jerônimo completa e outros textos sobre o assunto, assim como casos específicos, clique aqui].

Graus da castidade contra a luxúria

1o: consiste em abster-se corajosamente de todo ato carnal com a firme resolução de agir sempre assim, e de recusar em todos os tempos vosso consentimento a todo movimento impuro que possamos experimentar [N.E: para pessoas de vida consagrada].

2o: consiste em empregar os remédios que indicamos e outros semelhantes, a fim de submeter a carne ao espírito, e de tornar as tentações mais raras; e fazer saber que essa espécie de tentação se reprime mais facilmente por uma vontade bem convencida que por esforços violentos.

3o: consiste em ter submetido de tal forma a concupiscência da carne que esta não sente mais os movimentos, senão muito fracos e em intervalos raros e, em seguida, estar em uma tal disposição habitual que não se possa ouvir falar ou falar destas coisas senão com desgosto e horror.






                                          - Avareza -


1o remédio: exercer o próprio labor, ganhando com vosso trabalho tudo com que se veste e come, limitando vossos desejos a isto, e pôr sua confiança em Deus

Esta paixão ataca àqueles que são tíbios no serviço de Deus; mas raramente ataca àqueles que combatem com coragem, especialmente se vivem sob a autoridade ou a tutela de outro. O remédio que se opõe a tal vício é exercer a profissão que vós conheceis, a fim de ganhar, pelo trabalho de vossas mãos, o que viver e o que vestir, e limitar aqui todos os vossos desejos. Ponha a sua confiança em Deus: ele não abandona quem tem esperança Nele.

2o remédio: um remédio soberano é abandonar tudo o que tens, e confiar no cuidado de um superior, vivendo com outros em comunidade [N.E: novamente, essa parte nos fez suspeitar de que o santo se dirigiu a pessoas de vida consagrada]

Se quereis que eu vos indique o remédio soberano para perfeitamente vencer a avareza, aqui está: abandonai tudo o que tens, e confiai no cuidado de um superior, vivendo com outros em comunidade.

3o remédio: opor-se ao seu surgimento, sem mesmo sofrer em vosso coração o desejo de nada

Mas, em todo caso, contra tal vício é preciso opor-se ao seu surgimento, sem mesmo sofrer em vosso coração o desejo de nada. Porque, se é fácil superá-lo enquanto ele surge, quando o tenhamos dado entrada, ele torna-se, de todos os vícios, o mais difícil de expulsar.

Graus contra a avareza

1o grau: é o desprezo do mundo, não possuir nada injustamente, não abusar das riquezas a ponto de cometer pecado, e de dar esmola.


2o grau: não ter nada de supérfluo, mas se contentar com o necessário. Muitos, é verdade, estendem muito essa necessidade; entretanto, não é seguro, em muitas coisas, confiar em nós mesmos; melhor que isso é tomar conselho com um outro.

3o grau: não possuir nada neste mundo, mas usar somente o que nos é necessário, e de sofrer frequentemente a pobreza no beber, no comer, e na vestimenta.








                                          - Ira
-

1o remédio: frear sua língua calando-se, e depois abafar a chama que está acesa em vosso coração

É uma besta perversa que dilacera a si mesma e escandaliza os outros; é um veneno mortal que mata a alma e afasta o Espírito Santo. Quando esse vício chega, entra na parte irascível de nossa alma, e imediatamente faz entrar toda a sua família: as brigas, o ambiente de desprezo, insultos, gritos, as explosões, as blasfêmias.

Os remédios para ira são, primeiro, frear sua língua calando-se, e depois abafar a chama que está acesa em vosso coração.


2o remédio: reprimir a ira pela meditação sobre a morte e compunção piedosa, de tal forma que a tranquilidade da alma se torne, pelo hábito, amor e firme propósito, uma segunda natureza.

Note que, segundo Santo Ambrósio, em seu livro de ofícios [Lib. 2. c. 21.], o verdadeiro soldado de Jesus Cristo deve chegar, por temor e meditação sobre a morte e, acima de tudo, por uma compunção piedosa (que é, diz São João Clímaco, para a raiva e a indignação o que a água é para o fogo [Grad., 8.1]), a reprimir em si os movimentos da ira e suavizá-la de tal forma que a tranquilidade da alma se torne, pelo hábito, amor e firme propósito, uma segunda natureza.

3o remédio: repreender severamente a nós mesmos quando a emoção ceder, e pensar nas censuras que fez, reconhecendo humildemente ser culpado, do fundo do coração, e pedir perdão aos ofendidos

Também é um meio poderoso contra a raiva, sempre que nos deixamos levar, o de nos repreendermos severamente quando a emoção ceder e de, pensando nas censuras que fez, reconhecer humildemente sermos culpados, do fundo de nosso coração, e pedir perdão àqueles que tenhamos ofendidos.

Graus contra a Ira


1o: resistir retendo a língua, controlando os movimentos do corpo, para que nada se externe.

2o: chegar à prática de jamais nos preocupar com o que pode nos ferir, e agir como se estivéssemos em um lugar onde não possamos nos inquietar com nada do que nos é contrário.

3o: alegrar-se e glorificar-se nas tribulações que nos são presentes, e de as desejar enquanto não a temos.








                                          - Inveja -

S. Francisco, S. Domingos e
S. Ângelo da Sicília
se encontrando em uma sacristia.
Todos, encarando o semblante
de sede de alma
um do outro, quiseram ajoelhar,
sinal evidente da humildade
que leva à admiração do próximo.
1o remédio: amor ao próximo

Para reconhecer bem em vós a natureza de seu efeito, vós deveis saber que a inveja é uma dor pelo bem do próximo, e assim, o objeto desse vício é o bem de nossos irmãos, enquanto para nós este bem é um mal.

Ora, isso pode acontecer de duas ou três maneiras. Primeiro, na medida em que somos expostos por esse bem a algum infortúnio; assim vemos com tristeza que nosso inimigo, ou outro, que não nos agrada, torna-se nosso superior, porque tememos que isso nos afligirá, e nisso não há pecado. Às vezes, lamentamos quando consideramos o bem de nosso próximo, não porque o invejamos, mas porque lamentamos ter sido privados de um bem semelhante; o que pode ser um zelo louvável, pois é com inveja que devemos tender à humildade, caridade e obediência. Por fim, também acontece que temos ciúme do bem do nosso próximo, na medida em que é uma redução do nosso próprio e sobretudo de nossa glória. Assim, é principalmente em coisas que têm por objeto a glória que se encontra a inveja; os homens vaidosos, gloriosos e pusilânimes são geralmente invejosos, porque temem que sua glória venha a ser diminuída, e temem facilmente que alguém tire-a deles.

Porém, o amor ao próximo afasta a inveja; eis porque iremos falar disto um pouco. Primeiramente, diremos por quais meios podemos conservar entre nós esse amor mútuo; e em seguida, como cada um deve se conduzir para ser amado pelos outros e os amar. Dessa forma, teremos remédios suficientes contra a inveja.


2o remédio: ter uma caridade mais próxima possível entre aqueles que têm mesmos objetivos e vontades, e que estão de alguma forma livres de todos os vícios
  
Vós deveis saber que a caridade perfeita, verdadeira e permanente se conserva inviolável apenas entre aqueles que têm o mesmo objetivo, a mesma vontade e que estão de alguma forma livres de todos os vícios, como é dito na décima sexta Conferência de Cassiers. Assim, a suprema caridade será encontrada no céu, e a verdadeira caridade teria sido encontrada no paraíso terrestre, se o homem não tivesse pecado. No entanto, existe uma forma de adquirir e preservar a caridade entre nós, ainda que imperfeita.

Graus contra a inveja

1o:
também um remédio soberano contra a inveja consiste em desprezar do fundo do coração e pisar sob os pés tudo que, neste mundo, pode dar origem a contestações, disputas, ciúmes, como riquezas, honras, etc.

2o: não confiar em sua própria sabedoria, seguindo sua própria vontade, recusando-se a concordar com as visões dos outros, o que gera sobretudo a discórdia e o rancor.

3o: saber preferir o bem da caridade ao que nos é útil, e mesmo necessário. Com efeito, mesmo se eu tiver uma fé capaz de transportar as montanhas; se eu falar a língua de todos os homens e anjos, e não tiver caridade, tudo isso será inútil. Por isso, devemos, em todas as nossas ações, considerar antes de tudo a caridade para com os irmãos. E não há nada que os anjos e o Senhor dos anjos tanto desejem, que encontrar em nós a união fraterna e a caridade mútua.

4o: consiste em evitar, com grande cuidado, a ira e qualquer coisa que possa ofender aos outros. Se por acaso pecamos contra nosso irmão, devemos humildemente pedir-lhe perdão: se, ao contrário, nosso irmão concebeu aversão contra nós sem razão, apliquemo-nos, tanto quanto pudermos, a fazer as pazes com ele. Tudo isso é tirado da décima sexta conferência dos Padres do Deserto.







                                          - Preguiça
-


1o remédio: nunca ceder ao tédio, e vencê-lo pelo trabalho. Deve-se variar as ocupações, às vezes orando, às vezes lendo, às vezes meditando, etc

Está na natureza desse vício engendrar aversão pelo bem, produzir dormência na alma e mergulhar a mente na tristeza. Ele torna a pessoa propensa ao sono e à dissipação, inspira o horror do retiro, o tédio da solidão, o desprezo e o desdém pelos irmãos, e o desgosto de qualquer trabalho, especialmente se for espiritual, e às vezes até nos leva a fazer algum trabalho manual para servir de pretexto para deixar de lado os exercícios do espírito, a oração, e práticas semelhantes. As consequências de tal vício são a malícia, alegria em formular planos perversos, o desespero, a pusilanimidade, o ressentimento ou ódio inveterado, a indiferença a tudo que diz respeito aos mandamentos de Deus, e o derramamento da alma sobre o que é proibido.

O remédio soberano contra a preguiça é nunca ceder ao tédio, passar à frente lutando com coragem, e vencê-la pelo trabalho. No entanto, todos podem variar suas ocupações: às vezes orando, às vezes lendo, às vezes meditando, etc. Se uma coisa não agrada, pode-se fazer outra, e agir consigo mesmo como se age com um paciente cujo paladar está estragado, e a quem se oferece todos os tipos de comida. 


2o remédio: acorrentar a preguiça pela compunção, isto é, pela memória de nossas ofensas e crimes; e matá-la pelo trabalho das mãos e pela séria meditação de recompensas futuras

Um trabalho manual igualmente variado também é útil contra esse enfado do coração, e a esse trabalho vem juntar-se, como um poderoso auxiliar, a compunção. Com efeito, quem chora sobre si mesmo, diz São João Clímaco, não sabe o que é a preguiça [Grad., 13]. Que esse tirano, portanto, seja acorrentado pela memória de nossas ofensas e crimes; que ele seja morto pelo trabalho das mãos e pela séria meditação de recompensas futuras.


                                       

- Tristeza -

1o remédio: ter caridade para com Deus, a qual nunca é ociosa

Observe que a má tristeza pode ser vista sob duas perspectivas, seja em geral ou em particular. Chama-se tristeza de maneira geral quando é considerada em suas relações com todas as paixões; pois é característico de toda paixão gerar dor ou prazer, se ela toma posse do objeto que cobiça, ou se foi frustrado. Quanto mais superardes essa tristeza, mais arrancareis do vosso coração um grande número de vícios. Se fordes forte contra este, muitos outros vícios desaparecerão; se fordes fraco, suas diminuições serão insensíveis; e superando-a totalmente, mata-se todos. Mas quem chegará lá?

Chama-se tristeza de maneira especial quando ela é tédio das coisas divinas, assim ela pode ser incluída dentro da preguiça. A causa da tristeza se conhece dificilmente, porque ela tem tantas causas quanto o número, em nós, de vícios entranhados ou afeições perversas.

Contra estes dois vícios, a preguiça e a tristeza, combata a caridade para com Deus, que nunca é ociosa. Agora, chegamos a esta virtude em um grau triplo.


Graus contra a tristeza 

1o: fazer uso do que nos é permitido, para que tenhamos sempre o cuidado de nos abster do que nos é proibido.

2o: realizar com prontidão e grande fervor tudo o que está relacionado com o serviço de Deus e estimulando tal sentimento nos outros.

3o: ir a Deus com tanto ardor como se não pudesse viver sem Ele.

Ainda encontramos ajuda contra a tristeza nas conversas piedosas, na memória da bondade e da misericórdia de Deus e nos hinos sagrados, como ensina São Paulo aos Efésios [
Ef V].






- Vanglória -

1o remédio: nunca empreender nada por motivo de vaidade

Se vós conseguirdes superar todos os vícios de que falamos (o que não pode ser feito sem grandes esforços e dores numerosas); se, digo eu, vós chegardes aqui, então, acima de tudo vós deveis tomar precauções contra a glória vã; pois ela desliza com tanta arte entre as virtudes que dificilmente os homens espirituais podem sempre reconhecê-la. Porém, ela é vã de qualquer maneira, e faz com que a vaidade penetre em tudo: nas roupas, na postura, na conversa, no silêncio. Se estiverdes vestido com uma vestimenta preciosa, vós a encontrareis; se fordes humilde, ela ficará ainda mais animada; se falardes, ela ficará encantada com o que dizeis; se calardes, ela aplaudirá vossa humildade. Ela faz nascer em vós o pensamento, imprime em vós um desejo ardente daquilo que é motivo de louvor e honra. Mesmo assim, para isso teríamos que nos expor a grandes perigos e trabalhos penosos; por isso, ela dá àqueles que a ela se dedicam uma coragem maior do que a esperança da bem-aventurança para aqueles que lutam por ela.

É a mesma besta que faz aspirar aos graus do clericato, do diaconato, do sacerdócio. No entanto, quando ela incentiva alguém a receber essas honras, ela toma cuidado para não fazê-lo abertamente, por medo que ele seja acusado de tê-los ambicionado. Veja sobre este assunto o que Cassiano diz no livro das Instituições Monásticas. Não, nunca poderíamos descrever todas as formas que esse monstro assume. Onde quer que o afasteis, ele sempre mantém a ponta voltada contra você como um cardo [N.E: planta com pontas espinhosas]; e semelhante ao alho; se removerdes um pedaço, vós o encontrareis coberto por outro. Deixe-o entrar em algum lugar, e ele traiçoeiramente arrasta atrás de si crianças dignas de sua perversidade. Estas são: insubordinação, briga, jactância, hipocrisia, teimosia, discórdia, presunção ou invenção de novidades.

Portanto, se desejais vencer a vã glória, tome cuidado supremo de nunca empreender nada por motivo de vaidade, lembrando-se desta palavra do Salvador: “Eles receberam a sua recompensa [S. Mateus VI]", outra do Profeta: “Deus espalhou os ossos daqueles que procuraram apenas agradar aos homens: eles ficaram confusos, porque Deus os desprezou [Sl LII]; e ainda outra do Apóstolo: “Se eu quisesse agradar aos homens, não seria servo de Jesus Cristo [Gl I]". Em seguida, esforce-se para preservar-se dos ataques desse vício com um cuidado não menor do que quando começardes com uma intenção justa.

2o remédio: evitar a todo o momento tudo que é singular, tudo que possa trazer louvor e honra. 

Por fim, aquele que quiser permanecer vitorioso neste combate deve evitar a todo o momento tudo que é singular, tudo que possa trazer louvor e honra. “Pois, de acordo com São João Clímaco, o princípio da ruína da vanglória é a guarda da língua, o amor de companhias pouco elevadas, a alegria de uma profunda ignomínia e a felicidade que experimentamos ao parecermos miseráveis ​​na presença da multidão [Grad. 21]. "O único remédio contra a vã glória ", diz São João Crisóstomo," é orar a Deus para que se digne nos livrar dela".





                               


- Orgulho -


1o remédio: gritar do fundo do coração: "O que sou, sou pela virtude e graça de Deus”, e pensar que é Deus quem opera em nós o desejá-la e realizá-la como lhe agrada

Por fim, é preciso, em último lugar, atacar o próprio orgulho, a cabeça e a raiz de todos vícios, o abismo devorador todas as virtudes; o orgulho, cuja força e violência são tais que expulsou Lúcifer do céu. Davi, ainda criança, colocou sua confiança no Senhor, e por sua humildade esmagou Golias, apesar da grandeza desproporcional de sua estatura.

O orgulho tem dupla força: é espiritual quando se dirige à perfeição que vê em quem faz o bem. É carnal, portanto, quando inspirado por alguma qualidade exterior.

Agora, aquele que possui orgulho espiritual costuma crer que tem grandes méritos, e atribui a si mesmo consideráveis ​​graças, considerando-se muito amado por Deus, e se espanta por não fazer maravilhas, e se perturba porque Deus não lhe dá algo de especial, e despreza os outros como homens terrestres. Esse vício expõe a graves perigos e é mais temível do que os vícios da carne. Com efeito, não há nada que esmague todas as virtudes e roube ao homem toda a justiça e santidade, quanto a praga do orgulho.
 


Quem, portanto, quiser escapar das trapaças desse monstro perverso deve, em cada um dos atos em que sente que progrediu na virtude, gritar do fundo do coração: "O que sou, sou pela virtude e graça de Deus”, e pensar que é Deus quem opera em nós o desejá-la e realizá-la como lhe agrada [I Cor XV].

2o remédio: lembrar que o bem que há em nós de bom é um dom de Deus e que deste prestaremos conta rigorosa. E que esse bem está misturado com muitas faltas e vícios
 

Devemos também lembrar que o bem que há em nós de bom é um dom de Deus e que deste prestaremos conta rigorosa; que esse bem está misturado com muitas faltas, indiferença, hipocrisia, etc., e que, além disso, estamos cheios de uma multidão de coisas más e viciosas. 

3o remédio: mirar aos homens melhores do que nós, e aos anjos, para que a comparação sirva para nos humilhar previamente.

Devemos também mirar aos homens melhores do que nós, e aos anjos, para que a comparação sirva para nos humilhar previamente. 

O orgulho carnal pode ser reconhecido por estas pistas: está no silêncio, cheio de murmúrio, de amargura e raiva; na alegria ele se dissolve, ele ri sem medida e sem causa; na tristeza, ele é duro e severo; na correção, ele é odioso e sem compaixão: ele fala aleatoriamente, sem gravidade, sem reflexão; ele é sem paciência e sem caridade; ele lança o insulto com arrogância e o recebe apenas com pusilanimidade; ele se submete com dificuldade à obediência, desdenha dos avisos e é teimoso em sua própria vontade; ele se esforça para fazer prevalecer seus sentimentos e se recusa sempre a concordar com outros; ele não aceita conselho de ninguém e tem mais confiança em sua iluminação do que na dos sábios.

O primeiro remédio contra tal vício é abraçar a obediência com toda a simplicidade de coração, e praticá-la com humildade. A segunda é mostrar-se humilde para com os irmãos com toda a sinceridade de sua alma, esforçando-se para não feri-los em nada por uma aquiescência perfeita aos seus pontos de vista. A terceira é praticar em todos os momentos, tanto quanto possível, trabalhos de humildade, os fardos mais vis e desprezados, como servir na cozinha, lavar a louça, varrer a casa, abraçando os ofícios mais baixos para ser vestido apenas com uma vestimenta pobre, e ter em vissi andar um comportamento que respire humildade. Se alguém se acostumar com todas essas coisas, eles inclinarão o coração à virtude. A quarta é evitar honras, preferir muito mais, em todo o tempo, servir aos outros do que ser servido, cortar qualquer discurso pretensioso, qualquer nome arrogante, mesmo o nome de sua família. Por fim, em último lugar, evitar qualquer distinção e qualquer ato em que a presunção e a vaidade respirem ainda que um pouco.

Graus da humildade (virtude oposta ao orgulho)

1o: reconhecermos a nós mesmos como fracos, vazios do bem, viciosos, cheios de outras faltas que podemos ter, e não nos elevarmos acima do que somos.

2o: desejar ser julgado pelos outros de acordo com o que se conhece de si mesmo na verdade, isto é, vil, miserável, soberbo, etc.

3o: não ter orgulho quando se pratica as virtudes mais sublimes, quando se está rodeado de honras, e não aproveitar a oportunidade para se gabar, mas para relacionar tudo a quem tudo recebemos, devolvendo-o sem reservas. Essa foi a humildade de Jesus Cristo; tal é a humildade dos anjos e santos na glória.

 

 

 

Árvore dos vícios e das virtudes segundo desenhos medievais


Tradução livre: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Vices_Speculum_Virginum_W72_25v.jpg

Tradução livre: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Virtues_Speculum_Virginum_W72_26r.jpg



 


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[1] OEUVRES SPIRITUELLES DE S. BONAVENTURE, de l'Ordre des Frères Mineurs, Cardinal-Évêque d'Albane, Traduites par M. l'Abbé Berthaumier, curé de Saint-Pallais. Paris. Louis Vivès, Libraire — Éditeur, rue cassette, 23. 1854. Beaugency. — Imprimerie de Gasnier. Numérisation: Abbaye Saint Benoît de Port-valais, 2005. Link: https://www.bibliotheque-monastique.ch/bibliotheque/bibliotheque/saints/bonaventure/vol02/014.htm#_Toc101148485

São Boaventura ensina como fazer uma meditação

S. Boaventura, exemplo de Franciscano,
rogai por nós!
O Doutor Seráfico, São Boaventura (1221-1274), gigante Cardeal da Ordem Francisca, escreveu diversos opúsculos de alta densidade, isto é, escritos curtos, mas cheios de suco e que nos atraem sempre à prática.

Aqui transcrevemos o capítulo em que ele fala do modo de se fazer a meditação, no opúsculo "Três caminhos para a vida espiritual ou Incêndio do Amor" (Cap. I, tradução do Frei Saturnino Schneider, edição Obras Escolhidas). Lembramos que a meditação/exame de consciência é comumente muito aconselhada pelos grandes escritores da vida espiritual para o progresso da vida espiritual. 

Ao final, colocamos um esquema resumido para se fazer a meditação conforme ensinado.

Com negritos e sublinhados nossos. Algumas citações do santo não colocamos por serem muito extensas.

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1. Eis, de três modos, exposta a minha doutrina. Provérbios 22:20. Todas as ciências trazem em si a marca da Trindade, mas, de todas, a que melhor a conserva é a que se aprende na Sagrada Escritura. Dela disse o sábio, que foi por três formas ensinadas, por causa dos três sentidos espirituais que encerra: o moral, o alegórico e o analógico (ou místico), os quais correspondem aos três atos hierárquicos da vida espiritual: a purificação, a iluminação e a perfeição. A purificação produz a paz, a iluminação conduz à verdade e a perfeição realiza a caridade. Esses três atos, frequentemente praticados, dão a felicidade à alma e, quanto melhor praticados, mais lhe aumentam os méritos. No conhecimento desses três atos é que se funda a ciência de toda a Sagrada Escritura, e dele é que depende o merecimento da vida eterna.

Três são os exercícios que facilitam a sua realização: a meditação (Hugo de São Vítor, III, Erudit. didascalicae, c. 11), a oração e a contemplação.

Capítulo I - Da meditação, pela qual a alma é purificada, iluminada e aperfeiçoada

2. Comecemos por examinar o que é meditação. Saibamos que existem em nosso espírito três faculdades pelas quais se exercem aqueles três atos da vida espiritual: o estímulo da consciência, a luz da inteligência e o calor da sabedoria. Portanto, quem quiser se purificar dirija contra si o acúleo da consciência; quem precisar de se iluminar, recorra à luz da inteligência; e quem desejar tornar-se perfeito, aqueça-se ao calor da sabedoria. É o que aconselhava a Timóteo o bem-aventurado Dionísio, ao dizer-lhe: "Volta-te para a luz" etc (Mystica Theolog. c. 1. §1).

Purificação - dirigir contra si o acúleo da consciência 

Recordação dos pecados; exame de si mesmo; consideração do bem

§ 1 - Da purificação da alma e do seu tríplice exercício

3. Para que o acúleo da consciência seja convenientemente empregado, deve cada um primeiro suscitá-lo, depois aguçá-lo e, enfim, retificá-lo. Suscita-o a recordação dos pecados; aguça-o o exame de si mesmo; retifica-o a consideração do bem.

4. A recordação do pecado tem por fim exprobar à alma as suas múltiplas negligência, concupiscências e malevolências; pois que todos os nossos defeitos e pecados, tanto os atuais como os habituais, podem reduzir-se a esses três.

Meditar sobre Negligências 1 - na guarda do coração, no emprego do tempo, e na direção das ações

Com respeito às negligências, examine cada um: em primeiro lugar, se foi negligente na guarda do coração, no emprego do tempo, e na direção das ações. Este tríplice exame deve ser rigoroso, pois que cada um deve sempre e com o máximo cuidado guardar puro o seu coração, empregar utilmente o seu tempo e dirigir todas as suas ações para o fim devido.

Meditar sobre Negligências 2- verifique se foi na oração, na leitura espiritual e na execução das boas obras

Em segundo lugar, verifique se foi negligente na oração, na leitura espiritual e na execução das boas obras. Nesses três propósitos deve se exercitar com diligência e aplicação quem deseja produzir bons frutos no tempo adequado (Sl 1:3 e Mt 3:10). De resto, nenhum deles pode ser eficazmente praticado se os outros não o forem conjuntamente.

Meditar sobre Negligências 3 - em fazer penitência, em resistir ao mal, e em progredir no bem

Em terceiro lugar, excogite se foi negligente em fazer penitência, em resistir ao mal, e em progredir no bem; porque é dever de cada homem arrepender-se do mal cometido, repelir as tentações diabólicas, e progredir de virtude em virtude (Sl 83:8) até chegar à terra da promissão.

Meditar sobre Concupiscências 1 - voluptuosidades - desejos do que é delicado, deleitoso, carnal.

5. Acerca das concupiscências, inquira cada qual se existem em sua alma desejos de voluptuosidade, de curiosidade, ou de vaidade, nos quais se enraízam todos os males. Em primeiro lugar, deseja as voluptuosidades quem deseja o que é delicado, o que é deleitoso e o que é carnal, isto é, quem deseja alimentos saborosos, vestuários graciosos, prazeres luxuriosos. Sendo repreensível consentir em tais desejos, é dever do homem reprimi-los logo que apontam.

Meditar sobre Concupiscências 2 - curiosidade - desejo de saber o que é secreto, ver o que é formoso, possuir o que é precioso

Em segundo lugar, a curiosidade se manifesta em quem deseja saber o que é secreto, ver o que é formoso, possuir o que é precioso. Tudo isso denuncia um ânimo cheio de cobiça e condenavelmente indiscreto. 

Meditar sobre Concupiscências 3 - vaidade - desejo de receber favores, elogios ou honrarias

Em terceiro lugar, deseja vaidades quem deseja receber favores, elogios ou honrarias, que são vaidades e tornam o homem vão. De todas estas ambições deve cada um arguir-se com severidade.

Meditar sobre Malevolências 1 - cólera - se esconde na intenção ou se descobre nos gestos e nas palavras, isto é, passando do coração ao rosto e à voz; revela-se nos desejos, nos ditos, nos atos.

6. Enfim, a respeito das malevolências, examine cada um se sente ou já sentiu em si as emoções más da cólera, da inveja, da acédia. Primeiro, a cólera se esconde na intenção ou se descobre nos gestos e nas palavras, isto é, passando do coração ao rosto e à voz; revela-se nos desejos, nos ditos, nos atos.

Meditar sobre Malevolências 2 - inveja - consiste em entristecer-se alguém pela prosperidade de outrem; regozijar-se pelo seu infortúnio; recusar-se a socorrê-lo nas suas necessidades.

Segundo, a inveja consiste em entristecer-se alguém pela prosperidade de outrem; regozijar-se pelo seu infortúnio; recusar-se a socorrê-lo nas suas necessidades.

Meditar sobre Malevolências 3 - tédio e o aborrecimento do esforço espiritual, enche o coração de suspeitas maldosas, de pensamentos blasfemos, de detrações malignas

Terceiro, a acédia que é o tédio e o aborrecimento do esforço espiritual, enche o coração de suspeitas maldosas, de pensamentos blasfemos, de detrações malignas. Todas essas maldades são detestáveis. O resultado desses três exames, triplicados pelo modo indicado, deve ser a excitação e estímulo da consciência, a fim de que alma, pela recordação dos pecados, se encha de amargura e de arrependimento.

Aguçar a consciência pelo exame da própria alma

1 - Dia da morte - indeterminável, inevitável, irrevogável, tratemos com maior diligência enquanto o tempo nos é dado

7. Depois de haver suscitado o acúleo da consciência é mister aguçá-lo pelo exame da própria alma. Três coisas devem ser lembradas neste exame; o dia da morte, sempre iminente; o sangue de Cristo, sempre recente (Col 1:20), e a face do juiz, sempre presente. Primeiro, o dia da morte é indeterminável, inevitável, irrevogável. Se entendermos bem este pensamento, trataremos com maior diligência e enquanto o tempo nos é dado (Gal 6:10), de nos purificarmos de toda a concupiscência, de toda malevolência. Quem quererá conservar-se em estado de pecado, se não está certo de ter o dia de amanhã para se arrepender?

2 - Sangue de Cristo na cruz - derramado para lavar a imundície humana, para vivificar a morte e para fecundar a aridez

Segundo, o sangue de Cristo na cruz foi derramado para mover o coração humano, para purificá-lo e, enfim para torná-lo dócil, ou dito de outra forma, foi derramado para lavar a imundície humana, para vivificar a morte e para fecundar a aridez. Quem deixar a permanecer em si a mancha das negligências, das consciências ou das malevolências, se refletir que para lavá-las é que foi derramado aquele preciosíssimo sangue?


3 - A face do juiz infalível, inflexível e inelutável; nada escapa à Sua ciência, nada abranda a Sua justiça, ninguém foge à Sua vindita

Terceiro, a face do juiz em que devemos pensar é a de um juiz infalível, inflexível e inelutável. Nada escapa à Sua ciência, nada abranda a Sua justiça, ninguém foge à Sua vindita.  Para esse juízo, do mesmo modo que "nenhuma boa ação ficará sem recompensa, também nenhum mal ficará sem castigo". Quem, em tal pensamento, deixará de combater esse toda tendência para o mal?

Retificar o acúleo da consciência pela consideração do bem

8. Vejamos agora como se há de retificar pela consideração do bem o acúleo da consciência. Três são as qualidades cuja aquisição contribui para retificar a consciência: o zelo, que corrige a negligência; a austeridade, que combate a concupiscência; e a benevolência, que se opõem a malevolência quem possui essas três qualidades, possui uma consciência boa e reta. É o que diz o profeta (Mq 6:8): vou te ensinar o que é bom e o que o Senhor exige de ti: pratica a justiça, ama a misericórdia e procede cuidadosamente com Deus. O mesmo ensinou o Senhor pelo Evangelista São Lucas: tende cingidos os vossos rins e nas vossas mãos lâmpadas acesas; e sede semelhantes a homens que esperam o seu amo na volta das bodas para que ele abriu a porta logo que ele chegar a bater. Bem aventurado os servos que o Senhor, ao chegar, encontrar vigiando.

1 - O zelo - corrige a negligência; é uma certa energia da alma, inimiga de qualquer negligência, e que instiga a fazer todas as obras de Deus com atenção, com confiança e com discernimento.

9. Primeiro, o zelo é a qualidade que precede as outras. Pode ser definidos: em uma certa energia da alma, inimiga de qualquer negligência, e que instiga a fazer todas as obras de Deus com atenção, com confiança e com discernimento.


2 - A austeridade - certo rigor de espírito; refreia as concupiscências e habilita um homem amar o que é árduo, o que é pobre, o que é vil.

Segundo, a austeridade é um certo rigor de espírito que refreia as concupiscências e habilita um homem amar o que é árduo, o que é pobre, o que é vil.


3 - A benevolência certa brandura de alma, contrária à malevolência; inclina à benignidade e à tolerância e à alegria espiritual.

Terceiro, a benevolência é uma certa brandura de alma, contrária à malevolência, e que inclina à benignidade e à tolerância e à alegria espiritual. - Termina nesta fase a purificação, que se alcança por meio da meditação porque uma coincidência pura se conserva sempre alegre. Quem deseja se fosse ficar, exercite, portanto, sua consciência como foi dito acima. Esse exercício pode começar por qualquer dos atos que descrevemos. Mas, de um se passará a outro somente depois de o haver praticado com demora e depois de sentir a alma perfeitamente tranquila e serena, porque são estes os frutos da alegria espiritual e os encitamentos para prosseguir avante e para cima. Iniciado, deste modo, pela amargura da consciência, o trabalho da purificação da alma finaliza no sentimento da alegria espiritual; e o que foi começado com dor é acabado com amor.


§ 2 -  Da iluminação da alma e do seu tríplice exercício. 

Iluminação - dirigir a luz da Inteligência 

1 - Aos pecados que Deus já perdoou - numerosos e tão grandes quanto os males a que estávamos afeiçoados e os bens de que merecemos ser privados - O que mais teríamos feito, se Deus não houvesse permitido - Render graças a Deus pela remissão dos pecados e por isso 

10.   Depois dos exercícios de purificação seguem-se os de iluminação da alma, para que é mister recorrer à luz da Inteligência.  Essa luz primeiro se dirigir a sobre os pecados perdoados, em seguida se estenderá sobre os benefícios recebidos, e, se fixará sobre as recompensas prometidas. - A luz da Inteligência há de se dirigir sobre os pecados que Deus já perdoou, porque foram numerosos que cometemos e tão grandes quanto os males a que estávamos afeiçoados e os bens de que merecemos ser privados. O assunto da meditação precedente foi semelhante a este; mas agora precisamos considerar não só o mal que fizemos, mas também o que teríamos feito, se Deus tal não houvesse permitido. À medida que refletirmos sobre isto com atenção as trevas da nossa alma serão dissipadas pela luz da inteligência e começaremos a sentir por Deus uma calorosa gratidão, sinal certo de que a iluminação procede verdadeiramente do céu, fonte, ao mesmo tempo, da claridade e do calor. Esta é a ocasião própria para render graças a Deus pela remissão dos pecados que cometemos, ou que possivelmente teríamos cometido, em consequência da 
fraqueza ou da perversidade do nosso próprio querer.

2 - Aos benefícios recebidos - natureza, graça, superabundância de ambas - integridade do corpo, saúde, sentidos aptos ao uso, inteligência clara, juízo reto, ânimo benigno - auxílio da graça dado por Deus no batismo, no sacramento da penitência, e pelo sacerdócio - hierarquia dos seres no universo, descida de Deus Filho à terra, dons transmitidos pelo Espírito Santo
 
11.  A luz da Inteligência deve se estender, em seguida, sobre os benefícios recebidos. Estes são de três gêneros: uns dizem respeito à natureza, outro à graça, e outros à superabundância de ambas. Quanto aos dons naturais, temos de agradecer a Deus a integridade do corpo, saúde do organismo, a nobreza do sexo; sentidos aptos ao seu uso, como a vista perspicaz, ouvido aguçado, língua discreta; e também qualidades espirituais, como inteligência clara, juízo reto, ânimo benigno.

12. Os auxílios da graça são, primeiro, os que Deus nos proporcionou pelo batismo, que suprime a culpa, restitui a inocência e confirma na justiça, tornando-nos dignos da vida eterna; em segundo lugar, os que nos dá pelo sacramento da penitência, o qual nos é concedido no tempo conveniente, quando a alma o requer, e condignamente à grandeza da religião; por último, os que confere pelo sacerdócio, o qual estabelece os autênticos administradores da doutrina, do perdão e da Eucaristia, pelos quais nós é comunicada a vida sobrenatural.

13. Enfim, medite-se na superabundância de dons que Deus nos concede. Primeiro os que encerra o universo todo, no qual os seres inferiores se destina o nosso serviço; os iguais ao meritório exercício das nossas faculdades, e os superiores ao nosso patrocínio. Segundo, os que representa a descida à terra do seu próprio Filho, o qual, pela encarnação, se tornou o nosso irmão e amigo, pela paixão, o preço do nosso resgate e, pela Eucaristia, o nosso alimento cotidiano. Enfim, os que transmite o Espírito Santo, que nos dá a certeza de sermos agradáveis a Deus, nos confere privilégio de sua adoção e a aliança da sua amizade, e assim torna a alma cristã amiga, filha e esposa de Deus. Tais dádivas são inestimáveis e a sua meditação deve inspirar à alma grande admiração e gratidão por Deus.


3 - Bens que nos foram prometidos - extinção de todos os males, a companhia de todos os santos e a satisfação de todos os desejos - a Ele, pois, devemos tender com todos os impulsos, todos os afetos, todas as forças de nossa alma

14. Resta-nos explicar como a luz da Inteligência, refletindo-se sobre os bens que nos foram prometidos, reverte à origem de todo bem, que é Deus. Por isso é preciso, com frequência e atenção, considerar que "Deus nunca mente" (Tito 1:2) e aos que Nele creem e amam prometeu a extinção de todos os males, a companhia de todos os santos e a satisfação de todos os desejos, dando-se Ele próprio, que é a origem e o fim de todos os bens e bem tamanho que serve a todos os anelos, a todos os cálculos, a todas as esperanças dos homens. Desse bem insuperável Deus nos quer julgar digno desde que O amemos e O desejemos acima de todas as coisas e só por amor Dele mesmo; a Ele, pois, devemos tender com todos os impulsos, todos os afetos, todas as forças de nossa alma.

§ 3 - Da perfeição da alma e do seu Tríplice exercício.

Perfeição - Aquecer-se ao calor da Sapiência

1 - Concentrar esse calor - recolher e dirigir só para Deus o amor que dispersamos pelas criaturas
 
15. Estudemos, agora, como nos poderíamos aperfeiçoar aquecendo-nos ao calor da Sapiência. Conseguir-se-á e isto concentrando-se, avivando e elevando esse calor. Para concentrá-lo é mister recolher e dirigir só para Deus o amor que dispersamos pelas criaturas. Nada mais necessário, porque o amor das criaturas geralmente não nos aperfeiçoa; e quando nos aperfeiçoa, não descansa; e quando nos descansa, não nos satisfaz; porque só Deus nos satisfaz por completo.

2 - A
tivar esse calor - comparar o amor consigo mesmo, ou com afeto dos Santos do céu, ou com o próprio esposo

16. Para ativar esse calor, é preciso uma conversão do afeto ao amor do esposo isto se faz comparando o amor consigo mesmo, ou com afeto dos Santos do céu, ou com o próprio esposo. E dá-se quando se percebe que pelo amor pode ser suprida toda indigência, que pelo amor os bem-aventurados possuem toda abundância de bens, que pelo amor assegura-se a presença do que é sumamente desejável. Estas são as coisas que inflamam o afeto.

3 - Elevar esse calor subir acima de tudo ao que é sensível, imaginável e inteligível

17. Para elevar o calor da sapiência preciso subir acima de tudo ao que é sensível, imaginável e inteligível. Diga a alma consigo mesmo que Aquele a quem ama não pode ser percebido pelos sentidos; porque não pode ser visto, nem ouvido, nem provado nem tocado; não pode ser sentido e entretanto é sumamente desejável (Ct 5:16). Considere também que esse mesmo ser não pode ser representado pela imaginação, porque não tem limites, nem feitio, nem número, superfície, nem idades; não é imaginável e, entretanto, é imensamente desejável. Termine, enfim, refletindo que o mesmo ser não pode ser apreendido pela inteligência, pois que escapa a toda demonstração, a toda definição, a toda opinião, a toda avaliação, a toda investigação; que, portanto, não é inteligível e e, entretanto, é imensamente desejável.


§
4 - Conclusão

18.  É assim que pelo exercício da meditação sobre os atos mais adequados à purificação, à iluminação e à perfeição da alma se adquire a ciência que a Sagrada Escritura encerra.  Esse exercício deve ser frequentemente repetido pelo modo indicado. Porque, na verdade, toda meditação bem conduzida há de versar: ou sobre as obras do homem (por exemplo: que faz um homem, que deve fazer, quais são os motivos de seu agir); ou sobre as obras de Deus (o qual, por exemplo, promover das obras da criação, da redenção e da glorificação, criou todas as coisas do nada, tantos benefícios fez ao homem, tantos  malefícios lhe perdoou e tanta felicidade lhe prometeu); ou sobre as fontes de ambas essas obras (isto é, a alma e Deus, e as relações que devem ter entre si). A isto é que se hão de dirigir todas as nossas atenções, porque o escopo de todo o raciocínio e operação mental informar pelo experiência o conhecimento; nisto consiste a verdadeira sabedoria (III. Sent. d. 35. q.1).

19. Tal meditação deve ser praticada com todos os recursos do espírito: com a razão, a sindérese, a consciência e a vontade. A razão perquire e formula do problema; a sindérese define e pronuncia o julgamento; a consciência testemunha e confirma; a vontade escolhe e resolve. Eis um exemplo: a razão indaga o que deve ser feito ao homem que violou o templo de Deus. A sindérese responde que deve ser condenado à morte ou à penitência para que o sofrimento o purifique. A consciência então exclama: "Tu és esse homem. Tens de escolher: ou a danação, ou os tormentos da paciência". Enfim, a vontade escolhe, e porque recusa a danação eterna, aceita os suplícios da penitência. Esse exemplo diz respeito à fase da Purificação (...).


ESQUEMA RESUMIDO DA MEDITAÇÃO
 DE SÃO BOAVENTURA

Purificação - dirigir contra si o acúleo da consciência

Recordação dos pecados; exame de si mesmo; consideração do bem

Meditar sobre Negligências:
1 - na guarda do coração, no emprego do tempo e na direção das ações
2 - verifique se foi na oração, na leitura espiritual e na execução das boas obras 

3 - em fazer penitência, em resistir ao mal e em progredir no bem

Meditar sobre Concupiscências:
1 - voluptuosidades - desejos do que é delicado, deleitoso, carnal.
2 - curiosidade - desejo de saber o que é secreto, ver o que é formoso, possuir o que é precioso
3 - vaidade - desejo de receber favores, elogios ou honrarias

Meditar sobre Malevolências:
1 - cólera - se esconde na intenção ou se descobre nos gestos e nas palavras, isto é, passando do coração ao rosto e à voz; revela-se nos desejos, nos ditos, nos atos.
2 - inveja - consiste em entristecer-se alguém pela prosperidade de outrem; regozijar-se pelo seu infortúnio; recusar-se a socorrê-lo nas suas necessidades.
3 - tédio e o aborrecimento do esforço espiritual, enche o coração de suspeitas maldosas, de pensamentos blasfemos, de detrações malignas

Aguçar a consciência pelo exame da própria alma

1 - Dia da morte - indeterminável, inevitável, irrevogável, tratemos com maior diligência enquanto o tempo nos é dado
2 - Sangue de Cristo na cruz - derramado para lavar a imundície humana, para vivificar a morte e para fecundar a aridez
3 - A face do juiz -  infalível, inflexível e inelutável; nada escapa à Sua ciência, nada abranda a Sua justiça, ninguém foge à Sua vindita

Retificar o acúleo da consciência pela consideração do bem

1 - O zelo - corrige a negligência; é uma certa energia da alma, inimiga de qualquer negligência, e que instiga a fazer todas as obras de Deus com atenção, com confiança e com discernimento.
2 - A austeridade - certo rigor de espírito; refreia as concupiscências e habilita um homem amar o que é árduo, o que é pobre, o que é vil.
3 - A benevolência - certa brandura de alma, contrária à malevolência; inclina à benignidade e à tolerância e à alegria espiritual.

Iluminação - dirigir a luz da Inteligência

1 - Aos pecados que Deus já perdoou - numerosos e tão grandes quanto os males a que estávamos afeiçoados e os bens de que merecemos ser privados - O que mais teríamos feito, se Deus não houvesse permitido - Render graças a Deus pela remissão dos pecados e por isso
2 - Aos benefícios recebidos - natureza, graça, superabundância de ambas - integridade do corpo, saúde, sentidos aptos ao uso, inteligência clara, juízo reto, ânimo benigno - auxílio da graça dado por Deus no batismo, no sacramento da penitência, e pelo sacerdócio - hierarquia dos seres no universo, descida de Deus Filho à terra, dons transmitidos pelo Espírito Santo
3 - Bens que nos foram prometidos - extinção de todos os males, a companhia de todos os santos e a satisfação de todos os desejos - a Ele, pois, devemos tender com todos os impulsos, todos os afetos, todas as forças de nossa alma

Perfeição - Aquecer-se ao calor da Sapiência

1 - Concentrar esse calor - recolher e dirigir só para Deus o amor que dispersamos pelas criaturas
2 - Ativar esse calor - comparar o amor consigo mesmo, ou com afeto dos Santos do céu, ou com o próprio esposo
3 - Elevar esse calor - subir acima de tudo ao que é sensível, imaginável e inteligível


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